A Desilusão Progressista E A Nova Realidade 08/10/2024

A desilusão progressista e a nova realidade – 08/10/2024 – Wilson Gomes

Celebridades Cultura

Da perspectiva dos progressistas e da esquerda, cada eleição traz uma mensagem desoladora. De vitória em vitória, os conservadores avançam rapidamente suas posições, ampliando suas bases parlamentares, conquistando cada vez mais cargos no Executivo e, por consequência, exercendo crescente influência sobre as legislações e políticas públicas que afetam a todos.

Ainda mais impressionante é o roupa de que a extrema direita vem drenando o eleitorado da direita tradicional republicana e avançando sobre o núcleo e até segmento da esquerda, mantendo entre um terço e metade dos votos em democracias importantes nas Américas e na Europa.

Veja-se o resultado das eleições municipais até agora: a esquerda se segura uma vez que pode, o bolsonarismo se consolida, e a direita fisiológica —que o jornalismo, de forma complacente, insiste em rotular uma vez que “centrão”, embora de núcleo não tenha zero— avança. Não se enganem com as manchetes que dizem coisas uma vez que “o centrão foi o grande vencedor”.

A direita fisiológica brasileira não exclusivamente se tornou mais ideológica desde 2018 mas muitos dos partidos que compõem esse chamado “centrão” atuam uma vez que verdadeiros cavalos de Troia para candidaturas bolsonaristas. Chegamos ao ponto em que as disputas eleitorais são protagonizadas por um bolsonarista ungido pela família, competindo com um bolsonarista dissidente, que promete ser um “melhor Bolsonaro” que seu concorrente.

Quando se fala desses avanços, parece que a população é uma presa, e a extrema direita, uma força de ocupação. Mas essa imagem, embora geral, é enganosa, pois trata os eleitores uma vez que uma tamanho sem discrição, cujas vontades e opiniões seriam moldadas por charlatães e outros enganadores ou por qualquer dispositivo tecnológico insidioso a que não consegue resistir.

A veras é outra. A percepção, a opinião e a vontade política das pessoas mudaram nos últimos tempos por diversas razões. A rigor, os conservadores de direita não conquistaram as massas; foram as próprias massas que se tornaram mais conservadoras e radicalizadas à direita. E, cada vez mais, afastadas da esquerda e dos progressistas, tanto em seu imaginário quanto em seus valores. Mais do que distantes, muitos se tornaram genuinamente hostis.

A verdade é que uma segmento significativa dos eleitores não exclusivamente fez uma guinada impressionante para a extrema direita e o conservadorismo uma vez que tem mantido consistentemente essa direção. Desde 2016, quando essa viradela começou, já são cinco eleições nessa toada, e a “novidade” logo completará uma dezena.

As explicações clichês —que a viradela foi fruto de um rompante, um impulso, ou de que foi resultado de manipulação e engodo— parecem insuficientes para explicar por que os eleitores permanecem nessa rota em seguida tantos anos e depois de tudo o que sabem. Rompantes tendem a ser arrefecidos com o tempo, quando o sangue esfria e a racionalidade volta a prevalecer. Manipulações, por sua vez, costumam ser desmascaradas e, uma vez expostas, é difícil alegar miragem continuado.

Portanto, seja qual for a pretexto inicial dessa mudança, ignorância, manipulação e sentimentos não explicam por que essa guinada persiste. O que pode ter sido um cheque em branco em 2018, em 2024 é uma escolha deliberada.

Em 2019, era oriundo perguntar quando os eleitores de alternativas radicais antipolítica e populistas, movidos por raiva, frustração e terror, iriam “estipular” e perceber o quão nocivo é o extremismo que levaram ao poder, para logo retornar à alternância republicana normal entre esquerda, núcleo e direita. Agora, precisamos entender por que uma segmento significativa do eleitorado continua votando na extrema direita ou em ultraconservadores, apesar de tudo o que já se sabe sobre uma vez que governam e as consequências de seu comportamento para a vida pública e a democracia.

A teoria de que os eleitores estão exclusivamente cometendo um grande erro e que “cairão em si” caso consigamos expulsar as fake news, impor controles democráticos sobre os algoritmos e evitar que a mídia “normalize o fascismo” é uma explicação que já não se sustenta. Se podia facilitar a entender as causas da guinada à direita, não explica a permanência de rota.

Pior, impede que busquemos melhores explicações. Desconfio que os progressistas de esquerda preferem continuar com hipóteses que acabam por desprezar o discrição das massas e subestimar sua capacidade de evadir da manipulação porque receiam não gostar das respostas que obteriam se fizessem as perguntas certas.


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Folha

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