Aguinaldo Silva: Novos Autores Não Têm Experiência De Vida

Aguinaldo Silva: Novos autores não têm experiência de vida – 06/07/2024 – Televisão

Celebridades Cultura

São Paulo

Foi uma vez que o dia em que Tieta voltou para Santana do Áspero. Murado de um mês depois de ser desligado da Mundo, em 2020, Aguinaldo Silva já estava de volta ao horário superior: uma vez que a pandemia interrompera a gravação das novelas, a emissora precisou reprisar “Fina Estampa” e, mais tarde, “Predomínio”.

Aguinaldo conta que, em seu contrato, uma cláusula dizia que ele receberia o salário de novo se suas novelas fossem reprisadas no horário superior, enquanto estivessem no ar —um pouco impensável de suceder em tempos normais. Foi logo que, logo depois de ser exonerado, ela já estava recebendo outra vez da emissora.

Essa é uma das histórias que o responsável narra em seu livro de memórias, “Meu Pretérito me Perdoa” (ed. Todavia), se deliciando com a vingancinha não planejada. Aguinaldo viu, na forma uma vez que seu desligamento foi transportado, uma tentativa de humilhá-lo —um pouco que teria partido não da emissora, enfatiza ele, mas de pessoas que depois foram demitidas. “Minha praga pegou!”, ri ele.

A autobiografia, que Aguinaldo escreveu enquanto esteve solitário na pandemia, chega às livrarias nesta semana, mas já está disponível no estande da editora Todavia na Feira do Livro, em São Paulo.

No livro, ele relembra a juventude em Recife, marcada pelo paixão à literatura e a homofobia que sofreu nas escolas por onde passou —mas também fala das aventuras com um grupo de meninos gays que se chamavam de “as arlequetes”.

Aguinaldo ainda rememora seus anos uma vez que jornalista, a vida na Lapa boêmia, no Rio de Janeiro, a prisão durante a ditadura e, depois, o sucesso com novelas uma vez que “Tieta”, “A Indomada” e “Senhora do Orientação”.

O novelista hoje vive em Portugal, onde diz se sentir mais seguro, mas mantém um apartamento em São Paulo, onde recebeu o F5 para esta entrevista.

Na conversa, ele contou ter projetos com plataformas de streaming em diferentes fases de negociação —e revela ter uma romance pronta, sem dar detalhes. Aguinaldo diz ainda que faria uma romance bíblica, analisa as mudanças no mercado de roteiristas e discute a urgência de dialogar com o público evangélico.

Você conta que recebeu uma relação de um funcionário subalterno da Mundo no dia 1º de janeiro de 2020, com a notícia de que seu contrato não seria renovado, e pediu para ele vincular no dia seguinte. No livro, você aponta uma tentativa de humilhá-lo na transporte desse processo. Por quê?

Assinei o distrato à tarde, em Portugal, e uma hora depois já estava em toda a mídia do Brasil. Já estava sentindo [essa tentativa de humilhação] antes. Mas veja muito, não estou falando que isso partiu da Mundo —partiu de pessoas que nem estão mais lá, porque foram demitidas também. Minha praga pegou! Pode publicar isso (risos).

Poucos meses depois, com a pandemia, suas novelas foram reprisadas no horário superior. Sentiu-se meio uma vez que Tieta voltando para Santana do Áspero?

A sensação foi essa! Eu estava solitário neste apartamento quando saiu a primeira notícia [da reprise]. Para mim, foi ótimo. Meu contrato acabou no dia 29 de fevereiro de 2020 e, em abril, eu já estava gloriosamente de volta ao horário superior.

Fui transmitido oficialmente de que meu contrato não seria renovado no dia 2 de fevereiro de 2020. Aliás, é muito engraçado, porque, depois de mim, falava-se de contratos que não eram renovados —eu fui o único que, nas palavras da mídia, foi exonerado.

Logo depois, viajei de Portugal para Miami, e aí vim embora para São Paulo. Já havia aquela história de uma doença que tinha aparecido na China. Quando cheguei, em fevereiro, a coisa se agravou.

Trancado em moradia, resolvi redigir esse livro de memórias. Logo depois, a Mundo ficou sem romance e voltou a minha no horário superior, o que foi uma coisa espantosa. Havia uma cláusula no meu contrato dizendo que, caso uma romance minha viesse a ser reprisada no horário superior, eu ganharia o último salário durante o tempo em que ela estivesse no ar.

Sem falar no prazer de ter duas novelas reprisadas no horário superior, o que é uma coisa inédita. Mas permanecer trancado em moradia não foi lícito. Por isso comecei a redigir o livro. Fiquei ocupado com ele durante a pandemia e nos primeiros meses de desemprego, que são os mais problemáticos.

Mas confesso que sou viciado em redigir romance. Desde logo, tenho pensado: fazer romance para onde? Se não tem a Mundo, não tem ninguém. O SBT não faz romance, a não ser aquelas novelinhas. A Record faz novelas bíblicas…

Você não faria uma romance bíblica?

O Vetusto Testamento é um manancial. Aliás, a Record tem feito só coisas do Vetusto Testamento. Eu faria, sim, uma romance com aqueles profetas! Vi uma série sobre Moisés que é incrível.

Sabor do bordado que é redigir um novelão. Só que não tem onde eu redigir. Que outra coisa eu posso fazer independente de ter um produtor? Redigir livros. Acabei esse e já comecei outro, de ficção. E tenho vários projetos encaminhados, entregues ao streaming… Que aí é uma romance. Quando estão prestes a determinar um pouco, eles mudam de executivo, vem o outro e diz “eu quero isso, quero aquilo”.

Portanto você tem projetos para streaming?

Em fases diferentes de julgamentos e coisas assim. E tenho uma romance.

Sendo produzida?

Não, tem uma romance que apresentei, não vou expor a quem, uma vez que, quando ou por quê. Mas tenho uma romance. Não quero permanecer só uma vez que responsável de livros. Quero fazer mais pelo menos umas duas novelas, seja onde for.

Há quem diga que o Brasil não tem uma literatura mercantil possante porque nossos melhores autores comerciais foram redigir telenovelas. Mas, nas suas memórias, você conta que não conseguiu ter sucesso de público com seus livros. Por que acha que isso aconteceu?

Depois que tive uma repercussão muito grande na TV, fui carimbado uma vez que responsável de novelas. Os editores passaram a não me levar a sério, acharam que eu não era mais jornalista. Esqueceram que eu tinha começado publicando livros com 16 anos.

No Brasil, os intelectuais acham que romance não é uma coisa séria. Mas, pelo menos cá, a romance é muito mais séria do que a literatura, ela influencia muito mais o comportamento das pessoas. Não existe um livro no país que tenha causado uma mudança de comportamento. Mas, infelizmente, a romance não é levada a sério.

Você tem um romance pouco sabido, “98 Tiros de Audiência”, com personagens inspirados em figuras reais da TV, que causou uma sensação nos bastidores da Mundo, porque as pessoas se reconheceram. Pode descrever quem é quem nesse livro?

Se eu oficializar, tomo um processo (risos). Não entendo uma vez que esse livro não vira uma série. A premissa é a seguinte: matam a estrela da romance e todo mundo, na romance e na vida real, é suspeito. É uma história perfeita de suspense.

Você não diz quem é quem, mas fala que um dos personagens, um responsável de romance “egocêntrico, inseguro e nevrótico”, é você mesmo.

Todos nós temos isso. De perto, ninguém é normal. Responsável de romance, logo, meu rebento, sai de insignificante! Você não mexe com 40 personagens durante seis meses à toa. Acho que sou uma pessoa complicadinha.

Você teve uma bulha pública de anos com Dias Gomes por razão de “Roque Santeiro”. Essas brigas entre autores eram comuns nos bastidores?

Era recreativo! Não sei se o Dias Gomes achava o mesmo. A coisa desceu para o terreno do insulto —ele dizia que eu era veado, eu dizia que ele usava dentadura. Tinha uma repórter da Folha que era terrível e contribuiu, ela era obcecada, de vez em quando ela me fazia falar um pouco.

Evidente que competição tinha [entre os autores], era um pouco saudável. Todo mundo queria ser melhor. Não melhor que o outro, era ser o melhor de todos!

Você se expõe bastante nesse livro, contando desde um incidente de assédio sexual na puerícia até um relacionamento conturbado com um rapaz. Por que escolheu trazer essas histórias a público?

Sempre fui muito simples em relação à minha vida romântica. Na minha quadra não era bem-vindo falar disso. Hoje em dia podemos falar claramente. Os gays já têm filhos, adotam…

Tive um matrimónio que durou 18 anos, de a gente dormir na mesma leito —haja saco, né? E antes tive o Boche, que foi um pausa melodramático na minha vida. Uma paixão devastadora com a pessoa errada, porque era um psicopata. Depois, tive um matrimónio que durou sete anos.

Você se considera vítima de um relacionamento imperdoável?

O Boche tinha problemas sérios. Uma pessoa que tinha um fascínio pelo delito, por se tornar um grande bandido… Quando nos separamos, ele tinha duas balas no corpo que o médico achou melhor não tirar. Por aí, você vê.

Mas imperdoável é quando a pessoa tenta se aproveitar de você, e ele não era assim. Ele era possessivo, achava que eu era dele e não podia deixar de ser. Foi um drama para eu me livrar disso.

A novidade geração de roteiristas se queixa das novas condições de trabalho nesse mercado. Vamos ver autores de TV com a projeção que a sua geração teve?

Acho que não, essa sarau acabou. Os autores da minha geração eram primeiro escritores, todos eles. O Gilberto Braga não chegou a redigir livros, mas era um leitor voraz. E eles tinham uma vida pessoal intensa. Eram ativistas políticos, pessoas da rua, jornalistas. Tinham uma experiência de vida e um tino de reparo muito fortes.

Hoje os roteiristas são pessoas de classe média que não tiveram uma vida anterior, já se tornam autores de saída, com 18, 20 anos. As histórias que eles têm para descrever não são saídas da veras, porque todo grande jornalista trabalha com o real e o transfigura.

Sei que é complicado expor isso, parece que estou falando do gulosice que caiu do meu prato, mas as novelas não são mais a mesma coisa. Não sei se os novos autores vão prosperar, mas experiência de vida eles não têm. Não é um perversão ou um delito, mas eles não têm.

Mas é uma questão de perfil dos autores e não das condições do mercado logo?

A situação do mercado é outra coisa. A Mundo era muito pródiga. Ela não tinha por que remunerar aqueles salários —não havia concorrência e ela mantinha as pessoas presas uma vez que na quadra áurea de Hollywood.

Nunca entendi muito por que os salários eram altíssimos. De todo modo, acho que essa quadra acabou. Agora, os salários são o que o mercado permite.

O próprio streaming é muito complicado, ainda não deslanchou. A Islândia tem menos de 400 milénio pessoas e faz séries incríveis, estão todas cá no streaming. O Brasil, que tem uma tradição de audiovisual, não consegue fazer zero que seja importante, depois desses anos todos. Qual série brasileira fez sucesso mundial?

O público evangélico tem desenvolvido nas últimas décadas no Brasil. Uma vez que as novelas podem dialogar com ele?

É complicado. Você tem vários públicos segmentados com os quais você também precisa conversar. Você não pode simplesmente suprimir determinados temas da romance para satisfazer um público que é ultraconservador.

É complicado balancear o seu trabalho para atingir esse público, mas acho provável quando você fala do drama humano, que atinge todo mundo —todos passam pelos mesmos sofrimentos. Talvez agora as novelas estejam tentando ressaltar determinados dramas sem detrimento do drama universal, que é o da humanidade.

O julgamento conservador que a audiência faz das novelas já existia antes da subida evangélica. Mas a sua geração de autores soube seduzir o público para introduzir temas polêmicos nas histórias. É provável fazer o mesmo com os evangélicos?

Acho que sim. Engraçado você falar disso, porque essa romance que eu tenho e mencionei tem um núcleo evangélico. E pensei exatamente nisso, que está na hora de lidarmos com isso, porque no fundo temos visível preconceito.

Se são um terço da população brasileira, não podem ser excluídos. Temos que deslindar um jeito de tratar dos temas que eles consideram ofensivo sem chocá-los. É essa a tarefa do novelista, ocupar esse público sem perder o grande público que já tem.

Folha

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