Jornadas exaustivas, que começam na madrugada e terminam exclusivamente na madrugada seguinte, trabalhando em meio a milhares de foliões em temperaturas muitas vezes superiores a 40 graus Celsius. É no carnaval carioca que muitos trabalhadores ambulantes fazem um pé de meia e garantem o sustento da família.
O trabalho, que já é extenuante para os adultos sozinhos, é ainda mais para as mães que não contam com rede de base e precisam levar junto crianças pequenas para os blocos.
Ter um lugar seguro para deixar os filhos enquanto trabalham é uma demanda antiga das trabalhadoras. Em 2024, isso começou a transpor do papel, mas ainda em pequena graduação. Neste ano, as medidas serão ampliadas, atendendo a mais crianças.
A Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio (SMAS) vai oferecer um espaço de convívio para filhos de até 12 anos de ambulantes que trabalham no carnaval. Nos dias de ensaios técnicos e desfiles na Sapucaí, as mães poderão deixar os filhos no Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) Rachel de Queiroz, na Avenida Presidente Vargas, no núcleo, próximo ao Sambódromo, entre as 18h e as 6h do dia seguinte.
Serão oferecidas 50 vagas por noite, muro do duplo do ofertado em 2024. O atendimento será a partir do dia 25 de janeiro, na primeira noite de ensaios técnicos, e vai até 8 de março, dia do Desfile das Campeãs. As crianças contarão com alimento, atividades recreativas e atividades artísticas e culturais.
Além de atender a quem procura o serviço, será feita uma procura ativa. Segundo a Secretaria, assistentes sociais e educadores vão circundar e identificar as necessidades, fazendo um invitação aos pais.
Ampliação do atendimento
As trabalhadoras comemoram as conquistas, mas diante de muitas horas de trabalho ainda descobertas, querem a ampliação desse atendimento. Pedem que ele seja ofertado em mais locais, já que os blocos estão em diferentes pontos da cidade, e também que esse serviço seja oferecido no pré-carnaval e durante todo o dia.
Elas também querem que o atendimento seja feito em outros grandes eventos no Rio de Janeiro, além do carnaval.
“A gente sai de manhã, às 5h30, 6h da manhã, para comprar bebida, ir à rua pegar o primeiro conjunto que começa às 7h, 8h. Aí a gente vai pulando de um conjunto para outro. Acaba um conjunto, a ambulante pula para outro conjunto. Portanto, normalmente a gente chega em morada meia-noite e pouco, 1 hora da manhã”, diz a coordenadora do coletivo Elas por Elas Providência, Carol Alves.
O Elas por Elas é um coletivo de mulheres trabalhadoras informais que lutam pelo reconhecimento e por direitos das mulheres em trabalhos sem carteira assinada. Carol conta que, em 2023, elas souberam de iniciativas em Salvador, que proporcionam espaços seguros para que os filhos de ambulantes possam permanecer enquanto os pais trabalham no carnaval. Desde portanto, lutam por alguma coisa semelhante no Rio de Janeiro.
“É muito dificultoso e é muito triste você ver uma mãe tentando o sustento, tentando levar comida para dentro de morada, em uma tripla jornada na rua e com a petiz, sabe? A petiz fica estressada, a petiz fica com o estado psicológico totalmente impressionado também, porque tem que permanecer na rua, fazendo 40 graus nos dias, com a mãe vendendo bebida”, diz.
Em 2024, o serviço foi oferecido pela primeira vez, fruto de parceria da 1ª Vara da Puerícia, da Juventude e do Idoso da Capital, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e da Secretaria Municipal de Assistência Social.
Neste ano, as organizações de trabalhadores se uniram, buscando espaço para uma campanha que já tinham: Campanha Creche no Carnaval, encampada pelo Coletivo Elas por Elas Providência junto ao Movimento dos Trabalhadores sem Recta.
“Os ambulantes são essenciais no carnaval, são essenciais nos grandes eventos. Sem um ambulante, o carnaval não anda. Sem um ambulante, uma sarau, um grande evento, também não caminha, porque o ambulante tá ali vendendo a chuva, vendendo um refrigerante, vendendo uma cerveja. Nós somos os garçons das grandes festas”, diz
Trabalho é correria
Taís Lopes conhece a rotina de ambulante no carnaval de perto, ela trabalha nessa dimensão há 8 anos. Desde o promanação da filha mais novidade, Ágatha, há 3 anos, ela tem a companhia da bebê.
“Quando vou trabalhar, sempre carrego minha filha. Eu sou ambulante, aí tenho que carregá-la para comprar bebida. Eu carrego ela comigo para poder vender”, conta.
“Meu trabalho é correria, tadinha. Ela dorme, aí eu a conciliação em cima da hora e falo: ‘Vamos embora, filha’. Não tenho com quem deixar. Se tivesse uma rede de base, poderia ir trabalhar tranquila, só que não tenho. Eu junto um negócio, um biscoito, uma chuva e saio. Saio de manhã, aí dependendo do rumo que a gente pega, se tiver conjunto, a gente vai esticando até onde der”, diz.
Tais é mãe também de Kayky, 15 anos. Quando a filha mais novidade nasceu, o pai os deixou e ela tornou-se mãe solo e precisa levar a filha para onde vai.
“Só que por ela ser petiz, fica cansada, só tem 3 anos. É extenuante para ela, não tem um lugar para tomar um banho, nem para poder se esticar, deitar. ela vai andando comigo, aí tá cansada, eu boto em cima da carroça, vou puxando, vamos embora”, diz. “Eu tenho que decorrer detrás do sistema, porque se eu não decorrer, a gente não come, não bebe, não se veste”.
Ter um lugar para deixar a filha a anima. “Eu tô muito feliz que a gente vai poder trabalhar tranquilo. Não permanecer preocupada de pessoas maldosas, porque infelizmente carnaval tem muito disso de querer passar, retirar a petiz, aproveitar que a mãe tá distraída”.