Há pouco mais de um mês, um jovem de 16 anos morreu em uma granja no município de Aragominas, no Tocantins, em seguida ser atingido por um relâmpago enquanto trabalhava descalço na produção de farinha de mandioca. No mesmo dia, outra vítima de uma descarga atmosférica foi registrada em uma praia de Arraial do Cabo, no litoral do Rio de Janeiro: um jovem de 19 anos perdeu a vida no momento em que recolhia cadeiras e materiais de trabalho.
Na mesma estação, o estado de Mato Grosso do Sul foi palco de dois episódios fatais. Um foi no município de Ladário, onde uma mulher de 41 anos foi meta de uma descarga elétrica enquando pescava nas margens do Rio Paraguai. Já em Chuva Clara, um varão de 33 anos foi eletrocutado enquanto mexia no celular conectado à tomada durante o mau tempo.
A frequência com que casos desse tipo são noticiados tem relação com as condições meteorológicas do Brasil, que é o país com maior incidência de raios no mundo. E a comunidade científica vem manifestando preocupação com a possibilidade de aumento da média anual de ocorrência de raios em território vernáculo, porquê desdobramento das mudanças climáticas em curso.
Segundo dados do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat), vinculado ao Instituto Pátrio de Pesquisas Espaciais (Inpe), de 2018 a 2022, a média anual de descargas atmosféricas no país ficou em 590 milhões. Nesse período, Amazonas, Pará, Mato Grosso, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul foram os estados com maior número inteiro de ocorrências de raios.
O ranking consta em silabário produzida pelo Instituto Tecnológico Vale (ITV), braço da mineradora Vale dedicada ao fomento da pesquisa científica. Intitulado Proteção contra raios: redução de riscos para aumento da segurança, o documento recém-finalizado traz um conjunto de informações que incluem perfil das vítimas, circunstâncias mais comuns das ocorrências, atividades consideradas perigosas, recomendações para prevenir danos e leis e normas brasileiras que tratam do tema. A silabário será distribuída em comunidades e escolas.
“Produzimos um ranking atualizado. A última vez que isso foi feito tem mais de 15 anos. E esse recorte por estado nunca havia sido feito. Em 2009, foi realizado um levantamento por município”, explica Douglas Ferreira, que figura porquê responsável do documento ao lado da colega Ana Paula dos Santos, ambos cientistas do ITV. Todo o teor foi produzido com base em dados do Elat para o período de 2018 a 2022 e foi revisado pelo pesquisador do Inpe Osmar Pinto Júnior.
Quando se considera o totalidade de ocorrências por quilômetro quadrângulo, a liderança passa para Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul. “O ranking por superfície nos permite observar onde há maior concentração, o que faz aumentar a verosimilhança de fatalidades”, explica Douglas. O pesquisador observa que, nesse caso, ficam primeiro na lista os estados que têm grandes populações, o que é motivo de preocupação.
Dados do Elat indicam que, todos os anos, os raios provocam tapume de 110 mortes no Brasil e ferimentos em mais de 200 pessoas. A silabário apresenta o perfil das vítimas das fatalidades no período entre 2018 e 2022. Homens representam 82% e mais da metade eram crianças ou jovens: 24% na fita etária de 20 a 29 anos e 20% entre 10 e 19 anos.
Na estudo das circunstâncias, constatou-se que 26% dos episódios ocorreram durante atividades em superfície rústico e 21% dentro de lar, em situações que envolveram, por exemplo, uso de telefone e de aparelhos conectados à tomada ou proximidade de portas e janelas. Em 9%, a vítima encontrava-se em locais porquê rios, lagos e mares ou perto de corpos d’chuva. O recorte por estações mostrou que 43% dos casos ocorreram no verão, 33% na primavera, 16% no outono e 8% no inverno.
Trabalhadores
A silabário aponta ainda riscos e indica medidas a serem adotadas para proteção de trabalhadores das atividades mais vulneráveis aos impactos dos raios. As medidas estão vinculadas a diferentes setores econômicos, porquê lavradio, pecuária, mineração, ferrovias, portos, eletricidade e construção social, muitos dos quais inclusive registram anualmente prejuízos milionários por razão de descargas elétricas.
Conforme o documento, durante as tempestades, ninguém deve permanecer exposto ao ar livre. Outrossim, a orientação é manter-se retirado de equipamentos ou estruturas que podem atrair descargas atmosféricas. Às empresas, recomenda-se a adoção de procedimentos de segurança rigorosos, o que é fundamental para minimizar riscos. Isso envolve o monitoramento das condições meteorológicas, que possibilita a tomada rápida de decisões em caso de mudança de tempo. A interrupção temporária das atividades ao ar livre e o uso de equipamentos de proteção individual são considerados essenciais para a segurança dos trabalhadores.
Os pesquisadores também destacam a valor do fornecimento de treinamento adequado aos trabalhadores. “Sabemos que há muitos acidentes porque as pessoas tentam se proteger embaixo de uma árvore. E isso não é recomendado”, observa Douglas. São consideradas perigosas as atividades de operação e manutenção de linhas e torres de transmissão e distribuição de virilidade elétrica e de equipamentos porquê guindastes, escavadeiras, andaimes e máquinas agrícolas. Trabalhos em telhados e em campos abertos, porquê é o caso do pastoreio de animais, também são considerados de risco.
Além das atividades profissionais, a silabário alerta que a recreação e a prática de esportes em terrenos abertos ou áreas costeiras também não são seguras em meio ao mau tempo. Da mesma forma, não se deve permanecer em rios e no mar, pois a chuva pode propagar a eletricidade. Mesmo dentro de imóveis, é preciso tomar alguns cuidados: manter-se distante das redes elétrica, telefônica e hidráulica e também de portas e janelas metálicas.
Mudanças climáticas
Os raios ocorrem em maior volume em regiões tropicais. Outrossim, a umidade do ar elevada, porquê ocorre na Amazônia, favorece ainda mais a formação da atividade elétrica.
O fenômeno está relacionado à formação de nuvens do tipo cumulonimbus, caracterizadas por um grande desenvolvimento vertical e pela base frequentemente escura e espessa, que são comuns em tempestades com grandes volumes de chuva acompanhados de ventos fortes. A descarga da eletricidade presente nessas nuvens é causada pela atração entre cargas de sinais opostos: positivas e negativas. Assim o relâmpago pode ocorrer unicamente entre nuvens ou entre nuvens e solo.
É generalidade sobreviventes desses episódios relatarem que, momentos antes de serem atingidos, experimentaram sensações porquê cabelos arrepiados e formigamentos na pele. Isso corre devido ao intenso campo elétrico gerado na região diante da iminência de uma descarga atmosférica.
De congraçamento com os pesquisadores do ITV, em um cenário de mudanças climáticas com aumento da temperatura do ar e do calor, as tempestades com descargas atmosféricas devem permanecer cada vez mais intensas e frequentes. Uma projeção do Inpe, divulgada há dois anos, indica que o Brasil receberá até 100 milhões de descargas elétricas por ano entre 2081 e 2100.
As mudanças climáticas em curso são caracterizadas pelo aumento irregular da temperatura média do planeta e são impulsionadas pela ação humana nas últimas décadas. A comunidade científica vem chamando a atenção para as consequências alarmantes, caso se mantenha o ritmo do aquecimento global. Para mitigar os efeitos, são considerados imprescindíveis a redução da emissão de combustíveis fósseis e o combate ao desmatamento.
Os alertas sobre o aumento da incidência de raios reverberam no meio científico há alguns anos. A pesquisadora Raquel Albrecht, professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), abordou a questão em um programa veiculado em 2022 pela Rádio USP. Ela explica que o volume de descargas elétricas tende a aumentar com a maior ocorrência de tempestades.
“As pesquisas mais recentes indicam uma mudança na frequência de tempestades devido às mudanças climáticas. Se nós aumentamos a média global de temperatura, a atmosfera passa a ter uma capacidade um pouco maior de reter chuva. Isso faz com que exista um potencial maior de formação de tempestades”, explicou.