Atriz brasileira de orfeu negro elogia 'ainda estou aqui'

Atriz brasileira de Orfeu Negro elogia ‘Ainda Estou Aqui’ – 25/03/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Última protagonista viva de “Orfeu Preto”, Oscar de melhor filme estrangeiro em 1960, Lourdes de Oliveira adorou “Ainda Estou Cá”. “Fiquei muito orgulhosa do Brasil. Adorei tanto que convidei meu rebento para ver. Fernanda Torres maravilhosa, Walter Salles é o melhor diretor do Brasil.”

Aos 86 anos declarados (embora em seu registro de promanação conste 1935), Lourdes disse à Folha que ainda vai muito ao cinema, perto do apartamento onde vive sozinha, no 15º “arrondissement” de Paris. A silhueta esbelta reflete o pretérito de bailarina clássica.

“Não me dão mais de 70. Ninguém entende. Os médicos cá me dizem: ‘Madame Camus [seu nome de casada], a senhora é um caso único.’ Perguntam qual é a minha receita. Porquê açúcar demais, sal demais. E só palato de Coca-Cola e suco de laranja.”

Inscrito no Oscar porquê produção francesa, o filme que Lourdes estrelou é elogiado pela exuberância da retrato e da trilha sonora, e criticado pelo olhar eurocêntrico sobre um Brasil exótico. Mas “Orfeu Preto” teve o vasqueiro valor, para a idade, de valorizar um elenco preto. Em uma sociedade preconceituosa, porém, o sucesso não levou seus protagonistas ao estrelato eterno.

Breno Mello, tradutor do personagem-título, morreu praticamente esquecido, em Porto Satisfeito, em 2008, mesmo ano da morte da atriz americana Marpessa Dawn —que completava o triângulo amoroso do filme—, em Paris.

Do elenco de “Orfeu”, quem teve a trajetória mais longa porquê atriz foi Léa Garcia, conhecida do público pelos inúmeros papéis em telenovelas. Ela morreu em 2023, aos 90 anos. Foi com Léa que Lourdes manteve o vínculo mais poderoso, desde que se radicou na França, há mais de 60 anos. “Tínhamos contato sempre. Ela estava maravilhosa, a morte dela foi rápida.”

Quanto a Lourdes, ela abriu mão da curso de atriz para cuidar dos dois filhos e do marido —o próprio diretor de “Orfeu”, o gaulês Marcel Camus (1912-1982). Diz que não se arrepende da decisão. “Eu tive sorte. Fiz um filme só [na verdade, ela ainda atuou em outra obra de Camus, ‘Os Bandeirantes’, em 1960] e até hoje falam dele. Meu marido só me deixou felicidade pelo resto da minha vida.”

Apesar disso, ela não ignora o peso da questão racial. “A gente sabe que o brasílio é racista, não adianta, né?”

A trajetória um de Lourdes é desconhecida dos brasileiros. Na França, foi resgatada por um dos filhos, o redactor Jean-Christophe Camus, e um dos netos, Némo.

Inspirando-se na biografia da mãe, Jean-Christophe roteirizou uma história em quadrinhos, intitulada “Negrinha”. Némo Camus entrevistou longamente a avó para fabricar, com o bailarino brasílio Robson Ledesma, um espetáculo de dança e teatro chamado “Dona Lourdès” (assim mesmo, com acento grave, devido à sotaque em gaulês). Encenado na Europa no ano pretérito, será apresentado na Bienal de Dança do Ceará, em outubro.

A vida da atriz, relata Némo, começou porquê milhares de outras no Brasil. A mãe, Maria Odila Ribeiro, doméstica, negra, engravidou do rebento de um patrão, branco. O pai biológico nunca assumiu Lourdes. A moçoila ganhou ainda na puerícia uma novidade certificado, em que consta porquê pai o companheiro de Odila, Darcy Oliveira (1905-1945), renomado pandeirista e compositor de alguns sucessos da era do rádio.

“Do meu ponto de vista, enxergo muita violência na história da minha avó”, analisa Némo, referindo-se ao branqueamento e ao patriarcado. “Mas ela não vê assim, de modo qualquer. Conta que, quando saía com a mãe, pensavam que era a babá. Mas Odila se orgulhava dessa confusão e da cor da pele da filha, mais clara. Era um racismo internalizado muito poderoso.”

Os contatos de Odila, que trabalhou porquê governanta na embaixada dos Estados Unidos, permitiram inscrever a filha em cursos de piano e dança clássica. Lourdes estaria destinada à curso no balé, se sua formosura não tivesse chamado a atenção de Camus, no Rio, à procura de atores para seu projeto.

“Orfeu Preto” levou a jovem ao estrelato momentâneo. No papel de Mira, a prometida ciumenta de Orfeu, ela esbanja sensualidade. Para a prensa da idade, era o arquétipo da formosura da mulata brasileira.


Lançado no Brasil com o nome de “Orfeu do Carnaval”, o filme ganhou uma espécie de tríplice diadema do cinema: a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1959, o Oscar e o Mundo de Ouro de 1960.

Esses prêmios foram comemorados pelos brasileiros porquê se o longa fosse pátrio. Por fim, era filmado e ambientado no Rio, falado em português, por atores quase todos brasileiros. Baseava-se na peça “Orfeu da Conceição”, de Vinícius de Moraes, e tinha trilha sonora de Luiz Bonfá e Tom Jobim.

Porém, foi bancado por franceses e italianos —embora os produtores tenham tentado patrocínio com o presidente Juscelino Kubitschek. Por isso, é considerado um filme europeu. Quem recebeu a estatueta em Hollywood foi o produtor gaulês Sacha Gordine, que unicamente agradeceu “em nome de todos os camaradas que trabalharam no filme”.

A discussão sobre a nacionalidade da produção é tão antiga quanto o próprio filme. “O que há de brasílio neste filme é muito pouco”, decretou na idade o portanto jovem crítico do “Quotidiano Carioca”, Cláudio Mello e Souza. “É nosso ou deles?”, perguntou Carlos Machado no “Quotidiano da Noite”. Ele mesmo respondeu: “Não nos enfeitemos com penas de pavão… o filme é gaulês legítimo.”


Os créditos iniciais na tela, à primeira vista, são insofismáveis: “Coprodução franco-italiana”. Porém, logo em seguida, os mesmos créditos informam: “Com a participação de Tupan Filmes Ltda. (São Paulo)”. Em várias fontes de pesquisa, o longa é creditado porquê produção trinacional.

Sessenta e seis anos depois, pouco envolvidos com o filme ainda vivem. Além de Lourdes, a reportagem localizou outros dois: o ator mirim Aurino Cassiano tornou-se PM em Lavras (MG); e a figurante francesa Élisabeth Védrenne hoje é uma respeitada sátira de arte na França. O pai dela era professor universitário no Rio e conhecia o diretor Camus. “Eu tinha 14 anos, apareço três segundos no final do filme. O Rio era o paraíso”, lembra Élisabeth.

Uma anedota real permite medir o impacto de “Orfeu Preto” na conservadora sociedade de 1959. Em um cinema de Chicago, uma jovem branca de 16 anos, chamada Ann Dunham, ficou fascinada com a formosura negra exibida na tela.

O fascínio contribuiu para que ela se casasse, dois anos depois, com um queniano, colega na Universidade do Havaí. Quem contou essa história, na autobiografia “Sonhos do Meu Pai”, foi o rebento do par, Barack Obama.

Folha

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