O público de 40 milénio pessoas que lotou o Allianz Parque na noite de sexta (11), na primeira das quatro apresentações paulistanas dentro da turnê de despedida de Gilberto Gil, adorou o que viu e ouviu. O repertório espetacular já era esperado. Mas o palco é impactante.
Gil canta sob uma estátua em forma de lesma, ousada e intrigante, e telões flexíveis que exibem imagens do show e vídeos pré-gravados. A utilização das luzes empolga.
No entanto, fica a sentimento de que o público gostaria do show com a mesma intensidade mesmo que Gil se dispusesse a trovar adiante de um fundo branco, um palco “pelado” exclusivamente para ele e sua afiada orquestra. Porque sua figura e sua música são tão poderosas que dispensam qualquer outro atrativo.
O Gilberto Gil que está ali no palco é aquele que habita a memória afetiva de boa segmento dos brasileiros. Ele conquistou isso não exclusivamente por seus ótimos discos, mas também por ter assumido sem pudores uma posição de guru intelectual e místico. Gil nunca se recusou a dar suas opiniões, a suportar os efeitos de um exílio por desculpa delas e a provar um exposição humanista irrepreensível.
Aliás, Gil sempre foi gregário e colaborativo. A lista de seus trabalhos ao lado de outros nomes da MPB é extensa e muito qualificada. Seus parceiros de jornada, além de seus quase irmãos Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia, incluem Rita Lee, Chico Buarque, Milton Promanação, Os Paralamas do Sucesso, Nando Reis e muitos outros. Por isso, uma das peculiaridades dessa turnê está nos convidados que sobem ao palco com ele.
Na orifício da turnê em Salvador, no mês pretérito, Margareth Menezes e Russo Passapusso foram trovar com ele. No Rio de Janeiro, segunda paragem da turnê “Tempo Rei”, recebeu Caetano e Anitta. Na estreia paulistana, ele chamou MC Hariel, e os dois cantaram “A Dança”, que gravaram juntos no ano pretérito.
De qualquer forma, os convidados são carinhosamente levados a uma quesito coadjuvante. Numa noite dedicada à celebração, porquê a que foi acompanhada por fãs extasiados na estádio do Palmeiras, não adianta colocar estrelas ao lado de Gil. Ele brilha muito mais, feito uma supernova.
Aos 82 anos, a voz ainda é firme, o sorriso é franco, o exposição é gentil e amoroso, e a postura é serena. Gilberto Gil se mostra ao público porquê a figura elegante que todos acompanharam por anos. É o Gil da música, da verso e das discussões sobre física, política, macrobiótica, ioga… É o Gil que todos conhecem dando seu adeus.
É preciso louvar a costura do repertório da turnê, tanto na escolha das canções porquê na ordem para apresentá-las. Há uma risota simples, direta e divertida ao transfixar o show com “Palco”, a letra na qual ele descreve sua relação com o ato de se mostrar ao público, e fechar com “Aquele Amplexo”, sua homenagem a Chacrinha que é a despedida mais adequada provável diante de seus admiradores.
Deu muito claro a teoria de encaixar as canções em blocos informais, separados pela temática das letras ou por gêneros musicais. “Procissão” e “Domingo no Parque”, grandes sucessos nos anos 1960, já aparecem no início do setlist, para lançar o público nas lembranças mais antigas de um jovem Gilberto Gil vindo da Bahia para o Rio. Estão agrupadas com “Eu Só Quero um Xodó” e “Eu Vim da Bahia”, e não é por eventualidade.
Nessa perspectiva, a dobradinha “Refazenda” (em dueto com a neta, Flor) e “Refavela” faz todo o sentido, representantes emblemáticas da período “Re”, discos da dezena de 1970 que exibem uma originalidade único do compositor de volta ao Brasil depois do exílio em Londres.
E, num mergulho no Gil incisivo quando cede a canções explicitamente políticas, “Cálice” surge isolada, com seus versos de resistência ao regime militar, escrita em 1973. E os painéis no palco exibem um prova de Chico Buarque, parceiro de Gil na cantiga de protesto, contando sobre essa formação. A plateia grita várias vezes: “Sem anistia!”. Também são exibidas imagens de vítimas da ditadura. Na plateia no Allianz, que tem alguma mistura geracional, mas é preponderante madura, as pessoas choram.
Depois desse momento denso e emotivo, vem o reggae. Se alguém conseguiu olvidar que Gilberto Gil foi uma figura fundamental para que o ritmo jamaicano se tornasse popular no Brasil, isso fica simples quando o cantor emenda “Não Chore Mais”, a versão que fez para o clássico de Bob Marley “No Woman, No Cry”, com “Extra” e “Vamos Fugir”, canções que o público conhece de cor e trazem um tanto do reggae já filtrado pelas particularidades musicais do baiano.
“Realce”, que faz o público dançar enlouquecido, e “A Gente Precisa Ver o Luar”, outro disparo de alegria, constroem um dança breve, que é atingido de frente por um disparo roqueiro. “Punk da Periferia” e “Rock do Segurança” representam no repertório o flerte proferido de Gil com uma atitude quase rock, que marca discos dele nos anos 1980.
Se a essa profundeza do campeonato Gil já ganhou a plateia inapelavelmente, é hora de um conjunto que traz os sucessos mais confessionais e intimistas de seu cancioneiro. O público que pulou muito com reggae e rock agora fica praticamente imóvel, envolvido por versos que trazem a visão filosófica de Gil sobre certas coisas. A lista é divina: “Se Eu Quiser Falar com Deus”, “Drão”, “Estrela” e “Esotérico”. É Gil abrindo a cabeça e o coração diante de seus fãs.
O final do show segue para um clima festivo. Entre outros hits alegres, “Expresso 2222”, “Caminhar com Fé” e a já citada “Aquele Amplexo”. No bis, foi de “Esperando na Janela” e “Toda Rapariga Baiana”. O público deixa o estádio certamente com uma sensação dúbia. Porquê Gilberto Gil pode ser tão genial? Porquê é provável permanecer sem isso depois dessa turnê?
Além do show no sábado (12), “Tempo Rei” tem mais duas datas no Allianz Parque, nos dias 25 e 26 deste mês. Durante o ano, vai passar por várias cidades, entre elas Brasília, Belo Horizonte e Porto Prazenteiro, além de voltar para mais datas no Rio.