Batatinha, 100, Foi Pioneiro Que Desvelou Samba Da Bahia

Batatinha, 100, foi pioneiro que desvelou samba da Bahia – 05/08/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Os dedos que manejavam com destreza as linhas de chumbo na gráfica que imprimia o jornal Quotidiano de Notícias, em Salvador, também batucavam caixas de fósforos, que moldavam o ritmo de suas composições.

Preto retinto, cabeça precocemente grisalha e óculos de intensidade dependurado no rosto, o cantor e compositor Oscar da Penha, o Batatinha, era uma espécie de dândi. Com empáfia, elegância e uma ração de melancolia, ajudou a esforçar o samba em seu rudimento, inspirando uma geração de sambistas da Bahia.

Nesta segunda (5), completaria século anos de promanação, legando uma obra que inclui muro de 70 composições, quatro discos, canções gravadas por grandes nomes da música e a reverência de mestres do samba.

“Na história do samba brasílico, Batatinha é um nome de grande destaque. Era uma pessoa muito gulodice, muito educada e um compositor fantástico. Tive a honra de conhecê-lo”, diz Paulinho da Viola, cantor e compositor que foi homenageado pelo baiano em 1973 com a música “Ministro do Samba”.

Batatinha nasceu Oscar da Penha, menino de família pobre nascido em Salvador em 5 de agosto de 1924. Órfão de pai e mãe, começou a trabalhar cedo. Foi marceneiro, entregador de marmita, office boy e gráfico em jornal.

Na vida pessoal, era o oposto do arquétipo do malandro. Educado e fino no trato, desdobrava-se em mais de um ocupação. Casou-se aos 16 anos com Marta, sua única esposa até o termo da vida, com quem teve nove filhos.

O sobrenome que carregaria por sua trajetória artística surgiu em um programa de calouros na Rádio Sociedade da Bahia, comandado pelo historiador pernambucano Antônio Maria.

Ao entrar no estúdio do programa Campeonato do Samba, quis se apresentar com o nome Vassourinha, homenagem ao sambista paulista que o inspirava. Mas foi anunciado pelo locutor uma vez que “Oscar da Penha, o Batatinha”, frase usada na era para expressar que alguém era boa gente.

Compôs seus primeiros sambas nos anos 1940, auge da era do rádio, influenciado pelos sambistas cariocas. Mas também bebeu na natividade do samba do recôncavo baiano, criou uma identidade própria e produziu um cancioneiro variado, indo de sambas-canção a marchinhas de Carnaval.

Participou de concursos carnavalescos sem muito sucesso. Ganhou somente em 1964 com a marchinha “Foi Macumba”, parceria com Walmir Lima, vencendo outras 120 composições inscritas. Entre os concorrentes estavam os jovens Caetano Veloso, com “Samba da Sossego” e Gilberto Gil, com “Decisão (Paixão de Carnaval)”.

“Ele fazia sambas tristes, por isso quase sempre não ganhava”, afirma o cantor e compositor Paquito, produtor ao lado de J. Velloso do disco Diplomacia, lançado de forma póstuma em 1998.

A música que dá nome ao disco é uma das expressões máximas de sua obra: “Meu desespero ninguém vê/ Sou diplomado em material de suportar”, canta Batatinha, que no samba baiano foi uma espécie de antípoda de seu contemporâneo e colega Riachão, cuja obra é marcada por uma alegria expansiva.

Para Gilberto Gil, que reconhece a influência do sambista baiano no grelar de sua paixão pela música, Batatinha fazia uma espécie de samba-blues. Paulinho da Viola afirma ver mel nas canções. “Ele era uma espécie de historiador, uma vez que a maioria dos sambistas. Era uma pessoa muito sensível”.

O primeiro degrau uma vez que compositor foi escalado com “Jajá da Gamboa”, música gravada em 1957 por Jamelão. A letra é uma crônica de costumes, com verve satírica e de humor, fórmula que faria sucesso com o samba de breque.

Nos anos seguintes, a música “Diplomacia” foi incluída na trilha sonora do filme “Barravento”, de Glauber Rocha. Mas a visibilidade vernáculo viria em meados dos anos 1960 pelas mãos de uma jovem Maria Bethânia.

Em seu primeiro disco, de 1965, ela uniria as músicas “Diplomacia” e “Só Eu Sei” em uma versão definitiva. A música fez secção do show “Nós, por Exemplo”, de 1964, que uniu Bethânia, Caetano Veloso, Gil e Gal Costa em shows no Teatro Vila Velha, em Salvador. Também fez secção do icônico show “Opinião”, já depois a ida da cantora baiana para o Rio de Janeiro para substituir Nara Leão.

Bethânia voltaria a gravá-lo no álbum Drama, de 1972, no qual incluiu a música “O Circo”. A música faz troça de modo sério e traduz a vivência de um compositor que nunca conseguiu viver só da música: “Todo mundo vai ao circo / menos eu, menos eu / Porquê remunerar ingresso / se eu não tenho zero? / Fico de fora escutando a gargalhada.”

Na Bahia, ao lado de Riachão, foi um liga para uma geração de sambistas uma vez que Walmir Lima, Vereador Pacheco, Nelson Rufino e Ederaldo Gentil, muitos dos quais seriam seus parceiros de constituição.

“Se não fosse Batatinha, eu não estaria cá. Cresci a partir dos ensinamentos dele”, afirma o cantor Vereador Pacheco, parceiro em dezenas de shows e companheiro de andanças nas madrugadas pelas ruas e feiras de Salvador.

Em vida, lançou os discos “Samba da Bahia”, com Riachão e Panela, “Toalha da Saudade” e 50 Anos de Samba”. Fez músicas em parceria com J. Luna (“Toalha da Saudade”), Roque Ferreira (“Bolero) e Paulo César Pinho (“Mentor”). Suas melodias, construídas ao ritmo da caixa de fósforos, trazem uma formosura melancólica que posteriormente o colocaria no panteão de grandes nomes do samba.

“É um sambista do mesmo nível de Cartola e Nelson Cavaquinho, mas nunca saiu da Bahia. Por isso sua obra ficou praticamente escondida, uma vez que que guardada em um casulo”, diz J. Velloso.

No termo dos anos 1990, era que a música baiana atingiu seu auge mercadológico com a axé music, Velloso e Paquito decidiram produzir o disco “Diplomacia”. Mas, pouco depois do início das gravações, Batatinha começou a tratar um cancro. Morreria meses depois, aos 72 anos.

Em 1997, foi homenageado e teve um dos circuitos do Carnaval de Salvador, do Pelourinho, batizado com o seu nome. Sua obra revisitada por artistas uma vez que Adriana Moreira, que gravou um disco só com músicas do compositor baiano em 2006.

Sua história foi contada no documentário “Batatinha e o Samba Oculto da Bahia”, de 2007, dirigido por Pedro Habib. No ano seguinte, foi lançado o filme “Batatinha, o Poeta do Samba”, de Marcelo Rabelo, que reconstitui a história do sambista sob a ótica de seus filhos. Ambos estão disponíveis no YouTube.

Neste ano de centenário, as homenagens foram pontuais. Em São Paulo, foi lembrado neste termo de semana em shows da cantora Adriana Moreira no Sesc Pompeia, com participação do sambista Nelson Rufino e do artista plástico Lucas Batatinha, fruto do sambista.

Em Salvador, será homenageado nesta segunda e terça-feira (6) com missas na Igreja do Rosário dos Pretos, da qual ele fazia secção da Irmandade, e com uma roda de samba liderada pelo Grupo Cafezeiro, na sexta-feira (9), no Santo Antônio Além do Carmo.

Na quinta-feira (8), uma mesa na Flipelô, a Sarau Literária Internacional do Pelourinho, debate a obra do sambista. Em 29 de agosto, ele será tema de uma sessão próprio na Parlamento Legislativa da Bahia.

Amigos, família e parceiros de passeio cobram mais visibilidade para a obra do sambista, sobretudo além das divisas da Bahia. “Temos que reverenciá-lo sempre”, afirma Paulinho da Viola, ministro do samba.



Folha

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