Quando começou a filmar “A Hora da Estrela”, em 1984, a cineasta Suzana Amaral já tinha uma história e tanto.
Com pouco mais de 50 anos, ela havia oferecido à luz nove vezes, cursado cinema na Universidade de São Paulo, feito especialização na Universidade de Novidade York e realizado documentários para a TV Cultura, entre muitas outras coisas.
Em meio aos planos para rodar seu primeiro longa-metragem, fundamentado no romance de Clarice Lispector, Amaral assistiu a uma peça chamada “Lábio de Estrada”. Apresentado por um grupo de Cajazeiras, cidade do sertão da Paraíba, o espetáculo passava por São Paulo para uma curta temporada.
A cineasta viu a peça uma, duas, três vezes. Ficou fascinada com o elenco e, já àquela profundeza, sondou a jovem atriz Marcélia Cartaxo para interpretar Macabéa, a protagonista de “A Hora da Estrela”, filme que volta agora aos cinemas, em imitação restaurada.
“Na estação, eram comuns os questionamentos em relação aos atores que vinham do teatro para fazer cinema porque tinham gestos largos, eram exagerados. A Suzana ficou impressionada com meu trabalho contido no palco”, lembra Cartaxo.
Naquele momento, no entanto, não havia orçamento suficiente para produzir o filme. A atriz voltou para a Paraíba e, nos oito meses seguintes, recebeu oito cartas de Amaral em que a diretora falava sobre a personagem de Lispector.
Amaral, que morreu em 2020, acumulava as mais variadas experiências na vida e na arte; Cartaxo, por outro lado, era uma atriz de 20 e poucos anos, com escassa vivência fora de Cajazeiras. Esse contraste agradava à diretora paulistana, que buscava justamente a imaturidade de alguém que nunca tinha feito cinema.
Elas conversaram muito nos meses de pré-produção, mas as orientações foram mínimas quando as filmagens começaram. “A Suzana não queria que eu soubesse uma vez que me comportar diante das câmeras. Eu tinha dúvidas, e ninguém me dizia para olhar para um lado ou para outro. Ela pediu que eu atuasse uma vez que fazia no teatro”, conta a atriz. “Só aprendi a mourejar com a câmera anos depois”.
Deu perceptível o método de atuação, ou justamente a aversão a métodos consagrados. A datilógrafa nordestina Macabéa –”a única coisa que queria era viver. Não sabia para quê, não se indagava”– ganhou as feições e os movimentos de Cartaxo.
O primeiro longa-metragem de Suzana Amaral conquistou dez prêmios no Festival de Brasília de 1985, entre os quais de melhor filme e atriz. Em fevereiro do ano seguinte, o Festival de Berlim deu a Cartaxo o Urso de Prata de melhor atriz.
“‘A Hora da Estrela’ foi um ocorrência gigantesco na minha vida. Definiu minha curso, meus sonhos”, diz a atriz. Mas o cinema e a TV nem de longe sentiram o mesmo impacto: nos anos seguintes, Cartaxo recebeu uma sequência de convites para viver empregadas domésticas com participações muito secundárias.
Zero contra interpretar domésticas, ela ressalta. O problema é ser chamada só para esse tipo de papel, com personagens praticamente sem história.
Uma novidade reviravolta na curso dela se deu com “Madame Satã”, filme de 2002 dirigido por Karim Aïnouz. Fez o papel da prostituta Laurita e, mais uma vez, acumulou uma penca de prêmios.
Desde logo, tem sido convidada para papéis mais elaborados no cinema. Na TV, atuou na primeira temporada da série “Cangaço Novo”, da Amazon Prime Video, e voltará para a segunda leva de episódios.
Uma vez que Cartaxo, “A Hora da Estrela” passou um tempo longo quase esquecido, praticamente restrito a discussões acadêmicas.
Agora, porém, o filme ganha um sopro de vida, para reportar outro romance de Lispector. Depois de um processo de restauração do dedo, que se estendeu de dezembro de 2023 a maio deste ano, “A Hora da Estrela” voltou a ocupar os cinemas nesta quinta.
O longa de Amaral integra o projeto Sessão Vitrine Petrobras, que tem se notabilizado por levar às salas destaques da produção brasileira recente. Nesta edição do projeto, além desses novos longas, dois filmes de décadas passadas, ambos dirigidos por mulheres, foram recuperados para exibição nos cinemas.
“Durval Discos”, filme de 2002 de Anna Muylaert, foi digitalizado e relançado em novembro pretérito. “A Hora da Estrela” passou por uma restauração do dedo, um processo que, grosso modo, envolve mais pesquisas e cuidados nos ajustes.
Ambos os trabalhos foram feitos no laboratório da Planta Filmes/Link Do dedo, no Rio de Janeiro, sob a coordenação técnica de Débora Butruce, presidente da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual.
Envolvida com essa atividade há mais de 20 anos, Butruce trabalhou na recuperação de obras de diretores uma vez que Joaquim Pedro de Andrade e Jorge Bodanzky. Destacou-se principalmente ao coordenar a restauração de “Rainha Diaba”, filme de 1974 dirigido por Antônio Carlos Fontoura.
Essa iniciativa, responsável por dar vida novidade ao clássico protagonizado por Milton Gonçalves, foi considerada um dos dez melhores trabalhos de restauração de 2023 pela revista americana Film Comment.
“Existe uma mudança de mentalidade em curso. As pessoas começam a entender a preservação uma vez que secção da calabouço do audiovisual”, diz ela.
Graças ao olhar e à técnica de Butruce, o cinema reencontra agora pelo menos três grandes mulheres da cultura brasileira: Clarice Lispector, Suzana Amaral e Marcélia Cartaxo.
O jornalista Naief Haddad viajou a invitação da produtora e distribuidora Vitrine Filmes
Veja as principais etapas da restauração do dedo de “A Hora da Estrela”
1 – Procura das matrizes em película
A partir de novembro de 2023, as equipes ligadas ao projeto saíram em procura dos negativos originais de imagem e de som e das cópias de exibição do filme. Boa secção do material foi encontrada na Cinemateca Brasileira, em São Paulo; outra secção estava no montão do CTAv (Meio Técnico Audiovisual), no Rio de Janeiro.
Todo esse material foi levado para o laboratório da Planta Filmes/Link Do dedo, no Rio.
2 – Estudo técnica e escaneamento
Em março de 2024, com negativos e cópias nas mãos, a estudo física dos materiais foi feita, e os técnicos, sob a coordenação de Débora Butruce, deram início ao escaneamento.
Em linhas gerais, as películas passaram por um scanner, tal qual sensor captou as imagens e o som, transformando-os num registo do dedo em 4K (solução de muro de 4.000 pixels, classificada uma vez que de subida definição; quanto mais pixels, mais nítida é a imagem)
Nesse momento do trabalho, em seguida cuidadosos testes de escaneamento, Butruce concluiu que os negativos de imagem e de som de 1985 obtiveram resultados superiores, tanto em relação à solução, quanto em relação à integridade das cores e do som. Por conta disso, esses materiais mais antigos foram escolhidos uma vez que natividade para a restauração.
3 – Limpeza
O passo seguinte foi o tratamento do dedo, por meio de softwares e plugins específicos. Para a imagem, foram dois tipos de limpeza. A primeira, automática, removeu a maior secção dos pontos de sujeira, dos riscos e outros tipos de degradação. Para o som, foi feita limpeza para redução de ruídos e chiados.
Depois, teve início a limpeza mais detalhada e fina da imagem, feita quadro a quadro, realizada pelos técnicos do laboratório.
4 – Correção de cor
Lanço também realizada em um software específico para essa finalidade e feita cena a cena. “A gente pegou todas as referências possíveis de cor para poder se aproximar o sumo verosímil do filme uma vez que ele foi lançado em 1985”, explica Butruce.
Veja cena de ‘A Hora da Estrela’ antes e depois da correção de cor
Cena de ‘A Hora da Estrela’ antes e em seguida a correção de cor aplicada na restauração
– Divulgação
5 – Desfecho
Em 6 de maio de 2024, feitos todos os ajustes finais, o trabalho foi concluído. A partir daí, a versão restaurada de “A Hora da Estrela” estava pronta para ser exibida nas telas de cinema.
Os materiais em película foram devolvidos pelo laboratório para a Cinemateca e o CTAv, acrescidos dos arquivos digitais resultantes, tanto os de preservação, quanto os de exibição.
Manadeira: Débora Butruce, coordenadora técnica da restauração do dedo de “A Hora da Estrela”