A Extrema Direita Sequestrou A Rebeldia 04/02/2025 Wilson

A extrema direita sequestrou a rebeldia – 04/02/2025 – Wilson Gomes

Celebridades Cultura

Há, evidentemente, muitas razões pelas quais pelo menos metade dos eleitores norte-americanos tem preposto Trump nas últimas três eleições. E essas razões provavelmente são muito parecidas com aquelas que levam pelo menos metade dos eleitores brasileiros a continuar optando por candidaturas presidenciais da extrema direita desde 2018.

O que me preocupa, no entanto, é a resistência da esquerda e dos progressistas em se implicar nessa viradela eleitoral para a extrema direita, que tem se repetido ao longo desta última dezena.

“Implicar-se” significa reconhecer que a própria esquerda está errando e que seus erros são segmento das razões que alimentam o vertiginoso propagação do pedestal a extremistas, desta vez em conformidade com as regras do jogo da democracia eleitoral.

O que tem sido regular nas promessas de campanha de Trump, no seu exposição de posse, nas suas primeiras ordens executivas e em suas declarações? Duas coisas. Um etnocentrismo sem limites, expresso na retórica radical de colocar os interesses americanos supra de tudo, proteger a segurança vernáculo, romper com compromissos multilaterais e restaurar o orgulho e a prosperidade do país. E uma promessa direta e sem concessões de desmontar a agenda e a cultura progressista e de esquerda, mormente no que diz saudação à ideologia e às práticas identitárias.

O que há em geral entre essas duas diretrizes? Uma posição moral baseada na força e na audácia e um líder que se vende porquê inabalável, sem pesar, que nunca pede desculpas, recua ou demonstra vulnerabilidade. Esse é um etos vitalista e sim, não há margem para incerteza.

Enquanto isso, para qualquer lado que se olhe, o que os progressistas estão fazendo? Na semana passada, exigiam o desligamento de um sócio de uma editora que se comportou mal com sua mulher há 15 anos. Nesta semana, pedem que uma cantora seja condenada por racismo religioso, proibida de se apresentar e obrigada a remunerar uma indenização milionária por ter trocado o nome de Iemanjá pelo de Jesus em uma performance.

Os progressistas estão presos a uma lógica de retaliação e revanche. O que oferecem não é uma novidade cultura afirmativa, mas uma ênfase na culpa coletiva e histórica, que reforça a teoria de que o quidam está eternamente recluso a um pretérito que o condena. Seu motor é, em grande medida, o ressentimento.

Uma grande parcela da sociedade experimenta o identitarismo porquê uma moralidade imposta, em que a linguagem deve ser reformulada (novos pronomes, palavras proibidas, vocabulário “neutro”) e o pretérito deve ser reescrito. Direitos considerados básicos passam a ser vistos porquê privilégios injustificáveis, e o quidam deve carregar culpas históricas e sociais que não são diretamente suas.

Quando o politicamente correto é vivido e sentido por milhões de pessoas porquê uma forma de vexação, a escolha a ele aparece porquê libertação. É perfeitamente plausível declarar que um dos principais atrativos do trumpismo reside na oferta de um vitalismo sim para amplos segmentos da população que se sentem oprimidos por essa mentalidade e suas formas institucionais.

Essa dinâmica se assemelha muito às revoluções morais do pretérito. Em notório sentido, o trumpismo promete ser para os conservadores o que os movimentos contraculturais dos anos 1960 foram para os progressistas —uma rebelião contra normas repressivas e sufocantes. A diferença é que, agora, a rebelião é contra a esquerda, seus novos dogmas, sua insaciável sede de compensações e cotas.

A extrema direita sequestrou o imaginário da rebeldia, um papel que por muito tempo foi restrito da esquerda. Durante o século 20, eram os progressistas que desafiavam normas conservadoras e pregavam a liberdade contra a repressão. Agora, com o politicamente correto transformado na novidade ortodoxia cultural, a extrema direita se apresenta porquê a verdadeira força rebelde.

Isso permite ao trumpismo se vender porquê um movimento de insubmissos, de gente que não se prega à vigia ideológica. E, pelo menos na frente, isso evoca o “sim à vida” do vitalismo positivo, exalta o impulso, a espontaneidade e o desprezo pelo conformismo social e moral.

Se a esquerda quiser reconquistar o terreno perdido, precisa despovoar a lógica da punição e do ressentimento e oferecer um pouco mais do que culpa e vigilância moral. Enquanto continuar gritando por mordaças, reparações e humilhações, seguirá entregando à extrema direita o argumento da rebeldia e da liberdade. Mas é evidente que continuar pensando que quem vota em Trump é fascista é muito mais consolador.


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Folha

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