Balé da cidade deixa de ter apenas uma artista negra

Balé da Cidade deixa de ter apenas uma artista negra – 16/03/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Quando entrou para o Balé da Cidade de São Paulo, Grécia Catarina, de 31 anos, sabia que seria a única bailarina negra da companhia. Era 2018, ela havia se formado no Ballet Jovem Minas Gerais e não via chances de seguir curso no Brasil por pretexto da cor da pele.

“Só fiz a audição no Balé da Cidade porque o Ismael Ivo era o diretor. Pensei ‘esse varão preto vai olhar para mim porquê uma potência, e não a partir de um olhar eurocêntrico’”, diz. Ivo, contratado em 2017 e morto em 2021, foi o primeiro diretor preto do grupo.

Seis anos depois, a estreia de “Réquiem SP” marca a última apresentação de Catarina porquê a única mulher negra do grupo. Nos próximos espetáculos, ela estará acompanhada por Safira Santana Sacramento, de 25 anos, e Cleia Santos de Souza, de 27, aprovadas no primeiro edital de seleção da companhia individual para bailarinas negras e indígenas.

O processo teve três fases, pré-seleção, entrevistas e residência artística. Durante a residência, quatro finalistas passaram uma semana em São Paulo e participaram da montagem da coreografia junto do corpo de balé e do coreógrafo Alejandro Ahmed.

Nascida em Salvador, Sacramento vem de uma família de artistas. Freelancer, ela diz que desde gaiato sonha em estar no Balé da Cidade. Ao saber sobre as inscrições, anunciadas pela Sustenidos, administradora do Theatro Municipal, se animou. “Uma vaga para você dá esperança. É um lugar seguro, em que posso ser eu, com minha história, ancestralidade e tudo o que me murado”, ela diz.

A vivência com os 34 bailarinos da companhia foi necessário para ela. “Cada um tem a própria identidade no contextura da dança contemporânea, e a troca com o movimento do outro muda o seu.”

Catarina conta que chorou ao saber do edital. “Eu não queria ser a única para sempre, mas não havia perspectiva de que deixaria de ser.” Primeiro, porque não havia previsão de novas vagas. Segundo, porque ela não via na própria equipe o entendimento de que isso era um problema.

Até que Ahmed e o corpo técnico levantaram a discussão. A iniciativa nasceu de uma demanda dos próprios bailarinos, segundo a superintendente universal do Theatro Municipal de São Paulo, responsável pelo corpo de dança, Andrea Caruso Saturnino. “Uma companhia pública de dança contemporânea sem essa heterogeneidade salta aos olhos”, ela afirma.

Segundo um levantamento informal feito pelo Balé da Cidade, a companhia teve seis bailarinas negras ao longo de seus 57 anos, de um totalidade de 238 artistas. O número chega a 13 considerando os homens negros. Hoje, o corpo de balé é formado por 34 participantes, sendo quatro homens negros e uma mulher negra.

Afro-indígena, Cleia Santos de Souza começou a dançar aos oito anos, na Companhia Ballet da Barra, em Manaus. Ela estava em temporada com o Corpo de Dança do Amazonas e precisou pedir licença para viajar a São Paulo.

Aprovada em segundo lugar, fez o caminho inverso ao de Grécia Catarina —deixar uma companhia com mais heterogeneidade racial para estar numa em grande secção branca. Ela se mudou para São Paulo logo que soube do resultado.

“A gente tem que lucrar esses espaços que são nossos e por muito tempo foram renegados. Um dia eu estava na plateia e vi a Grécia dançando no Balé da Cidade. Ela virou referência. Se tiver mais mulheres negras e indígenas no palco, outras vão saber que podem também”, diz.

As selecionadas foram contratadas temporariamente por seis meses, em vagas abertas para resguardar licenças e afastamentos. Esse período, porém, pode ser prorrogado, dependendo das necessidades da companhia.

O edital foi escopo de críticas e o teatro foi criminado de furar as portas ao chamado identitarismo. Segundo Andrea Caruso Saturnino, as acusações são infundadas. “Essa vocábulo tem sido muito usada, mas não é palpável. Quando trazemos mais heterogeneidade para as artes, estamos enriquecendo em perspectivas, formas de pensamento e movimento do corpo, no caso do balé.”

Segundo ela, a escassez de mulheres negras no Balé da Cidade se deve ao histórico “embranquecido” da companhia. “Já está solidificado que é um espaço branco.” Ela diz que a ação afirmativa demorou a ser implementada porque nenhum novo edital foi destapado desde o início desta gestão, há murado de três anos.

Ao todo, foram recebidas século inscrições de diferentes regiões do Brasil, além de países porquê França, Bélgica e Estados Unidos. Bailarina no Balé Teatro Castro Alves, em Salvador, Luiza Meireles, de 49 anos, fez secção do Balé da Cidade no início dos anos 2000 e foi convidada a participar da mesa de avaliação técnica. Ela conta que, mesmo na cidade mais negra fora do continente africano, também dançou por anos porquê a única bailarina negra da companhia. Hoje há outras.

“O Balé da Cidade tem uma valimento muito grande por seu elenco qualificado, repertório de cima nível e destaque. A maior cidade do país está servindo de farol para outras que também têm companhias públicas de dança. Há anos tentamos mexer nessa estrutura. É um ocorrência histórico”, ela afirma.

Em 2022, Meireles se aprofundou no estudo da escassez de mulheres negras em companhias de dança durante seu mestrado na Universidade Federalista da Bahia. Sua pesquisa revelou que a maioria das companhias públicas de dança no Brasil conta com exclusivamente uma ou nenhuma mulher negra em seus elencos.

“Mulheres negras são uma porcentagem expressiva da população brasileira. Durante a pesquisa, eu perguntava aos diretores ‘por que vocês não contratam?’. E eles falavam que não tem bailarina negra no mercado. Não é verdade”, afirma Meireles.

O balé nasceu na Itália, ainda no século 15, e se consolidou em Paris, onde foi fundada a primeira companhia profissional da dança. Criado em uma cultura eurocêntrica, o estilo se tornou excludente também no Brasil.

Segundo ela, alguns avaliadores não têm consciência de que carregam tais vieses raciais. “Foram forjados numa cultura que valoriza um perceptível tipo de venustidade, estética e comportamento [brancos]. Não percebem que é racismo.”

Ela afirma que o recorte de gênero opera em conjunto com o racial para a exclusão de mulheres negras. Isso porque há grupos de dança com figuras negras, mas predominantemente homens. “E esse varão preto está sempre levantando as mulheres brancas ou mostrando seus físicos, nesse lugar de objetificação do corpo.”

Na visão de Grécia Catarina, as experiências de vida das pessoas negras —marcadas pelo racismo e por desigualdades— se refletem na dança. “A minha movimentação não tem zero a ver com a de uma bailarina branca, e o incômodo que as pessoas sentem com a mulher preta não é só pela fisionomia, é pelo tom de voz, o tipo de movimento, o atavio de cabelo. Estar ao lado de alguém que tenha o mesmo tipo de explosão de vontade faz com que me sinta em morada.”

Meireles conta que todo o elenco foi impactado com a chegada das quatro participantes. “Impressiona ver uma moçoila negra retinta, com o cabelo grande se mexendo com a força do movimento dela. A outra, com um porte físico mais ordinário, fazendo movimentos do hip-hop.”

Esta última é Silvia Kamyla Sousa Pinho, de 31 anos, mulher parda nascida em Belém. Ela faz secção da Cia Fusion de Danças Urbanas, em Belo Horizonte, e do Grupo de Rua, do coreógrafo Bruno Beltrão, em Niterói, no Rio de Janeiro.

“O trabalho do Alejandro consegue ingerir dos fundamentos das danças urbanas e ressignificar elas no palco, trazendo influências de vários lugares da arte. Eu me encontrei cá”, diz ela.

A coreografia de “Réquiem” estabelece um diálogo entre linhagens de dança distintas, unindo balé, “jump style” e danças urbanas populares. Embora tenha ficado em terceiro lugar, porquê suplente, Pinho considera ter deixado uma marca na apresentação. “Foi uma experiência que eu queria muito viver”, afirma.

Gutielle Ribeiro Costa, 32, também diz ter aprendido durante a seleção. “A forma porquê o Alejandro Gutielle Ribeiro Costa, de 32 anos, também diz ter aprendido durante a seleção. “A forma porquê o Alejandro trabalha é totalmente dissemelhante das linguagens separadas. Está sendo uma experiência incrível para mim porquê bailarina.”

Nascida em Bandeira, em Minas Gerais, ela comemorou o edital individual e disse que “às vezes a moldura tem que se fechar um pouco para que algumas pessoas sejam vistas”. Ela trabalha na Cia de Dança Palácio das Artes, em Belo Horizonte, e ficou em quarto lugar, porquê suplente.

De convénio com Meireles, as participantes foram avaliadas com base na interação com o elenco, as potencialidades físicas e a capacidade de reagir aos estímulos durante os ensaios. “A direção não está interessada em repetidoras exímias, mas em bailarinas que, além da qualidade técnica, tragam sua subjetividade no movimento”, ela afirma.

Folha

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