Ainda Estou Aqui: Como Walter Salles Escancarou O Brasil

Ainda Estou Aqui: Como Walter Salles escancarou o Brasil – 01/03/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Quando o nome “Médio do Brasil” ecoou no saguão naquela cerimônia do Orbe de Ouro de 1999, Walter Salles subiu ao palco com um largo sorriso e se fixou distante do microfone, deixando o caminho livre para Fernanda Montenegro agradecer pelo prêmio de melhor filme em língua estrangeira.

Agora que “Ainda Estou Cá” segue trajetória parecida, o cineasta mais uma vez desvia dos holofotes, fazendo de Fernanda Torres o rosto da campanha rumo ao Oscar, por mais que as chances de vitória, hoje, sejam mais sólidas em filme internacional que em atriz –há ainda uma surpreendente indicação a melhor filme.

O roupa pode parecer irrelevante, mas demonstra um potente traço de sua personalidade. Recatado, reservado e sóbrio, ele nem parece um dos cineastas de maior prestígio e renome que o cinema brasílio já produziu.

Seus filmes receberam sete indicações ao Oscar, sem falar nos prêmios do Bafta, a maior láurea do cinema britânico, e dos festivais de Berlim, Cannes, Veneza, Sundance e San Sebastián atrelados ao seu nome, graças também a “Diários de Motocicleta” e “Abril Despedaçado”. Mas nem por isso ele faz pose de notoriedade.

Aos 68 anos, o cineasta recorre à discrição de um blazer e camiseta básica em muitas de suas aparições públicas, não é presente nas redes sociais e passa pelos tapetes vermelhos em modo “low profile”, contrariando as pavoneadas que correm nas veias de Hollywood, uma meca de personalidades agigantadas.

Talvez por causa, o glamour nunca o deslumbrou. Fruto do diplomata Walther Moreira Salles, que foi mensageiro nos Estados Unidos e responsável por negociar a dívida externa brasileira no segundo governo de Getúlio Vargas, o cineasta é um dos herdeiros do maior banco do país, o Itaú Unibanco, fruto de fusões que se iniciaram com a Lar Bancária Moreira Salles, há um século.

Mas não foi só a riqueza pessoal, avaliada em R$ 26,5 bilhões, que deu ao artista chegada às elites intelectuais e artísticas do mundo, gestando o cineasta que desfila hoje no Oscar. Walther, o pai, era companheiro de algumas das figuras mais importantes do século pretérito, uma vez que Assis Chateaubriand, Ary Barroso, Greta Garbo e os Rockefellers. Mais do que pelo tino mercantil, era publicado por seus jantares e festas, um de seus maiores ativos políticos.

A mãe, Elisa Moreira Salles, ou Elisinha, era descrita em jornais da era uma vez que uma mulher renascentista. Era culta, elegante, politizada, um pouco uma vez que Eunice Paiva. Integrou uma comitiva que visitou a China às vésperas da Revolução Cultural de Mao Tse-Tung e relatou a ebulição social que testemunhara à revista O Cruzeiro. “Quanto vermelho! Quanto fragor”, ela escreveu.

Em sua moradia na Gávea, na zona sul do Rio de Janeiro, Elisinha promovia jantares concorridos. Esteve presente no lendário dança do preto e branco de Truman Capote, vestiu o mesmo Givenchy que Audrey Hepburn e Wallis Simpson num evento e aparece nos diários deixados por Andy Warhol, pai da pop art e de festas tão faraônicas que fariam inveja aos coquetéis pós-Oscar.

“Existia uma grande liberdade para que cada um de nós definisse o seu tramontana. Nunca fomos tolhidos nos nossos percursos individuais”, diz João Moreira Salles, irmão de Walter e também cineasta. Na sua obra está o documentário “No Intenso Agora”, feito a partir de filmes caseiros da viagem da mãe à China.

“Nunca faltou fomento. Fazem segmento das minhas memórias de puerícia a grande livraria do meu pai e as visitas quase compulsórias a museus, na companhia da minha mãe. Na era, era o preço que a gente tinha que remunerar para depois se divertir. Hoje, sei que muito daquilo ficou. Ela educou o nosso olho.”

Quando jovem, o artista tinha um laboratório de retrato no porão de moradia. “O germe do cinema talvez estivesse ali”, diz João. Ele lembra que, numa viagem, o irmão levou uma câmera, reuniu os amigos e dirigiu um filme granjeiro. A namoradinha da era era a protagonista, e João fazia as vezes de um músico incompreendido.

“Todas as cenas eram improvisadas. Uma vez que as pessoas inventaram na hora o que expressar, aconteceu uma coisa interessante. As implicâncias da vida foram levadas para a cena. Uma delas acabava com uma amiga dizendo para outra, com quem havia brigado, ‘sua putinha!’. Ou seja, a encenação dizia a verdade. Quem sabe aquilo não ficou registrado na cabeça dele.”

Walter também tem uma vez que irmãos Pedro e Fernando Moreira Salles. O primeiro integra a presidência do recomendação de gestão do Itaú Unibanco. O segundo é, entre outras coisas, um dos sócios da Companhia das Letras, uma das principais editoras do país.

O quarteto integra o recomendação do IMS, o Instituto Moreira Salles, meio cultural com sedes no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Poços de Caldas, em Minas Gerais, e também tem uma fatia da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, líder mundial na comercialização de nióbio. O minério, vasqueiro, tem todo tipo de uso, de ligas para a construção de pontes à fabricação de marca-passos.

Investimentos no setor energético, em transporte e na Alpargatas, obreiro dos chinelos Havaianas, completam a variada cartela de investimentos da família. Com João, Walter compartilha também a produtora Videofilmes, que está por trás de “Ainda Estou Cá”.

Na outra ponta da árvore genealógica estão os dois filhos, Vicente, de 18 anos, e Helena, de 16 –enquanto o pai corria o mundo com “Ainda Estou Cá”, ela viralizava com uma câmera menor em mãos, fazendo vídeos de TikTok. Ambos são fruto do tálamo de duas décadas com a artista plástica Maria Klabin, herdeira da família que é a maior exportadora de papel do país.

Procurada para falar sobre o marido, Klabin recusou respeitosamente, explicando que havia entre eles um conciliação para que não misturassem a vida profissional e a pessoal.

Fortes bases familiares e financeiras teriam ajudado Walter, acredita João, a trilhar o incerto caminho do cinema pátrio, tão dependente de moeda público —”Ainda Estou Cá”, ao contrário do que foi espalhado nas redes sociais por políticos de direita, não usou verbas da Lei Rouanet.

Diz também que o olhar social e humanista, termo que se repete nas bocas de muitos dos que trabalharam com Walter, são consequências de “viver no Brasil e não ser alheio a quem somos e ao que nos muro”.

Essa curiosidade e sensibilidade foi o que aproximou Walter de Vinícius de Oliveira, o menino de “Médio do Brasil” que hoje, aos 39 anos, rememora o primeiro encontro com o cineasta, enquanto engraxava sapatos no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.

Oliveira ficava de olho em homens trajados em ternos e sapatos sociais, mas Walter não era um deles. Decidiu abordar aquela figura de jeans e tênis porque o movimento, naquele dia, era fraco. Pediu um trocado e foi convidado para um lanche.

Entre as mordidas que davam nos sanduíches, o cineasta o convidou para fazer um teste. Depois de audições com 1.500 crianças em todo o Brasil, ele havia enfim encontrado o protagonista de “Médio do Brasil”.

“Cinema para o Walter é falar do lugar em que ele vive, não só do lugar que a família dele ocupa, mas do Brasil uma vez que um todo”, diz Oliveira, que voltou a trabalhar com Walter em “Risca de Passe”, de 2008.

O ator, logo com 12 anos, sem experiência e compartilhando o protagonismo com Fernanda Montenegro, lembra os três meses de filmagem envoltos em muito zelo e carinho. O cineasta, que não tinha filhos à era, o chamava para ir ao cinema, jantar e dormir em sua moradia depois as gravações. “Era uma relação muito íntima, atencioso, quase de pai e fruto”, diz Oliveira.

“Se você olhar para a história do cinema, ela está enxurro de exemplos de pessoas de determinadas classes olhando para as de outras. Seria trágico se eu só falasse com os meus. Eu me interesso muito mais pelas pessoas que eu não conheço, pelos territórios a que não fui”, disse Salles em entrevista à BBC britânica, há quase duas décadas, ao ser questionado sobre a potente presença da violência e da pobreza em sua filmografia.

André Degenszajn, primeiro do Instituto Ibirapitanga, organização filantrópica que o artista criou há oito anos para combater o racismo e democratizar o chegada à alimento de qualidade, o vê uma vez que uma pessoa amigável, que cumprimenta todos os garçons quando entra num restaurante, anda a pé e pega táxi sem a companhia de seguranças ou assessores.

Na lado filantrópica, era importante despessoalizar o instituto, afastando a organização de sua curso no audiovisual. “Ele não queria que fosse um espelho dos desejos dele, um altruísmo individual. Ele se faz presente em reuniões semanais, acompanha as doações, conhece quem trabalha no Ibirapitanga, mas você nunca vai ver uma biografia dizendo ‘Walter Salles, cineasta e filantropo’”, diz Degenszajn.

Murilo Hauser e Heitor Lorega, premiados no Festival de Veneza pelo roteiro de “Ainda Estou Cá”, corroboram com a teoria de que ele é muito presente em tudo o que se propõe a fazer. Centrado, chega às gravações com um projecto muito simples, mas convida as opiniões dos outros para dentro de seus filmes.

Sua relação de paixão com a música faz com que a trilha sonora seja pensada do primeiro ao último suspiro dos longas, e aquela com a escrita faz dele alguém com enorme reverência ao roteiro.

É ainda perfeccionista, propriedade que ronda seus filmes até quando já estão finalizados. A reportagem apurou que “Ainda Estou Cá” só não abriu a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo do ano pretérito porque o sistema de som da Sala São Paulo, que abrigou o evento, não era propício para o que seu diretor idealizou enquanto experiência cinematográfica.

Codiretora de “Terreno Estrangeira” e amiga de longa data, Daniela Thomas compara o cinema detalhista, introspectivo e sóbrio de Walter ao de Jia Zhang-ke —chinês que ganhou um documentário biográfico pelas lentes dele– e de Abbas Kiarostami. Também adiciona à fórmula o neorrealismo italiano e suas denúncias do dia a dia do povo real.

“Ele é um cineasta humanista, no sentido mais profundo da vocábulo. Entende o poder do cinema, seu potencial para expressar toda uma identidade. Uma vez que o Zhang-ke e o Kiarostami, que transformaram nomes ideológicos e geopolíticos em indivíduos, Walter botou sua pátria no mundo, divulgou uma identidade, não um país. Eles buscam a psique, a individualidade daquilo que retratam”, diz a cineasta, encontrando ecos na expansão do drama familiar de “Ainda Estou Cá” para aquele vivido por todo o Brasil.

De conciliação com Rodrigo Santoro, dirigido por Walter em “Abril Despedaçado”, filme que questionava o papel da violência ao escoltar um rapaz impelido pelo pai a vingar a morte do irmão mais velho, o cineasta é capaz de passar o testemunha justamente ao buscar o que seus personagens sentem. “Waltinho é um poeta que mergulha na complicação humana, com um olhar sempre muito sensível e respeitoso”, afirma.

A segurança financeira, porém, não torna seu processo criativo exatamente tranquilo. Thomas acredita que o roupa de ele não ter de “botar a moradia no prego ou depender de editais” para filmar é determinante. “Dito isso, das pessoas com quem trabalho, ele é das mais meticulosas, com vários estágios de dúvidas, sempre vivendo um tumulto interno.”

Concentração é a chave para mourejar com o sentimento e se aproxima de uma propriedade fundamental em qualquer bom piloto de automobilismo. Por mais fora do personagem que pareça, Walter quase seguiu curso profissional na extensão, que o seduziu nos anos 1970, graças às vitórias de Emerson Fittipaldi.

O cineasta foi bicampeão de kart no Rio de Janeiro, mas parou de percorrer quando se matriculou no curso de cinema da Universidade do Sul da Califórnia, instituição que é referência em Los Angeles e já formou nomes uma vez que Gregg Araki, John Carpenter, George Lucas e Ron Howard.

Voltou para as pistas nos anos 1990, entre os intervalos das gravações de “Terreno Estrangeira”, chegou a ser vencedor paulista de kart em sua categoria e, novamente, aposentou o cimeira. Nos anos 2000, disputou a GT3 Brasil ao lado de Ricardo Rosset.

Ao Orbe Esporte, naquela era, comparou o hobby a uma relação amorosa, que reencontrava vez ou outra. “O cinema é minha verdadeira paixão. Não conseguiria viver sem o cinema, mas consigo viver sem o automobilismo, desde que eu possa sentar, no domingo pela manhã, vincular a TV e ver uma corrida”, afirmou.

No cinema, a história é outra. Com o prestígio de “Ainda Estou Cá”, a mais concreta chance do Brasil no Oscar em anos, Walter Salles ganhou mais combustível. Sem dar detalhes, vem dizendo que já tem um roteiro para gravar em seguida, mostrando que não vai desacelerar tão cedo.

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *