Dentro de um cubo branco, em trajes finos e alvos, cercados de teclados e sintetizadores antigos e guitarras e um reles mais velhos ainda, os franceses Jean-Benoît Dunckel e Nicolas Godin sobem uma vez que extraterrestres ao palco. A música do duo, mais publicado uma vez que Air, também soa estranho. Não porque pareça vir de outro planeta, mas por parecer humana demais agora.
De volta aos palcos em turnê, o Air foi a atração principal do Sónar, um dos mais importantes festivais de música eletrônica do mundo, que ocorreu no último término de semana em Barcelona. O duo retomou a estrada com o álbum “Moon Safari”, de 1999, disco seminal que os posicionou tanto entre os grandes da música eletrônica quanto da música francesa, no meio de gente uma vez que Serge Gainsbourg e Daft Punk.
O álbum é um paleta sonora chique e naïve da música eletrônica, uma história de paixão espacial entre instrumentos analógicos e tecnologias digitais que se cruzavam à idade mais pela urgência do que pelo fetichismo de um ou de outro. “Sexy Boy”, sucesso inconteste do disco, é uma tira precípuo no encontro do trip hop e do ambient, galvanizado por profanas vozes angelicais.
“Sempre estivemos no caminho inverso, um tanto mais relaxado, psicodélico, uma música que não é feita necessariamente para dançar”, diz Jean-Benoît Dunckel, metade do Air, ao receber o repórter antes do show em que tocam, do início ao término, o disco “Moon Safari”. “Sentimos que o público queria que a gente voltasse aos palcos. Havia uma geração que não pôde nos ver ao vivo antes e sentimos esse chamado.”
Se no término da dezena de 1990, o Air surgia uma vez que um elegante patinho mal-parecido em meio ao sucesso da “French touch”, a vaga de house que invadiu as pistas europeias e os Estados Unidos, hoje o duo é um sopro extraterreno em meio à ditadura de melodias insossas ou batidas aceleradas das pistas —aquela, pela via do pastiche mercantil, e esta por um radicalismo esvaziado.
“Existe um pouco de Debussy e de Ravel na nossa música, que é romântica com muito espaço interno, um som que plana, com silêncios”, diz Nicolas Godin, a outra metade do duo. “É tudo muito impressionista. É a forma que encontramos para concordar nossa legado francesa.”
Esse orgulho é mais a musicalização do imaginário preceptor do duo do que uma exaltação com pinta patriótico, sentimento que serve à ultradireita na França. “São tempos sombrios. Já vivemos tempos mais alegres”, afirma Godin. “Não há zero pior na evolução da sociedade do que a teoria de segurança, porque ninguém está sempre seguro e precisamos concordar isso”, diz Dunckel.
Outrora estudantes de arquitetura e astrofísica criados na região de Versalhes, famosa por seu luxuoso palácio real, os dois começaram a fazer canções já nos anos 1980. Ao se depararem com a música eletrônica nos anos 1990, eles entraram no mundo dos sintetizadores, mas sem não desistir a vastidão dos jardins em mercê dos pequenos clubes parisienses.
“Nossa música sempre foi espacial e de paisagens. É uma vez que o classicismo gaulês, em que tudo é dosado e perfeitamente equilibrado”, afirma Godin. “Se eu vejo a arquitetura do palácio de Versalhes e a comparo com a arquitetura de edifícios ingleses ou alemães da mesma idade, acho todas essas outras construções desproporcionais.”
De consonância com Godin, há também o “savoir-faire” gaulês. “É um tanto que vejo nas marcas de tendência, na marcenaria, nas esculturas, existe até o concurso de melhor artesão’ na França, enfim, o artesanato é qualquer coisa de sagrado no país”, afirma ele. Benoît completa, aos risos, dizendo “a comida feita em vivenda é sempre melhor que a comida comprada no supermercado”.
Na atual turnê, o duo toca canções que pouco ou nunca viram os palcos com precisão de relógio suíço e a ajuda do baterista Louis Delorme, que entra com classe na fusão sonora no palco.
É a vez de escoltar, por exemplo, Jean-Benoît em seus sintetizadores enquanto canta em “Remember” e “New Star in the Sky” —um som que se tornaria definidor nos anos seguintes em trabalhos de artistas uma vez que Daft Punk.
É também o caso de ver a Nicolas Godin nas cordas e na gaita em “Ce Matin-là”, uma vez que o fio condutor da narrativa de um herói das histórias de Júlio Verne, um dos ídolos do duo, ou “Le Voyage de Pénélope”. Última tira do álbum, ao vivo a melodia se torna um lânguido posfácio de filme B de ficção científica. Não por eventualidade, ambos assinaram diversas trilhas sonoras depois o lançamento de “Moon Safari”.
Optar por uma espécie de relacionamento simples, ora produzindo individualmente, ora tocando em dupla, é o que mantém o duo a salvo até hoje. “A gente trabalha em ciclos e não sabe muito para onde vai”, afirma Godin, que é casado com Iracema Trevisan, designer brasileira e ex-baixista do Cansei de Ser Sexy.
A conexão com o Brasil já rendeu estadas de Godin em Ubatuba, no litoral paulista, e no Rio de Janeiro. Introdução de “Moon Safari”, a tira “La Femme d’Argent”, aliás, ganha contornos de bossa novidade ao vivo com a bateria de samba jazz e a risca de reles cadenciada.
“Na bossa novidade e no Rio de Janeiro dos anos 1960, a gente encontra alguma coisa francesa”, afirma Godin. “Tom Jobim, por exemplo, tinha aquele cabelo penteado, uma camisa de gola e um suéter. Acho que ele poderia ser gaulês”, ajustando ele mesmo a gola e o penteado antes do show.