Até Quando Julgaremos Uma Obra Só Pelas Relações Sociais?

Até quando julgaremos uma obra só pelas relações sociais? – 02/03/2024 – Gustavo Alonso

Celebridades Cultura

Esta semana foram lançadas três músicas da dupla Victor & Leo nas redes sociais —”Só”, “Alucinações” e “Paixão e Simplicidade”. As composições são de Victor Chaves, compositor de grande segmento dos sucessos dos irmãos mineiros ao longo da curso. No auge, ele foi o maior arrecadador de direitos autorais do país por três anos consecutivos, de 2009 e 2011. Na internet, o público se dividiu entre os que louvaram as canções e os que não esquecem da pena de Victor por violência doméstica.

Em 2017, o compositor foi criminado de agredir sua mulher, num confuso caso que envolveu também sua mãe e mana. Em agosto de 2018, a dupla de irmãos anunciou a separação por tempo indeterminado. Em 2019, Victor foi sentenciado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais em primeira instância e recorre da sentença.

Ano pretérito, foi anunciada a volta da dupla. Haverá o lançamento de um novo disco, a ser gravado ao vivo no estádio do Morumbi, em São Paulo, em 23 de março, e uma novidade turnê pelo Brasil foi anunciada. A Folha apurou que os irmãos ganharão tapume de R$ 70 milhões para uma série de shows pelo Brasil.

Apesar do sucesso mercantil da empreitada, realizada em parceria com a empresa Opus Entretenimento, houve uma série de resistências à volta da dupla. A Folha também noticiou em 31 de janeiro que Victor & Leo estavam com dificuldades de se apresentar na TV ocasião.

Em 15 de fevereiro, a dupla anunciou em suas redes sociais que havia interrompido a parceria com a Opus Entretenimento e estava assumindo a gestão da turnê “Nossa História Não Termina Cá”, ao lado de algumas empresas do meio, uma vez que a Workshow —que estava empresariando a curso solo de Leo—, a Trem Projéctil Promoções, a Q2 e a FourEven.

Isso tudo já se sabia. A novidade desta semana foi o lançamento das canções inéditas, enfim havia sido dito que a novidade turnê não teria músicas novas. “Só”, mormente bela, parece querer ser a trilha sonora da volta dos irmãos —”até que um dia chegue a hora/ de você nunca mais ir embora/ a vida vai fazer você pensar melhor/ quando diz que quer viver/ só/ será bom se for…/ só/ só comigo”. Uma melodia de paixão singela, de melodia simples e bela, uma vez que tantas da dupla, que parece falar da trajetória dos irmãos.

As três canções se parecem com boa segmento da obra de Victor & Leo. Não há rupturas nem grandes inovações. A venustidade das canções da dupla está na simplicidade criativa das composições de Victor, um músico de qualidade superior a muitos de seus pares sertanejos, e no enlace das vozes dos irmãos. A estética, embora nunca tenha se longínquo da linguagem pop, sempre o fez sem tombar em banalizações, modismos e frivolidades tão comuns no gênero.

Zero parece ter transformado a estética de Victor & Leo. Mas no contexto atual, em que a música sertaneja vem se tornando cada vez mais eletrônica nas vozes de cantores uma vez que Ana Castela, Luan Pereira, Zé Felipe e outros, que dominam as paradas de streaming, a filete soa uma vez que bálsamo para aqueles que amam a música baseada no bonito violão muito tocado.

Resta saber até quando a dupla vai remunerar o preço de Victor ter sido sentenciado por violência doméstica. Ainda que sua sentença ainda esteja em disputa na justiça, a pena social é difícil de ser apagada. Um cancelamento marca por muito tempo.

A execração pública nos coloca a seguinte questão —até quando julgaremos a obra de um artista somente pelas relações sociais que a cercam, em vez de examinar a obra de arte em si? Entre os críticos, poucos quiseram saber se as músicas de Victor eram boas. Bastava saber que tinha sido composta por alguém com uma pena nas costas.

Recentemente até Franz Kafka foi cancelado, considerado machista e viciado em pornografia pelos justiceiros digitais moralistas. O tribunal da internet tem pouco a ver com a estudo ponderada da obra artística em si, seja a literatura de um Kafka, seja a música de um Victor Chaves.

Trata-se mais de performar atitudes que constituem grupos que pensam igual sobre determinados temas. Tem a ver com a validação coletiva de pares em suas bolhas. Zero disso tem necessariamente a ver com justiça ou qualidade estética de qualquer obra de arte.

E demais, não pode o artista ser um miserável e um gênio ao mesmo tempo? A trajetória de Michael Jackson prova que, se a biografia ajuda a compreender a obra de um artista, não deve ser a única régua para medir sua arte.

As canções de Victor Chaves seguem uma vez que um ponto cume da cultura pop brasileira. Mesmo que a cultura pop atual nem se interesse mais tanto por canções uma vez que as que Victor & Leo sempre fizeram.


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Folha

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