'a Mulher De Todos', Com Helena Ignez, Ganha Restauração

‘A Mulher de Todos’, com Helena Ignez, ganha restauração – 20/02/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

“Nós não gostamos de gente”, diz Helena Ignez, repetindo Angela Mesocarpo e Osso, a inimiga número um dos homens. Ou seria o contrário? A frase da radical protagonista de “A Mulher de Todos”, um dos principais filmes de Rogério Sganzerla, ao lado de “O Bandido da Luz Vermelha”, é a primeira invocada por sua tradutor.

“Tem tanta gente terrível nessa extremíssima direita hoje que é um esforço para aceitá-las. É ainda mais duro para mim, pacifista, espiritualista, expressar isso. Mas é o pânico que tenho de voltar aquele momento, tecido de fundo de ‘A Mulher de Todos’, o último filme que fizemos em liberdade”, diz Ignez, aos 85.

A atriz, um dos faróis do chamado cinema marginal, se refere a 1969, auge da repressão da ditadura militar, às vésperas do exílio para o qual ela partiria com Sganzerla e Julio Bressane pouco depois, enquanto inventavam obras ainda mais radicais com a produtora Belair.

Na produção, ela vivia a indomável Angela, mulher violenta e insaciável, que pula de varão e varão porquê uma “vampira histérica”, porquê descreve o narrador numa das cenas.

Restaurado digitalmente, a obra estreia, nesta sexta (21), numa sessão na Cinemateca Brasileira, que impressiona pela limpidez da imagem e do som e retoma os filtros de cores, paisagem extinto nas cópias de baixa qualidade em circulação até agora. É o quarto resgate desse tipo na obra de Sganzerla, num projeto coordenado por sua filha, Sinai.

Segmento do original, o elemento cromático, que banha o preto e branco da película com rosa, azul e amarelo, não é mero requinte. “Em preto e branco é maravilhoso, mas não é ‘A Mulher de Todos'”, diz Ignez. “Existe uma dramaturgia na cor, porquê quando o mar, de repente, se avermelha com o sangue da nossa gente na ditadura.”

No seu caldeirão de referências, o filme passa pelo pop Roy Lichtenstein, pelo francesismo Jean-Luc Godard, pelo Japão desordenado de Nagisa Oshima, pelas histórias em quadrinhos, qual um caldeirão de paixões do próprio Sganzerla —incluindo a própria atriz, com quem foi casado por mais de 30 anos.

“O filme foi feito para mim e a partir de mim”, afirma Ignez. E em torno dessa presença magnética gravitam “boçais” que Angela leva para a nudista Ilhota dos Prazeres, personagens vividos por nomes porquê Stênio Garcia —um maltrapilho peludo com quem ela começa aos sopapos—, Antonio Pitanga —”o único preto milionário do Brasil”—, Paulo Villaça —um cabeleireiro do Brás que se passa por toureiro— e Renato Corrêa de Castro, o detetive trapalhão Polenguinho, contratado pelo marido dela, Doktor Plirtz, um empresário que adora se vestir de general, papel de Jô Soares.

“Rogério gostava muito do Jô, ele tinha voltado há pouco da Suíça, estava começando. Eles riam muito, daquele jeito, de homens conversando entre si”, diz Ignez, em uma de suas leves pontadas ao machismo que ela, há décadas, ataca no meio cinematográfico.

Finalmente, foi a portanto jovem da escol baiana quem agitou a cena no início daquela dez, quando se separou de Glauber Rocha, seu primeiro marido, em seguida ajudar a financiar e protagonizar “Recinto”, em 1959, o primeiro curta do cineasta. Ela lembra que os colegas de cinema novo pediam permissão ao responsável de “Terreno em Transe” para convidá-la para outras produções.

Com Sganzerla —ao lado de quem ficou até sua morte, em 2004— foi dissemelhante. “Ele era meu fã, chegou mostrando uma sátira belíssima que tinha feito sobre ‘O Padre e a Moça’ e me convidando para o ‘Bandido’. Eu era sete anos mais novidade que ele, já era do cinema novo, mas porquê houve o escândalo da separação, saí do cinema de Glauber”, diz ela, que vê esses dois momentos da sua obra porquê um yin-yang pessoal.

“‘A Mulher de Todos’ foi uma prestação de contas com a vida. Atuei de maneira livre, mas sabendo que estava sendo guiada por um gênio invulgar, que quebrava meu ritmo, pulava, gritava, era ótimo”, diz ela, que também é cineasta e diretora de teatro. “Hoje existem preparadores [de elenco] e a qualidade da geração talvez não seja tão extraordinária.”

Ignez, porém, não titubeia ao comentar a performance da vez, de Fernanda Torres, em “Ainda Estou Cá”. “É um gênio, indo no caminho da mãe.”

O trabalho da veterana, ainda assim, foge de traços psicológicos, incorporando elementos do teatro, da dança —Kazuo Ohno porquê ídolo— e das artes marciais, porquê o Tai Chi Chuan, que praticava por horas a fio. “Sou experimental porquê Orson Welles é um diretor experimental, no sentido de ter um imenso conhecimento do que se está fazendo”, diz. “Sou uma atriz orgástica.”

Folha

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