Balé Da Cidade Dança Tomie Ohtake E Obra De Cubana

Balé da Cidade dança Tomie Ohtake e obra de cubana – 07/06/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Esculturas dançantes, pássaros, gritos e uma laje caindo sobre corpos no soalho: com uma dança quase zen e outra meio apocalíptica, o Balé da Cidade estreia sua temporada deste ano no Theatro Municipal de São Paulo nesta sexta-feira (7).

No programa, há a geração de Eduardo Fukushima e Beatriz Sano inspirada na obra de Tomie Ohtake e a da cubana Judith Sánchez Ruíz, uma coreografia conceitual sobre as crises planetárias, intitulada “Piedad Salvaje”.

“Horizonte +”, de Fukushima e Sano, começou com um trabalho dos coreógrafos na casa-ateliê da artista visual, em um projeto para o Instituto Tomie Ohtake. As linhas e formas da pintora e estátua dançadas pelos dois se transformaram em partituras de dança e foram tomando outros corpos.

Fukushima e Sano ganharam o primeiro edital extrínseco do Balé da Cidade para a chamada de coreógrafos. Os horizontes cresceram: inicialmente dançada por seus dois criadores, a coreografia foi adaptada para seis bailarinos, que se apresentaram na cúpula do Theatro, no ano pretérito.

Nesta temporada, chega uma vez que uma novidade estreia, um horizonte ainda mais ampliado: os trinta bailarinos da companhia estarão no palco, dançando ao lado de duas esculturas de Tomie.

“Ela trabalhava com diferentes escalas, desde pequenas pinturas até monumentos. Fomos contaminados por seu trabalho, começamos no pequeno e agora estamos no monumental, que é o palco do Municipal”, diz Fukushima.

O monumento dançante é construído de sutilezas e gestos-movimentos minimalistas, que refletem também as influências de práticas asiáticas, base do trabalho da dupla de coreógrafos.

Linhas circulares são criadas no placo; os corpos ondulam, transferindo a todo momento sua base de suporte, num movimento pendular – o mesmo tipo de suporte e efeito das esculturas tubulares criadas por Tomie, que estão em cena.

“Ela trabalhava com materiais pesados, criava uma instabilidade exata, precisa, para [a escultura] não desabar. Na coreografia, os gestos são muito simples, mas muito precisos”, conta Sano.

Trabalhar com essa linguagem corporal foi um repto: é uma técnica muito dissemelhante da praticada pelo elenco do Balé da Cidade. A geração foi acompanhada de aulas dadas por Fukushima e Sano, com práticas corporais japonesas e chinesas, técnicas de respiração e outras do horizonte dos coreógrafos, uma vez que as artes marciais e o butô.

Nessa pegada, o “Horizonte +” não surge em risco reta, mas de uma forma circundar, criada tanto pela repetição dos gestos quanto pela batida da bateria, que acelera e acalma, acelera e acalma, numa paisagem cênica remetendo à natureza e bailarinos que lembram seres aquáticos e recriam a linguagem dos pássaros.

Em contraste com esse pedaço de jardim oriental, a coreografia de Judith Sánchez Ruíz já começa jogando público e bailarinos num caos urbano. Os corpos que se agitam e se embolam na cidade da primeira cena passam portanto para a secção chamada Gate pela coreógrafa: “É a porta do apocalipse: o planeta está se acabando”, diz ela, que visualiza os corpos caindo uma vez que campainhas físicas anunciando o término.

A cubana, que dançou na companhia de Trisha Brown, em Novidade York, e na Sasha Waltz & Guests, em Berlim, desenvolve um trabalho fundamentado na improvisação, para ela uma forma de atrair público para a dança. “A virtuose técnica não é suficiente. É preciso um tanto mais real e visceral. A improvisação é uma maneira de conseguir isso por ser um tanto vivo.”

Uma vez que bailarinos ofegantes, em supino e bom som, sem dissimular o cansaço (ou o desespero desse mundo em ruínas). Não se espera um final feliz. Ruíz conta que, ao principiar a geração, não tinha teoria do que seria ou uma vez que chamaria, só a certeza de uma vez que seria o final: uma plataforma descendo do teto e esmagando os bailarinos sob a estrutura.

A teoria veio de uma percepção subjetiva da coreógrafa –ela precisou operar o joelho e, obrigada a permanecer dois meses de leito, sentiu-se completamente esmagada. Mas é quase impossível não se lembrar de uma exigência muito objetiva da cidade de São Paulo, as famílias em situação de rua vivendo sobre os viadutos da capital.

Ruíz não tinha pensado nisso, mas vê coincidência com o nome escolhido para sua obra. O primeiro título pensado por ela seria “Não somos inocentes”, mas achou muito literal. Chegou portanto à “Piedade Selvagem” que enxerga na humanidade: “Temos responsabilidade, mas não estamos assumindo”, afirma.

As obras da temporada refletem as ideias do diretor Alejandro Ahmed para o Balé da Cidade. Não só pelos conceitos, mas pelo processo de geração junto ao elenco.

“Estou aprendendo a produzir instrumentos para trabalhar no ritmo imposto à instituição, mas também para mudar esse ritmo, produzir mais densamente e menos quantitativamente”, diz.

Seu ideal é ter menos produção de novas obras e mais aprofundamento em cada uma. Segundo Ahmed, esta temporada já atende alguns parâmetros. Além de conseguir um pouco mais de tempo para a geração, os bailarinos puderam se aprofundar em algumas técnicas novas, por meio, por exemplo, das aulas oferecidas por Fukushima e Sano e do contato com a técnica de improvisação de Ruíz.

“Esse processo deixa um legado para o elenco e para o público”, afirma. É também, segundo ele, uma forma de tratar as criações não uma vez que produtos, mas uma vez que construção de informação.

Ahmed assumiu a diretoria artística do Balé da Cidade em 2023, e sabe que seu projeto depende de perenidade –nos últimos quatro anos, a companhia já teve três diretores, Ismael Ivo, Cassi Abranches e o atual. Diz se preocupar com o médio e longo prazo sabendo que pode intercorrer qualquer coisa.

“Para isso não me afetar nem em termos de indiferença, nem de frustração totalidade, estabeleço prazos longos para transformações maiores e curtos para conhecimentos densos. A [banda] Sex Pistols só produziu um disco, durou só um ano, mas transformou a música e a cultura. É provável.”

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *