Baianasystem: Russo Diz Que Faz Música Para Quando Morrer

BaianaSystem: Russo diz que faz música para quando morrer – 16/01/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Segundo o vocalista Russo Passapusso, o BaianaSystem é “uma orquestra de caminhão”. Isso porque o grupo forjou sua notabilidade no trio elétrico, o Navio Pirata, já uma entidade do Carnaval baiano, e nos shows enérgicos e suados.

Mas, em “O Mundo dá Voltas”, seu quinto e novo disco, lançado às 21h desta quinta-feira (16), eles se permitiram desacelerar. “É um disco de canções, com músicas às vezes mais lentas. Geralmente o show do BaianaSystem é porquê? E aí, vai ouvir o novo disco e ele está porquê?”, diz Passapusso.

Isso não significa que a euforia não esteja lá. “Balacobaco”, música que tem participação de Anitta, é feita sob medida para embalar as rodas de bate-cabeça comuns nas apresentações do grupo. “Magnata”, um ragga levado pelo flow meio Bahia meio Jamaica de Passapusso, se conecta diretamente com a tradição do sound system defendida pela orquestra desde seu início, há 15 anos.

O clima no resto do álbum, mas, é mais tranquilo. Trata-se de um retorno ao caminho que o BaianaSystem vinha trilhando em “O Horizonte Não Vagar”, seu terceiro disco, de 2019.

A orquestra estreou em 2010, com o álbum homônimo que serviu porquê rascunho da estética desenvolvida nas obras seguintes —um resgate da guitarra baiana no contexto da cultura dos sound systems jamaicanos.

“Duas Cidades”, disco de 2016 de pegada urbana, ambientado em Salvador e politicamente amolado na denúncia de desigualdades, marcou a subida do BaianaSystem ao sucesso vernáculo. “O Horizonte Não Vagar” veio mais otimista e esperançoso, encharcado em ideais de coletividade e com uma pesquisa mais dedicada à música brasileira.

Aquele álbum teve sua história interditada, diz Roberto Barreto, possuidor da guitarra baiana no grupo. “O disco ganhou Grammy Latino, fizemos nem três meses de shows, veio o Carnaval de 2020 e parou. Ficou aquela sensação de um pouco grandioso, que conectava várias coisas, e foi interrompido.”

Em 2021, o BaianaSystem desviou daquela rota com “OxeAxeExu”, disco mais sintético e experimental, em que o grupo buscou influências no singeli, ritmo vertiginoso da Tanzânia, e no grime, estilo de rap criado no Reino Uno. Para Barreto, foi um álbum “quebrado”, “que não se sustentava enquanto tema” e que “talvez a gente só entenda lá na frente”.

“O Mundo dá Voltas” retoma a trilha de “O Horizonte Não Vagar”, agora a partir de um noção. Passapusso diz que passou três anos contando a mesma história exaustivamente a todas as muro de 150 pessoas envolvidas no projeto para que cada sonoridade do disco reforçasse a narrativa pré-estabelecida.

“Exemplo, você vai tocar tambor na música que é uma subida para a laje. Eu vou encher teu saco, vincular para você e proferir que o tambor representa isso e aquilo, e depois aquele rostro vai descer para a praia, que é o lugar onde chegaram os escravizados. Era assim, ‘caramba, era só para tocar um tambor, mas agora vou ter que racontar uma história com isso?”, diz o vocalista.

O enredo acompanha as músicas. “Batukerê”, diz Passapusso, é um sonho. Em “A Laje”, o protagonista “acorda, sobe na cobertura e vê aquele firmamento azul”. Ele desce até a orla em “Praia do Horizonte”. Volta à comunidade na hora do rush em “Porta-retrato da Família Brasileira”. Olha para trás e vê o verba “das bets, do tráfico e da diferença social expressa na geografia” em “Magnata”. “Palheiro” é a cidade, “Agulha” são as pessoas e por aí vai.

Esteticamente, o disco traça conexões das músicas brasileira, latina, caribenha e africana. Desta vez, influenciada pelo saxofonista americano Pharoah Sanders e pelo disco “Trouble Man”, de Marvin Gaye, entre outros, a orquestra decidiu gravar os sopros antes de todo o resto, e apropriar as músicas a partir daí.

Além de Anitta, há versos de Emicida, Vandal e até da atriz Alice Roble no disco, muito porquê refrões cantados por Melly, Pitty, Gilberto Gil, Dino d’Santiago e Seu Jorge, entre outros.

O repertório embaralha a cronologia das composições. “Praia do Horizonte” foi escrita por Antônio Carlos e Jocafi há mais de 40 anos, enquanto “Pote D’Chuva” foi feita pelo músico baiano Lourimbau há quase três décadas e “Palheiro” veio do álbum “Estado de Espírito”, colaboração de Roberto Barreto com o guitarrista paraense Manoel Cordeiro, do ano pretérito. Outras faixas, porquê “Magnata” e “Balacobaco”, já vinham sendo entremeadas nas performances do grupo nos shows.

Tudo isso serve à teoria de “pretérito que o porvir não alcançou”, frase que norteia o grupo neste trabalho. “Esse disco tem uma compreensão do tempo dissemelhante”, diz Passapusso. “A gente é empurrado a permanecer entrando em novas ondas, a novidade música da Bahia, a novidade num sei o que. Esse imediatismo nos leva a fazer coisas que podem se tornar descartáveis.”

O vocalista vê essa mudança na relação com o tempo porquê uma militância. “A gente vai precisar fazer um encontro geracional e descaracterizar o que é velho e o que é novo dentro da música brasileira. Se não vamos entrar num processo, que hoje é naturalizado, de pessoas achando que estão inventando coisas novas quando na verdade estão vivendo uma perpetuidade.”

Passapusso cita “Alvorada”, de Cartola, porquê uma música “do porvir”. “Quem conseguiu fazer uma letra dessa hoje em dia? Que tecnologia é essa?”, diz. “Isso ainda é o porvir. Você pega essa letra e olha a favela hoje no Rio de Janeiro —pegando queimada, tudo acontecendo— e chora mais do que na idade. Faz mais sentido hoje do que o que estão cantando agora.”

Essa teoria se relaciona também com a maneira porquê o BaianaSystem enxerga “O Mundo dá Voltas”, e porquê Passapusso vê seu ofício. Ele diz que compõe porquê os discos de vinil que ouve, porquê uma mensagem numa garrafa.

“Para mim, a história que um artista ou grupo conta na discografia é importante. A vida é curta, e a gente tem um tempo para mostrar nossa visão do mundo”, ele diz. “Quero racontar histórias em vida para quando eu não estiver mais cá. Faço música para quando eu tiver partido.”

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *