Aída Dos Santos Participa Do Centenário Das Negritudes Esportivas

Aída dos Santos participa do Centenário das Negritudes Esportivas

Brasil

O Projeto Centenário das Negritudes Esportivas recebeu neste termo de semana a primeira mulher brasileira a chegar a uma final olímpica: Aída dos Santos, de 87 anos. A desportista compartilhou, em bate-papo com o público, sua experiência nas Olimpíadas de Tóquio, em 1964, quando foi finalista e conquistou o 4º lugar no salto em fundura, além de outros momentos da curso.

A desportista guarda até hoje, e fala isso com empolgação, o diploma que ganhou na ocasião. “Cheguei em moradia feliz da vida. Em quarto lugar, ganhava um diploma, eu tenho esse diploma até hoje. Lindo, lindo de morrer!”, afirmou à Dependência Brasil. Nascida em Niterói, ela conta, com orgulho, que se formou em ensino física, geografia e pedagogia, e que atuou nas três áreas.

No salto em fundura, foi campeã sul-americana no Peru (1961) e campeã ibero-americana na Espanha (1962). Foi 3º lugar no Pan-Americano no Canadá (1967) e na Colômbia (1971), ambos em pentatlo.

Aída relata que, na ocasião das Olimpíadas de Tóquio, enfrentou uma série de dificuldades, já que não tinha patrocínio nem técnico, usou uniforme improvisado e era a única mulher da delegação brasileira. A desportista diz que chorou diversas vezes diante da falta de suporte e materiais básicos para os treinos e a competição.

No dia da prova de classificação, da qual sairia o nome para as Olimpíadas de Tóquio, Aída já teve um dos muitos entraves que enfrentaria até chegar à final da competição. “Minha mãe falou: ‘você pode ir, mas tem um compromisso: você vai ter que carregar chuva – morava no morro – lavar a roupa, encerar a moradia, depois você vai. E assim eu fiz, aí fui”, lembrou.

Chegando ao Maracanã, sítio dos testes, ela disse ao técnico que havia desistido. Ele logo perguntou se ela não tinha descansado para a prova. “Eu falei para ele: ‘só vim cá para dar satisfação, nunca fui à Olimpíada, nem quero ir à Olimpíada, porque estou cansada. Descansei carregando chuva, lavando roupa.”

Diante da insistência do técnico, ela saltou e conseguiu atingir o índice necessário para se qualificar. “Aí falaram: ‘mas ela não tem uniforme, porque a Olimpíada já é mês que vem, toda a equipe masculina do Brasil já está com seus uniformes, nem dá tempo de fazer. Eu disse: ‘tenho um uniforme do campeonato ibero-americano que foi na Espanha’. E afirmaram: ‘logo, é com essa roupa que você vai’. Aí, com essa roupa desfilei”.

Já em Tóquio, na chegada ao alojamento, a equipe de vôlei masculino com quem a desportista havia chegado ao país foi instalada, mas Aída não. “Tinha que ter assinado a documentação paro o alojamento. E, quando olhei, não tinha nenhum brasiliano. Eles já tinham assinado, o técnico deles tinha ido embora, fiquei sozinha. E os japoneses querendo que eu assinasse, eu não entendia zero. Veio um dirigente com uma folha, apontou e cantarolou [a música ‘Parabéns pra você’]. Eu falei: ‘é a data do meu promanação que tem que colocar’ e coloquei a data”.

Na pista de atletismo da Vila Olímpica, Aída via as outras atletas com seus treinadores. Aquele foi um dos diversos momentos em que ela conta que chorou. “Quando terminaram [de treinar], o nipónico guardou o material e eu fui detrás dele. Aí toquei nele, apontei, ele me deu o material. E comecei a treinar. Se estava fazendo manifesto ou inverídico, não sei. Fui sozinha, sem técnico, sem material, sem zero”, relatou.

Para a disputa olímpica, ela conseguiu de improviso um tênis que era usado em corrida, não no salto em fundura. Mesmo sem o calçado adequado para a modalidade e em seguida torcer o pé na período eliminatória, Aída disputou a final e terminou em quarto lugar, com um salto de 1,74 metro.

Apesar do pé torcido, a desportista conseguiu participar da disputa final, em seguida ajuda de um médico cubano. “Miguelina Cobián, de Cuba, me viu mancando, e chamou um médico cubano. Ele fez uma botinha de esparadrapo no meu pé para eu ir pra final. Na final, fui saltando, saltando, mas o pé incomodando. Depois que fiz [salto de] 1,74m, não tinha mais exigência de continuar”, contou.

“Mas, ali, eu não sabia nem qual a classificação em que estava entre as 20 [competidoras]. Depois que tomei conhecimento, quando cheguei à Vila Olímpica, eu estava em quarto lugar”, lembra. Na volta ao Brasil, recebeu homenagens. “O avião aterrissou, me deram um buquê de flores, eu aceitei, agradeci, fiquei feliz da vida. Depois, quiseram que eu fosse no carruagem do Corpo de Bombeiros para desfilar na cidade, porque saiu até no jornal”.

Quando terminou a competição, o técnico estadunidense perguntou se ela tinha psicólogo. “Não tenho nem técnico, vou ter psicólogo?, respondi. Ele falou: ‘ué, você ganhou das americanas, elas têm técnico, psicólogo, porquê é que pode?’”. Esse mesmo técnico americano veio ao Brasil para ver as instalações do Botafogo, onde Aída treinava.

“Ele ficou horrorizado. Eu vinha de um pedacinho de terreno, um pedacinho de gama, saltava num buraco de areia. Os postes eram madeira com prego e o sarrafo era um tubo d’chuva. Ele falou: ‘não é provável fazer esse resultado sem técnico, sem material adequado, sem zero’. Na idade, eles me ofereceram bolsa de estudo na Califórnia, mas meus pais não me deixaram ir”. 

Aída acredita que o país tem potencial no esporte, mas lamenta a falta de suporte ao esporte de base. Ela chegou a treinar crianças, mas precisava arcar com os custos e teve que fechar o trabalho por falta de suporte. “Eu fiz estágio na Alemanha e nos Estados Unidos e vi que nós temos potencial. Só que ninguém quer trabalhar com as crianças de base, trabalhar na base. Primeiro é difícil, depois melhora, mas ninguém quer. Só quer desportista feito, desportista completo. É pena que o governo não olhe para esse lado”, disse.

Fonte EBC

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