Artista Usa Ia Para Dar Vida às Mulheres E Plantas

Artista usa IA para dar vida às mulheres e plantas banidas – 27/11/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Na Itália medieval, Trotta di Ruggiero desafiou as proibições impostas ao seu gênero e se tornou médica, desenvolvendo pesquisas sobre o corpo feminino e remédios à base de ervas para tratar cólicas menstruais e as dores do parto. Nos séculos posteriores, seus conhecimentos foram condenados ou atribuídos a homens, motivo pelo qual até hoje não se sabe ao patente quais pesquisas são de sua autoria.

É dessa relação entre mulheres contestadoras e vegetalidade proibidas que trata “Venenosas, Nocivas e Suspeitas”, exposição em papeleta no Núcleo Cultural Fiesp. Usando lucidez sintético, a artista Giselle Beiguelman criou retratos de cientistas e artistas ligadas à fitologia para relatar suas histórias, uma vez que é o caso de Di Ruggiero.

Beiguelman também recriou desenhos em movimento de ervas com propriedades medicinais ou alucinógenas. Assim uma vez que as mulheres, as vegetalidade foram banidas por desafiarem, de alguma forma, a ordem moral vigente em diferentes momentos da história. “A exposição quer restaurar, de alguma maneira, a presença dessas mulheres através de suas estéticas e suas pesquisas”, diz a artista, que também é sátira de arte e professora da Universidade de São Paulo.

O retrato de Di Ruggiero, por exemplo, é menos realista e mais próximo a uma pintura, leal às representações de pessoas feitas na Idade Média. Seu rosto é resguardado das ervas que utilizou para produzir remédios. Já o rosto de Maria Sibylla, naturalista e ilustradora científica alemã que viveu entre 1647 e 1717, aparece emoldurado por iconografias de insetos.

Seu olhar é destemido, apesar de cansado, um provável efeito paralelo de sua trajetória. Aos 52 anos, embarcou em uma expedição ao Suriname acompanhada da filha, posteriormente largar o marido opressor. Publicou livros ilustrados de insetos, sem ser reconhecida em vida, e seu trabalho foi criticado no século 19 devido às suas descrições metafóricas. Sua obra foi redescoberta anos depois por pesquisadoras feministas.

“Vivemos em uma cultura etarista e misógina”, diz Beiguelman, ao narrar suas dificuldades em conseguir que a lucidez sintético representasse mulheres de 50 a 80 anos sem estereotipá-las. Um pouco semelhante aconteceu quando a artista criava as pinturas artificiais de vegetalidade uma vez que a beladona, considerada tóxica apesar de seus efeitos sedativos, a cannabis, usada para a produção da maconha mas que também tem usos medicinais, ou a papoula, que dá origem às drogas opioides.

“Driblar a increpação algorítmica foi difícil, porque trabalhei com vegetalidade que ainda são tratadas uma vez que infrações ilegais. Quando você escreve cogumelo na IA, o sistema já alerta que você pode estar infringindo as regras de uso.”

Beiguelman, convidada pela OpenAI para integrar o grupo de criadores que está testando o Sora, utensílio para a geração de vídeos, se deparou com outra questão moral enfrentada por artistas que trabalham com IA, por vezes acusados de plágio.

“Essa é uma discussão que vem desde a introdução da máquina de ortografar e da retrato”, diz. Monteiro Lobato, um dos primeiros escritores a publicar um livro inteiramente digitado no Brasil, chegou a ter sua autoria questionada na quadra porque supostamente não seria provável saber se a obra era de indumento sua, oferecido que não havia sido escrita à mão, lembra.

“A retrato demorou a ser considerada uma forma de arte porque ela também tem uma mediação tecnológica contundente. Não existe arte sem tecnologia. A arte não brota por geração espontânea. Toda arte tem um processo de mediação”, diz.

“O que particulariza essas artes eletrônicas e digitais, assim uma vez que a retrato e o vídeo, é que elas problematizam a tecnologia no campo estético. Nem tudo feito com lucidez sintético é arte, assim uma vez que nem todo texto digitado é literatura.”

No seu caso, a IA possibilitou que fotografias do pretérito, que nunca existiram, fossem criadas para dar às mulheres cientistas sentimentos que lhe foram negados em sua quadra, além de prestar homenagem a legados que demoraram a serem reconhecidos.

Entre as obras, a exposição exibe vegetalidade verdadeiras que dão cheiro àquelas emolduradas, e a convívio entre os retratos e as ervas provocam a imaginar se um mundo sob a rédea feminina teria sido oposto a intelectualidade masculina dominante que, ao longo dos séculos, difundiu que a tecnologia deveria dominar a natureza em prol do progressão civilizatório.

“O pressuposto de que essas definições de natureza e cultura são opostas é talvez uma das maiores heranças coloniais”, afirma Beiguelman. A relação é de reciprocidade, e não de repartição.

Folha

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