Após música sobre borderline ser criticada... qual o limite para

Após música sobre borderline ser criticada… qual o limite para cantar sobre doenças mentais?

Celebridades Cultura

Música de Maiara sobre Transtorno de Personalidade Borderline motivou debate entre psiquiatras. Outras composições já abordaram doenças mentais, porquê bipolaridade e TDAH. Qual o limite para o uso de doenças mentais nas composições musicais?
Os versos da música “Borderline”, escrita por Maraisa e outros três autores causaram polêmica, antes de ela ser lançada oficialmente. A música, que teve uma versão de teste divulgada no termo de abril, tinha chance de estar no próximo projeto ao vivo de Maiara e Maraisa.
“Ele não precisa de você nem do seu sentimento / Só de tratamento / Não deixa essa montanha-russa virar tálamo / Cê não precisa permanecer se envolvendo /Com querubim e demônio ao mesmo tempo / Corre senão você vai naufragar junto / Você não é remédio de maluco”
Mas a repercussão não foi boa. Muitos psiquiatras e pacientes de Transtorno de Personalidade Borderline se manifestaram nas redes sociais, afirmando que os compositores banalizaram a doença, reforçaram o estigma e aumentaram o preconceito.
Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em 2022, muro de 2 milhões de pessoas sofrem de Transtorno de Personalidade Borderline no Brasil. A doença é caracterizada pela instabilidade nos relacionamentos e na autoimagem, alterações de humor e impulsividade, além do terror de desistência. Os pacientes têm dificuldade de controlar a raiva e podem descontar em violência.
Mais músicas que falam sobre doenças mentais
As críticas depois a divulgação foram voltadas para Maraisa, que apagou sua postagem com a gravação nas redes. Procurada pelo g1, a assessoria afirmou que a cantora não vai se manifestar.
Borderline não é a única doença mental tema de música. Bipolaridade, narcisismo e déficit de atenção com hiperatividade já viraram versos nos últimos anos:
Em “TDAH”, lançada em agosto de 2024, Kelvy Pablo e Natanzinho Lima cantam sobre um varão que traiu a namorada, justificando a “lacuna de memória” por ter transtorno do déficit de atenção com hiperatividade:
“Paixão, calma que eu posso te explicar / Tu sabe que eu sou esquecido mesmo / Achei que tava solteiro / Não sou safado, só tenho TDAH”
Em “Eu sou sentimento”, de 2024, Luan Santana e Luan Pereira se juntam para trovar o metódico falta de atenção de alguém que acaba de se enamorar:
“Desculpa, eu não ouvi você falar / Seu sorriso ativou meu TDAH / A sua boca mexendo / O vento batendo no seu cabelo pra lá e pra cá”
Em “Bipolar”, de 2015, Seu Jorge falava sobre seu paixão por uma pequena que sofre de transtorno bipolar. Na tira, Seu Jorge diz que tentou de tudo para permanecer com a pequena, mas que às vezes não entende suas mudanças de humor. O cantor também explica um pouco sobre doença:
“Tem dia que tá muito / Tem dia que não tá permitido / Tem dia que tá zen / Tem dia que tá inferior astral (…) / Bipolar é um transtorno mental / Maníaco depressivo / Que culpa muita infelicidade / Aos portadores dessa enfermidade / Apesar dessa doença / O tratamento é muito simples / Mas é permitido permanecer ligado /
Porque os sintomas são diversos”
A bipolaridade também virou verso na música “Bipolar”, cantada por Wesley Safadão e Nattanzinho Lima. A música foi composta por Lucas Tibério e gravada em setembro de 2024. Nela, eles cantam a história de um rapaz que não aceita mais as mudanças de humor da namorada:
“Não dá mais pra concordar / Você é bipolar / Ao mesmo tempo, você morde e depois me assopra
Você pegou as minhas malas e me pôs pra fora (…) / É verdade o que todos diziam / Você é maluca, pirada, fingida / Tô cá no relento do seu apartamento / Bebendo com suas amigas”
Maiara e Maraisa já haviam falado sobre outra questão de saúde mental ao referir o Transtorno de Personalidade Narcisista. Na tira “Narcisista”, lançada em 2023, elas cantam:
“Agora eu quero falar com seu eu, que tava comigo, / Gritava te senhor, falava de fruto / Brilhava o olho, me amava sentindo, / Que mentia que a gente era um parelha bonito / É sério, não sei se eu termino ou se eu te interno, seu louco / Já que eu não sei quem ‘cê’ é de verdade / Já que todo dia ‘cê’ é uma pessoa / Já que ‘cê’ tem várias personalidades / Seu narcisista, seu covarde / Tô terminando com todas suas partes / A que me trai, a que é solteira, a que ‘cê’ não foi varão de verdade”
O limite é o saudação
Seu Jorge compôs “Ela é Bipolar”: presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria elogia tira
Laécio Lacerda
Em conversa com o g1, o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (APB), Antonio Geraldo da Silva, afirmou que o limite para o uso de doenças mentais para fabricar letras de músicas “é o saudação”.
“É importante se respeitar e considerar a doença dos outros, porque ninguém faria isso com uma pessoa que está com cancro. Ninguém faria isso com uma pessoa que está com AIDS. Ninguém falaria. Porque seria desrespeitoso, seria recrear com o sofrimento dos outros”, cita o psiquiatra.
“E onde está escrito que não há sofrimento em ser bipolar? Em ser borderline, em ser TDH? Muito pelo contrário, eles sofrem e sofrem muito.”
“Quem é que vai trovar numa música que o paciente tem tal comportamento porque tem, por exemplo, uma doença renal? É desrespeito, é descaso, é estigma estrutural, estigma social, que gera o autoestigma no doente mental.”
Antônio afirma que o autoestigma leva o paciente a desistir da procura por tratamento por crer que é uma pessoa “subordinado”. O psiquiatra cita, ainda, que o sofrimento do portador de boderline, assim porquê outros pacientes de doenças mentais, começa na dificuldade pelo tratamento.
“A maioria dos CAPS do Brasil não tem médico. E quando tem médico, não é psiquiatra”, afirma. “Se você pega uma receita minha e vai na farmácia popular, você nunca vai ser atendida porque nós não temos psicotrópicos na farmácia popular para atender as pessoas com depressão, impaciência, TDAH e por aí vai.”
Para ele, essa dificuldade para o tratamento –, mesmo o país tendo mais de 470 milénio afastamentos do trabalho por transtornos mentais em 2024, — é uma questão de estigma estrutural. E isso se reflete nas composições de Maiara e outros artistas.
“Ela [Maiara] fala assim [na música]: ‘Ele não precisa de carinho, ele não precisa de paixão, ele precisa de tratamento’. Sim! Toda pessoa que tem uma doença mental, que tem um transtorno mental, precisa de carinho, precisa de paixão e, também, de tratamento. Não pode ser só um, não pode ser só o outro, tem que ser os dois. E tem que ter saudação.”
Das músicas citadas na material, Antônio elogia a formação de Seu Jorge. “Ele não critica, ele não sacaneia, — desculpa esse termo, mas é isso, — com o doente bipolar. Ele só coloca que ela é bipolar. E aí ele explica o que é bipolar, que é uma doença, que tem variações.”
Contra o cancelamento
Maiara e Maraisa, que se apresentaram na Sarau do Peão de Barretos 2024, passaram por transformação no visual
Érico Andrade/g1
Antônio diz ser contra o cancelamento de artistas que, porquê Maraísa, criaram versos que estigmatizam pacientes de doenças mentais. “Qual é a minha proposta? Venham até a nós, ou vamos até vocês, para ensinar do que se trata. E entre na campanha contra o preconceito, contra a psicofobia. Vamos ensinar as pessoas. Não pode fazer linchamento de ninguém.”
Ele também diz ser em prol de composições que falem sobre as doenças mentais. Para ele, é preciso falar sobre o tema. “Mas com responsabilidade.”
“Elas escolheram um tema que poderia ser maravilhoso, se elas usassem para orientar, para desestigmatizar, para ajudar a esclarecer. Mas se torna péssimo quando vai gerar estigma e gera descaso com quem tem transtorno borderline de personalidade.”

Fonte G1

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