Arte Afro Brasileira E Afro Americana Dialogam Em Mostra 16/11/2024

Arte afro-brasileira e afro-americana dialogam em mostra – 16/11/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Um Cristo preto está de braços abertos numa cruz cujas pontas delineiam a inflexão de um machado. Sem zero que a cubra, sua genitália está à mostra, erguida. Também não se veem cabelos longos, mas fios curtos e crespos e uma barba longa, que se destacam num halo solar.

As misturas de símbolos de religiões de matriz africana e do cânone do cristianismo são o cerne do contraste desta obra de Abdias do Promanação, que não à toa tem dois títulos —”Xangô Crucificado ou O Martírio de Malcom X”.

A tela desse pioneiro do ativismo preto representa muito os diálogos da exposição “Ascendente: Afro-Américas”, que celebra as ligações entre a arte afro-brasileira e afro-americana. São 132 obras de 73 artistas, explorando diferentes vivências e contextos reunidas no Museu de Arte Brasileira, o MAB, da Instauração Armando Alvares Penteado, a FAAP, até 26 de janeiro de 2025.

Ao lado de destaques da arte americana, porquê Betye Saar, Kara Walker e o jamaicano Nari Ward, estão artistas populares brasileiros porquê Heitor dos Prazeres, Sacerdote do Rosário e Rabi Didi.

Questões porquê imigração, religião, desigualdade social, gênero, memória e identidade, se desdobram nas entrelinhas das obras de dissemelhante períodos. No caso, a pintura de Promanação, também fundador do Teatro Experimental do Preto, é de 1969, feita enquanto ele viveu exilado, de 1968 a 1981, nos Estados Unidos e na Nigéria.

O tema do Cristo preto foi retomado por LeRoi Johnson, de Novidade York, que pintou “A Crucificação” em 1996, incluindo símbolos da arte africana e das relações com a natureza. Posteriormente, LeRoi doou sua tela à instalação de Promanação, Ipeafro, em 2004.

A mostra é um testemunho das semelhanças e diferenças que marcam essa duas populações. A curadoria conjunta é assinada pela brasileira Ana Beatriz Almeida, historiadora da arte e artista visual, e a americana Lauren Haynes, curadora-chefe do núcleo artístico Governors Island, ao sul de Manhattan.

A curadoria propõe três eixos temáticos: “Espaço”, “Corpo” e, entre os dois, “Sonhos”. Haynes destaca, em “Sonhos”, o uso de materiais com conotações específicas –principalmente para pessoas negras.

É o caso de Nari Ward. Sua obra “Untitled (Xancestral)” remete simultaneamente ao cosmograma da religião Bakongo e à bandeira brasileira, com molas de colchões, açúcar, cachaça, algodão e terreno, coletada no Brasil.

O artista jamaicano, que costuma trabalhar com materiais descartados, montou sua obra direto no museu. “É um trabalho para ser exibido cá e agora. Promiscuidade as práticas e espaços artísticos, conversa com inúmeros outros trabalhos presentes”, afirma Haynes.

Segundo Almeida, a montagem –com “Sonhos” ao núcleo– foi inspirada pelo lugar de predominância que o onírico e místico ocupam nas tradições africanas. “O Oeste é criado pela moral e estética. Já nos povos não ocidentais, temos moral, estética e transcendental. ‘Ascendente’ é uma forma de pensar a arte afro-brasileira e afro-americana ao recriar essa dimensão inexistente”, diz.

Nas últimas décadas, multiplicaram-se os museus e sinais dedicadas à arte negra. Mas a falta de variedade no cânone da história da arte é ensurdecedora. Simone Leigh, que expõe “Las Meninas 2” (2019), foi a primeira afro-americana a simbolizar os Estados Unidos na Bienal de Veneza, principal evento do mundo da arte. O ano era 2022.

“O objetivo é olhar um tanto negligenciado durante todos esses anos, justamente o que as duas culturas têm em generalidade: são as duas maiores diásporas africanas do mundo, que ocorrem no mesmo contexto histórico, e ambas as populações carregam uma ancestralidade profunda que se expressa francamente na cultura contemporânea”, afirma o diretor criativo de “Ascendente”, Marcello Dantas.

Um dos artistas é Mel Edwards, que teve mostra individual no Masp dedicada às suas esculturas e instalações em 2018, ano que o museu expôs histórias afro-atlânticas por meio das artes. Edwards expõe desde os anos 1960 –quando ainda vigoravam leis segregacionistas em seu país–, e seu trabalho é permeado por temas de protesto e justiça social. Sua obra na mostra, “Coco Variations SP”, de 2019, é inspirada pelas memórias que tinha de sua avó.

Quanto às obras contemporâneas, algumas são marcadas pelo uso da tecnologia. É o caso de “Radiola da Promessa”, idealizada pela maranhense Gê Viana, que explora as relações entre música, território e religião. Uma colagem com radiolas, litogravuras de registro do período colonial, fumaça e música reggae ao fundo remete às memórias de Viana das radiolas e terreiros de Minas.

A artista considera a radiola uma tecnologia negra, e o próprio reggae –presente no Setentrião e no Nordeste do Brasil assim porquê na Flórida e no Caribe, devido às mesmas ondas de rádio– conecta essas populações de longe.

“Ascendente: Afro-Américas” é uma iniciativa da FAAP e da Embaixada e Consulados dos Estados Unidos, em celebração aos 200 anos de amizade diplomática do Brasil com o país. “Queremos mostrar os valores compartilhados entre os países: a influência da legado da escravidão e o impacto das pessoas negras na formação dos dois países”, diz Elizabeth Detmeister, Conselheira de Assuntos de Cultura, Informação e Prensa da Embaixada dos Estados Unidos.

Durante a temporada da mostra em São Paulo, 450 estudantes de escolas do estado visitarão “Ascendente” com guias, para substanciar a dimensão educacional. Depois, a exposição passará por Belo Horizonte, Salvador, Rio de Janeiro e Brasília.

Folha

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