Baixada Santista Tem Violência Institucional Crônica, Diz Defensoria

Baixada Santista tem violência institucional crônica, diz Defensoria

Brasil

As comunidades da Baixada Santista têm vivenciado situação de violência institucional crônica, por meio de reiterados abusos policiais. A desenlace é da Defensoria Pública de São Paulo, a partir de relatos colhidos nas regiões afetadas pela violência policial praticada no contextura das Operações Escudo e Verão, do governo do estado.

“[Os abusos] vão desde xingamentos, a invasões de habitação, uso inadvertido e desproporcional de armamento de queimada pesado em meio a aglomeração de pessoas, limitação de circulação no espaço público até mortes praticadas por mediação policial com características de realização sumária”, diz relatório da Defensoria produzido a partir de visitas realizadas em três comunidades, no dia 22 de fevereiro deste ano, e divulgado ontem (5).

No totalidade, foram ouvidas 24 pessoas atingidas pela violência institucional na Vila Teimosa e Vila Sonia, em Praia Grande; Vila dos Pescadores, em Cubatão; e Vila dos Criadores, em Santos. Aliás, o órgão tem recebido relatos de violência policial pelo atendimento virtual.

Desde o ano pretérito, a Baixada tem sido níveo de grandes operações policiais, depois policiais militares serem mortos na região. O número de pessoas mortas por PMs em serviço na região aumentou mais de cinco vezes nos dois primeiros meses deste ano. Em janeiro e fevereiro, os agentes mataram 57 pessoas, segundo dados divulgados pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP). No primeiro bimestre de 2023, foram registradas dez mortes por policiais em serviço na região. 

“Os relatos cá mencionados, longe de constituir casos isolados de desvios de conduta individuais de policiais, ilustram o quadro contínuo e sistemático de violações de direitos fundamentais dos moradores das comunidades periféricas da Baixada Santista”, apontaram as defensoras públicas Fernanda Balera, Cecilia Ferreira e Surrailly Youssef, no relatório.

A situação, segundo avaliaram, é fruto tanto da precariedade de planejamento nas ações policiais que levem em consideração a proteção de seus moradores, quanto de uma cultura permissiva de variadas violações de direitos humanos e desrespeito em relação a população residente de favelas e territórios periféricos.

A Defensoria verificou ainda a maior vulnerabilidade de crianças e adolescentes aos excessos do uso da força policial. Houve relatos descrevendo mudança da dinâmica de vida, incluindo a frequência escolar, de crianças e adolescentes, principalmente com limitações do recta ao distrair e maior exposição a abordagens policiais seletivas.

Depoimentos

Mãe de uma petiz de 12 anos com paralisia cerebral, uma das testemunhas contou que as crianças não têm mais liberdade de permanecer na rua ou distrair no parquinho e que os policiais militares não respeitam os menores de idade.

“Faz duas semanas, estava voltando da escola com meu fruto quando iniciou um troada. Na sequência, eu estava passando por uma rampa, um policial da rota impediu que eu continuasse a passar pela rampa. Ele me disse que se eu quisesse eu que esperasse passar o troada ou que me deitasse no solo”, relatou aos defensores.

Outra testemunha contou que policiais militares apontaram fuzis ao seu fruto de dez anos e mais três amigos, que estavam brincando em frente a uma associação de moradores, em Praia Grande. A moradora contou também que policiais sem identificação e armados com fuzis invadiram a comunidade e entraram em algumas casas.

Segundo a testemunha, uma mulher foi abordada, pegando-a pelas costas e sentaram-na no solo, na chuva. Usando palavrões, os agentes pediam que ela informasse onde era o ponto do tráfico. Uma vez que respondeu que não sabia, quebraram o celular dela, jogaram gasolina em seu rosto e a mandaram subir sem olhar para trás.

Segundo a Defensoria, os relatos colhidos descrevem buscas domiciliares generalizadas, em que não há situação de flagrante delito ou formalidade judicial, ou seja, fora dos limites constitucionais e legais impostos à atividade de segurança pública. Uma mulher relatou que, em fevereiro, estava em vivenda lavando roupas quando os policiais entraram em sua vivenda e colocaram o fuzil na faceta da sua filha de 10 anos.

“Eles chamam de operação, mas é matação. Eles chegam atirando e falam que é troca de tiro. Eles entram na comunidade, invadem o barraco (…). As crianças estão apavoradas, pois a polícia entra com tudo e com a viatura. Desconsideram que tem crianças e idosos”, relatou outra moradora. “Para eles é uma favela perigosa, mas para nós é uma comunidade”, acrescentou.

Segundo relato de uma jovem de 17 anos, policiais estavam correndo detrás de um menino e entraram na vivenda da mãe dela procurando por ele. Perguntaram se elas o conheciam e, quando responderam que não porque tinham terminado de se mudar, os agentes as ameaçaram.

“Os policiais começaram a questionar e intimidar, falando que iam verificar se ela tinha se mudado mesmo, falaram que iam ‘forjar’ – ‘vou colocar 1kg de droga na sua vivenda’. Eles dizem que quem está em vivenda ‘tá guardado’, mas não está. A gente tá mais seguro na rua, com outras pessoas vendo, do que em vivenda”, contou a jovem.

Transparência

O Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos do órgão avalia ainda que é necessário e urgente uma maior transparência, controle e responsabilidade em relação às operações policiais no lugar, mediante o fornecimento de informações às instituições do Sistema de Justiça, sendo a Defensoria Pública e o Ministério Público.

Entre tais informações, deveria constar o responsável pela ordem da operação, o comandante da realização e fiscalização e o objetivo da operação policial; a identificação das pessoas detidas e mortas – policiais ou não; as buscas domiciliares realizadas, com ou sem mandado judicial; a relação de policiais militares que usam câmeras operacionais portáteis, muito uma vez que o aproximação às imagens em sua integralidade nas ocorrências em que haja morte em decorrência de mediação policial.

A Filial Brasil solicitou posicionamento à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e aguarda posicionamento.

Fonte EBC

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