Considerada a primeira mulher indígena a publicar um livro no Brasil, a escritora Eliane Potiguara conquistou o saudação e assombro de estudiosos e leitores de suas obras. Em 2014, a autora de A Terreno É a Mãe do Índio (1989) e de Metade Rostro, Metade Máscara (2004), entre outros títulos, foi agraciada com a Ordem do Préstimo Cultural, com a qual o Ministério da Cultura distingue pessoas e instituições que contribuem para fomentar a cultura brasileira. Em 2021, recebeu do Juízo Universitário da Universidade Federalista do Rio de Janeiro (UFRJ) o título de doutora honoris desculpa.
O reconhecimento uma vez que escritora, educadora e ativista política não é pouca coisa. Principalmente para quem, uma vez que ela, só foi alfabetizada aos 7 anos de idade. À estação, ela assumiu a tarefa de grafar as cartas que, do Rio de Janeiro, a avó queria enviar aos parentes que, na primeira metade do século pretérito, se espalharam para fugir de conflitos fundiários e de outras formas de violência contra os povos indígenas.
“Fui alfabetizada um pouco tarde, para grafar as cartas que a minha avó enviava principalmente para a Paraíba, de onde a família teve que fugir devido às ameaças de morte”, conta Eliane. Aos 73 anos de idade, a fundadora da Rede de Notícia Indígena Grumim (criada em 1987 e inspirada “na saga de famílias indígenas que, depois terem pretérito por um processo de violência, tiveram que peregrinar em procura da sobrevivência física, moral e étnica”) relembra a prestígio desse processo.
“A partir da escrita das cartas, da leitura das respostas que recebíamos e das histórias que minha avó contava, fui compreendendo essa espécie de exílio familiar que me levou a crescer no Morro da Providência, no Rio de Janeiro. Fiquei sabendo que segmento da família tinha fugido para não ser assassinada, uma vez que tantos outros indígenas, mas daí a me entender uma vez que indígena em uma sociedade racista, discriminatória, demorou um pouco mais”, conta a escritora.
Defensora de uma ensino pública de qualidade que ligeiro em conta a multiplicidade cultural étnica que compõe o Brasil e forjada no movimento de resistência e autoafirmação indígena, Eliane se revela otimista, mas não ingênua. “A cultura indígena é maravilhosa e está viva. Seguiremos voltados a essa incrível fidelidade a nossa ancestralidade, mantendo-nos alinhados com as novas tecnologias.”
Leia, a seguir, trechos da entrevista que Eliane Potiguara concedeu para a série de entrevistas com intelectuais, lideranças e ativistas indígenas que a Filial Brasil publica esta semana, por ocasião do Dia dos Povos Indígenas, na sexta-feira (19).
Filial Brasil: A silabário A Terreno É a Mãe do Índio, que a senhora escreveu, é apontada uma vez que a primeira obra literária publicada no Brasil por uma mulher indígena, em 1989. Desde logo, muitos outros autores e autoras indígenas surgiram, alguns com relativo sucesso mercantil. O que tem motivado o surgimento de tantos autores indígenas nas últimas décadas?
Eliane Potiguara: Primeiramente, [a necessidade de libertar] a voz sufocada da população indígena. Ao transformarmos [registrarmos] o pensamento indígena em livros, encontramos um conduto de resistência e de luta. Um conduto por meio do qual podemos publicar as situações que vivemos. Com o progresso das tecnologias e com a internet, encontramos novos meios [de expressão] e caminhos. Muitos líderes, professores, pensadores indígenas que têm alguma coisa a expressar à sociedade em universal têm se valido desses canais.
Filial Brasil: Porquê esse trabalho de promover o entrada da população em universal às narrativas indígenas, transmitidas pelos próprios indígenas, pode contribuir para o porvir dos povos originários e da sociedade?
Eliane: Contribui uma vez que um elemento de conscientização política. Conscientização sobre quem somos, para onde vamos e o que queremos enquanto brasileiros e enquanto povos indígenas. Por exemplo: levar um material escrito por indígenas para dentro das escolas é uma iniciativa transformadora, inspiradora. Mexe com o universo cultural e com o inconsciente de segmento da população, pois se trata de um material que tanto pode conscientizar professores não indígenas, quanto ser trabalhado com estudantes indígenas e não indígenas. Há até pouco tempo, o material didático e literário usado nas escolas em universal estava em conformidade com a verdade do colonizador. Hoje, mesmo com todos os problemas, temos uma lei que torna obrigatório o estudo da história e das culturas indígena e afro-brasileira e uma ensino que, de alguma forma, contempla os povos indígenas. Há muitos professores e gestores indígenas, o que também é um veste bastante relevante. Além do mais, as narrativas indígenas também ajudam a revelar uma vez que nós, indígenas, com nossos conhecimentos tradicionais, podemos contribuir para, por exemplo, preservarmos o que os não indígenas chamam de meio envolvente e nós chamamos de natureza.
Filial Brasil: Labareda a atenção que a senhora, que diz ter sido alfabetizada tardiamente, tornou-se educadora e autora de tantos livros. Qual foi a prestígio da instrução formal e da leitura para sua trajetória pessoal? E qual é, a seu ver, a prestígio da ensino para o porvir das comunidades indígenas?
Eliane: Fui alfabetizada um pouco tarde, entre 7 e 8 anos de idade, para grafar as cartas que a minha avó enviava principalmente para a Paraíba, de onde a família teve que fugir devido às ameaças de morte. Nasci no Rio de Janeiro e cresci no Morro da Providência, onde cresci fechada em uma espécie de gueto, protegida da violência ao volta. Minha avó não queria sequer que eu olhasse para as pessoas, tentava limitar nossos contatos. Nesses primeiros anos, eu tinha uma vez que que uma espécie de anteolhos psicológicos que me mantinham alienada da verdade. A partir da escrita das cartas, da leitura das respostas que recebíamos e das histórias que minha avó contava, fui compreendendo essa espécie de exílio familiar. Fiquei sabendo que segmento da família tinha fugido para não ser assassinada, uma vez que tantos outros indígenas, mas daí a me entender uma vez que indígena em uma sociedade racista, discriminatória, demorou um pouco mais. Daí seguirmos lutando por uma ensino indígena de qualidade, pela preservação das línguas e das tradições indígenas.
Filial Brasil: No poema Identidade Indígena, de 1975, há um trecho em que a senhora destaca a prestígio da ancestralidade e aposta que, no porvir, os povos indígenas “brilharão no palco da história”, não precisando mais “transpor pelo mundo embebedados pelo sufoco do massacre, a chorar e esparzir preciosas lágrimas por quem não lhes tem saudação”. A senhora mantém essa expectativa?
Eliane: Sim. Sou fruto desse nosso processo de colonização, assassinatos e de famílias migrantes sofridas, mas sou também uma pessoa que acredita nas mudanças, na conscientização política, em que vamos conseguir conscientizar a população em universal, que já vem se conscientizando. De um lado, temos, hoje, vários indígenas médicos, antropólogos, professores, advogados etc., além dos que estão em cargos de poder. De outro, há uma grande parcela de pessoas preocupadas, por exemplo, com a questão ambiental, com o aquecimento global. Portanto, a gente já percebe essa mudança que pode, sim, ser crescente. Porquê educadora, acredito em mudanças positivas e no poder transformador de uma ensino mais de tratado com a verdade.
Filial Brasil: No mesmo poema, a senhora constata que “as contradições nos envolvem e as carências nos encaram”. Hoje, isso parece ainda mais evidente. De um lado, há pensadores indígenas viajando o mundo para proferir palestras e publicando livros de sucesso. Há indígenas no comando de órgãos públicos uma vez que o ministério e a instauração dos povos indígenas (Funai). O número de pessoas que se autodeclaram indígenas saltou de 294 milénio, em 1991, para quase 1,7 milhão, em 2022. Por outro lado, os conflitos por terreno persistem; há problemas na saúde e na ensino indígenas e crises humanitárias uma vez que a que afetam os yanomami, na Amazônia, e os guarani e kaiowá, em Mato Grosso do Sul. Neste contexto, e considerando que o porvir não está oferecido, está sempre em disputa, uma vez que a senhora imagina o porvir dos povos indígenas?
Eliane: Vivemos um conflito, uma luta de classes, mas, apesar desse sistema opressor e interesseiro que admite que um varão explore outro varão exclusivamente para ampliar seu capital financeiro, acredito na evolução, em mudanças positivas. Veja o exemplo dos navajos [da América do Norte], cuja sociedade domina tecnologias modernas sem terebrar mão da identidade, cultura, língua ou espiritualidade indígena. Temos condições de conciliar esses aspectos – que não são antagônicos. Há exemplos parecidos no México, na Finlândia. Obviamente, é preciso respeitar a multiplicidade étnica e cultural e a autodeterminação das comunidades que optam por viver isoladas, cujos modos de vida e tradição devem ser também preservados.
Filial Brasil: Portanto a senhora aposta em um porvir em que os índios terão domínio e entrada aos avanços tecnológicos e seus benefícios, mas preservando suas identidades?
Eliane: Simples. Seguiremos voltados a essa incrível fidelidade a nossa ancestralidade, mantendo-nos alinhados com as novas tecnologias. Até por desculpa dos estereótipos, preconceitos e do tipo de ensino de que falei no início, quando eu era mais jovem, acreditava que ser indígena é ser pobre e alguma coisa em vias de ser extinto. Não é. A cultura indígena é maravilhosa, está viva. Ela é extremamente resistente. Haja vista esses 524 anos de vexação a que seguimos resistindo. Com quase 74 anos de idade, ainda vejo um porvir promissor. O Brasil é terreno indígena e os brasileiros precisam ter consciência de sua ancestralidade.
*Dentro da série peculiar sobre o porvir dos povos indígenas, a Filial Brasil publicará amanhã a entrevista com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara.