'ainda Estou Aqui' No Oscar Reflete Nova Lógica De Poder

‘Ainda Estou Aqui’ no Oscar reflete nova lógica de poder – 01/03/2025 – Ilustríssima

Celebridades Cultura

[RESUMO] Pesquisador comenta em livro os mecanismos que conferem maior ou menor poder cultural a artistas e obras pelo mundo. Embora alguns critérios ou estratégias sejam injustos e bastante restritivos, resultantes de venustidade pessoal ou do linguagem em que se expressa, responsável destaca que artistas de países subdesenvolvidos cada vez mais conseguem furar barreiras, sobretudo por meio de redes sociais, porquê atesta o sucesso e as indicações ao Oscar do filme “Ainda Estou Cá”.

Qual é o peso da obra de arte na consolidação do poder cultural de um artista? O país no qual o artista nasceu, o linguagem falado, o contexto de suas obras e até a venustidade do próprio artista são fatores de formação de poder cultural no século 21?

A procura por estas respostas despertou o interesse do jornalista e noticiarista Franthiesco Ballerini em seu programa de doutorado na Universidade Metodista de São Paulo. O responsável descortinou algumas respostas intrigantes em sua tese, agora no formato de livro, “Poder Cultural: Mecanismos de Consolidação do Poder na Arte e no Entretenimento no Século 21”, lançado pela Summus Editorial.

Entre suas principais conclusões, uma negativa: o poder cultural é conquistado, muitas vezes, com estratégias injustas. A positiva: artistas de países subdesenvolvidos e distantes dos centros culturais mundiais já parecem capazes de driblar obstáculos que privilegiavam poucos, superando, até mesmo, seus colegas abastados.

E temos um exemplo que nos bate à porta na forma das várias premiações de “Ainda Estou Cá”, que, por uma série de circunstâncias sincrônicas, vem enterrando o pífio “Emília Pérez” com louvor e parece mais próximo do triunfo no Oscar que qualquer outra obra pátrio já indicada ao prêmio.

Mas, enfim, o que é poder cultural? “É a sintoma individual da glorificação adquirida em contexto mundial, capaz de influenciar pessoas, movimentar milhões de fãs e gerar lucros extraordinários e imediatos. Não se trata, portanto, de poder artístico, termo redutor que exclui a força do entretenimento audiovisual, nem sempre visto porquê arte”, diz Ballerini.

Para ele, o maior poder cultural advém, majoritariamente, de sistemas consolidados internacionalmente —”O Poder Suave”, tema e título de seu livro anterior, lançado em 2017 e finalista do Prêmio Jabuti na categoria economia criativa.

Nele, Ballerini pesquisou a formação do poder de Hollywood, da tendência francesa, do balé russo, e também de poderosas manifestações culturais de países subdesenvolvidos, porquê o cinema indiano, divulgado porquê Bollywood, a bossa novidade, o Carnaval e as telenovelas do Brasil e do México.

Agora, no novo livro, o foco do responsável é desvendar o tamanho do poder de artistas inseridos, ou não, dentro de sistemas de poder suave. E os resultados são, no mínimo, curiosos. A encetar pelo campo da telenovela. Ballerini comparou a atriz brasileira Adriana Esteves, nascida em 1969, com a mexicana Thalía, nascida em 1971.

“Thalía fez somente sete telenovelas na vida, dentre elas ‘Maria Mercedes’ (1992), ‘Marimar’ (1994) e ‘Maria do Bairro’ (1995). E quase uma só personagem: a moça pobre que conquista o grande paixão e a riqueza por meio do trabalho difícil e da humildade. Já Adriana fez dezenas de trabalhos televisivos. Foi dulcinéia pelo público pela megera domada Catarina de ‘O Cravo e a Rosa’ (2000), indicada ao Emmy Internacional no papel de Dalva de Oliveira em ‘Dalva e Herivelto – Uma melodia de Paixão’ (2010), e uma das maiores vilãs de telenovela da história, a Carminha de ‘Avenida Brasil’ (2012). No entanto, a revista ‘People’ elegeu Thalía uma das 25 latinas mais poderosas do mundo e a atriz mexicana ganhou até uma estrela na lajedo da glória”, comenta o responsável.

A que se deve esta aparente discrepância? Ele afirma que o teor das obras nem sempre é o fator fundamental para a consolidação do poder cultural. Outras categorias têm um peso ainda maior.

“A Thalía soube explorar sua venustidade latina. Ela também fala um linguagem, o espanhol, muito mais influente, no campo artístico internacional, do que o português, haja vista o peso da comunidade hispânica nos Estados Unidos. Por término, ao contrário de Adriana Esteves, que não possui contas próprias nas redes sociais, Thalía relembra o tempo inteiro, para seus milhões de fãs no Instagram, Youtube e TikTok, o sucesso de suas Marias, inclusive vendendo produtos licenciados”, afirma.

São as redes sociais, que Ballerini labareda de meios de informação pós-massivos, que garantiram ao planeta indiano Shah Rukh Khan um poder cultural maior do que o do norte-americano Brad Pitt. Em generalidade, diz o responsável, ambos utilizaram de sua venustidade pessoal para saltar de papéis populares a outros mais relevantes artisticamente.

Também “nasceram” dentro das duas indústrias cinematográficas mais poderosas do mundo, Pitt em Hollywood e Khan em Bollywood. O americano tem a vantagem do linguagem mais popular do planeta, o inglês, o que ajudou a popularizar seus filmes.

“Mas no vértice de sua glória, ele e a ex-mulher, Angelina Jolie, se tornaram as estrelas mais perseguidas do Oeste, o que talvez tenha afugentado Pitt das redes sociais. É aí que Khan saiu na frente”, comenta Ballerini.

Khan tem um longo casório com Gauri Chhibber, desconhecida quando se conheceram, em 1991, com quem tem três filhos. Ele posta sempre a rotina da família nas redes sociais, com 42 milhões de seguidores no Facebook, 30 milhões no Instagram e 42 milhões no X, formando uma povo todas as noites em frente à sua mansão em Mumbai, na esperança de um gesto do planeta, o que quase sempre acontece de noite.

Em 2019, David Letterman entrevistou Khan. Em seguida dias seguindo sua rotina em Mumbai, chamou-o de “a maior estrela de cinema do mundo”. “E ele estava visível”, concorda Ballerini.

Em sua obra, o pesquisador observa que o audiovisual se tornou o meio preponderante de formação do poder cultural de qualquer artista no século 21. No campo da música, por exemplo, sua pesquisa se voltou para o universo dos videoclipes, comparando Anitta com a britânica Dua Lipa.

Segundo ele, ambas possuem videoclipes com propostas estéticas e narrativas não muito diferentes. Ambas usam as mídias sociais para aumentar sua influência e não recuam de confrontos diretos com pessoas poderosas de outros campos.

Em 2020, Dua Lipa postou um vídeo para seus 46 milhões de seguidores no Instagram criticando a forma porquê as Forças de Resguardo de Israel tratavam os palestinos. A ONG israelense Im Tirtzu abriu uma petição exigindo que suas músicas fossem banidas da rádio do Tropa, a mais popular do país, mas não foi atendida.

O ex-presidente Jair Bolsonaro costumeiramente usava suas redes sociais para criticar posições de Anitta favoráveis à legalização da maconha e à eleição de Lula em 2022.

Embora a brasileira tenha quase o duplo de videoclipes que a britânica, Dua Lipa acumula mais poder cultural, levando-se em conta número de seguidores, vendagem de discos e repercussão na prelo mundial.

“Cá vemos o papel preponderante do linguagem na consolidação do poder cultural dentro do campo músico. É por essa razão que Anitta tem investido muito tempo e verba em videoclipes em espanhol e inglês, pois essa é a única categoria que ainda a distanciava da possibilidade de estar no meio do poder da música. Ela até repaginou o poder suave da bossa novidade, adicionando ‘trap’ e um contexto mais oportuno em ‘Girl from Rio’ (2022). E está dando visível”, afirma.

Oportunismo, ou compreensão de um espírito do tempo, é o que muitos artistas utilizam porquê via rápida para lucrar poder cultural, segundo o livro. E isso não é de hoje.

Ballerini conta porquê diversos artistas da Renascença do século 15 produziam obras encomendadas ao sabor da nobreza e do papado para prometer renda e poder. Seis séculos depois, as coisas não mudaram tanto assim. Reproduzir valores benquistos em certos grupos é um caminho mais seguro para a glorificação de um artista.

Ele cita um exemplo: “Emerald Fennell nunca havia ganhado um prêmio relevante porquê atriz, diretora ou roteirista. Mas em 2020, seu filme, ‘Bela Vingança’, um raso entretenimento juvenil, ganhou o Oscar de melhor roteiro original. Por quê? Porque sua violência, não muito dissemelhante da de franquias porquê ‘Rambo,’ é perfeitamente adaptada ao nosso tempo e contexto: é a vingança de uma mulher (feminismo?) contra homens abusivos”, diz.

Na esteira do prêmio mais cobiçado da indústria cinematográfica, ao qual o Brasil concorre em três categorias (melhor filme, atriz e filme internacional), Franthiesco Ballerini reflete sobre o peso da Ateneu.

“A decisão do Oscar de premiar um filme em detrimento de outro sempre seguiu a lógica de poder da cultura dominante sobre a cultura dominada. Mesmo quando se atribui o prêmio principal a filmes estrangeiros, porquê o sul-coreano ‘Verme’, isso reforça o poder do próprio Oscar e seu status de maior honraria mundial. É uma construção simbólica pensada para substanciar, sempre, a saliência e a jerarquia de uma cultura, a norte-americana, sobre a outra, estrangeira.”

O responsável menciona que o sucesso de “Ainda Estou Cá” é favorecido, além da óbvia qualidade do filme, pelo roupa de o diretor Walter Salles e Fernanda Torres terem “rastros” no universo da Ateneu de Los Angeles, resultado de “Mediano do Brasil”, que Salles também dirigiu, indicado a dois Oscars em 1999, melhor filme estrangeiro e melhor atriz, para Fernanda Montenegro, mãe de Torres. Na ocasião, Fernanda perdeu para Gwyneth Paltrow, jovem atriz cuja curso era turbinada por um pesado esquema de marketing.

Ballerini considera que Fernanda Torres tem notável chance de lucrar o Oscar “quando sua concorrente, Karla Sofía Gascón, vai a público dar declarações polêmicas e descoladas dos valores culturais contemporâneos, tão importantes para uma premiação desse calibre, cuja popularidade segue em decadência”.

Não estaria mais perto da vitória, porém, a atriz norte-americana Demi Moore, protagonista de vários sucessos comerciais, mas até hoje esnobada pelo Oscar? O responsável pondera: “Talvez, mas premiar Fernanda seria não só uma forma de ‘fortalecer a marca’, mostrando-se democrático e plural, porquê também ratificar valores hoje tão em subida para a própria Ateneu, porquê a flutuação cultural, étnica e social.”

Folha

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