Uma série de desenhos animados estrelada por John Lennon, Paul McCartney, Ringo Starr e George Harrison está recebendo intervenções baseadas em perceptibilidade sintético para o resgate de um tesouro enterrado do pop.
Quase 50 anos depois de sua estreia, “The Beatles”, conhecida uma vez que “Beatles Cartoon”, ganha versões restauradas com correção das imagens e novas dublagens, que começam a pipocar na internet. Talvez os desenhos com o quarteto feitos para a TV não sejam exatamente um “tesouro”, já que sua qualidade é duvidosa, mas certamente pareciam enterrados para sempre.
Produzidos de 1965 a 1967 pela rede americana ABC, os 39 episódios foram exibidos até 1969, com reprises. Voltaram à telinha na MTV, em 1986, e no conduto da Disney, em 1989, em curtos períodos. Cada incidente tem o roteiro vagamente fundamentado numa cantiga da filarmónica e traz outras músicas com as letras na tela, para um karaokê doméstico.
Mesmo aqueles que se julgam beatlemaníacos não devem permanecer incomodados se nunca tiverem visto esses desenhos. É coisa rara. Depois das reprises na dez de 1980, a série nunca voltou à TV —por iniciativa dos próprios Beatles, que passaram a impedir sua divulgação.
Nenhum dos integrantes do grupo teve qualquer relação com a série, e sua reação inicial foi de repudiação absoluta. O principal motivo é óbvio: a qualidade dos desenhos é tosca, com roteiros que não passam de rascunhos de histórias muito ingênuas.
Mas essa aversão também tem muita relação com a evolução músico e comportamental do grupo. Os Beatles que aparecem nos desenhos são aqueles que cantavam inocentes canções românticas em 1963 e 1964, vestindo terninhos e ostentando cortes de cabelo feitos com auxílio de uma tigela.
Quando a série estreou, a filarmónica já estava implementando sua revolução músico a pleno vapor e os quatro haviam desistido da padronização visual, assumindo cada um seu próprio estilo.
O grupo ficou tão incomodado com aquele período iê-iê-iê que passou a torcer o nariz até para o filme lançado nos cinemas em 1964, “A Hard Day’s Night”, retrato do auge da histerismo juvenil pela filarmónica. Para eles, tanto a série de TV quanto o filme mostravam Beatles que não existiam mais.
Pelas décadas seguintes, volta e meia qualquer deles dava uma enunciação simpática aos desenhos. George, por exemplo, afirmou em 1999 que eles eram tão ruins que até se tornavam engraçados. John disse que aprendeu a gostar, com o tempo.
Mas é inegável que a série desagradou a todos quando começou a ser exibida. Os Beatles ficaram tão impressionados com a falta de qualidade que, anos depois, eles se mostraram desinteressados e até céticos diante do projeto do longa de animação “Yellow Submarine”, de 1968.
Exclusivamente depois de ter presenciado a um copião do gravura de cinema é que os quatro passaram a concordar a teoria. Isso pode ter mudado um pouco a percepção da filarmónica a reverência da série de TV, já que dois criadores de “Yellow Submarine”, o diretor George Dunning e o roteirista Al Brodax, também eram produtores de “Beatles Cartoon” e ficaram amigos da filarmónica.
É preciso reconhecer que há uma diferença astronômica entre o filme feito para o cinema e a série de TV. “Yellow Submarine” é uma experiência quase lisérgica, feita com rigor artístico. Já os episódios para TV eram unicamente simplórios videoclipes pré-históricos de quase 30 minutos cada.
Há muitos sites na internet que vendem a série animada em DVD e Blu-ray. É um resultado proibido e quase sempre montado a partir das reprises de 1986, em versão extraída da TV com pouca qualidade de imagem e som. Outros sites oferecem o download gratuito das três temporadas.
Todas foram exibidas originalmente nas manhãs de domingo. A primeira, lançada em 25 de setembro de 1965, teve 26 episódios e ultrapassou tudo o que era exibido na TV americana nesse horário. Mas nos anos seguintes a audiência despencou.
Na segunda temporada, foram produzidos sete episódios e, na terceira, unicamente seis, com o último indo ao ar em 2 de outubro de 1967. Um pouco para tentar deleitar aos Beatles, essas temporadas oferecem uma versão menos caricata de cada um.
Na série, John é o líder, dá ordens gritadas e faz piadas de humor cínico, tipicamente britânico. Paul é evidentemente o segundo em comando, mais preocupado em fazer gracejos. George é o mais sério, meio tímido e às vezes intimidado pela dupla líder.
Já Ringo, notoriamente o Beatle boa-praça, é o mais atrapalhado e azarado. É de suas burradas ou seu envolvimento em situações bizarras que partem quase todos os roteiros.
Um repto das versões ilegais aprimoradas com perceptibilidade sintético é inserir digitalmente as vozes dos Beatles, a partir de inúmeros registros. Na série, o ator inglês Lance Percival era encarregado de dublar Paul e Ringo, enquanto o americano Paul Frees falava por John, George e também pelo empresário da filarmónica, Brian Epstein.
Ainda não é fácil encontrar as novas versões. Porquê são proibidas por lei, alguns sites entram no ar e as oferecem por qualquer tempo, para depois fecharem. É uma pesquisa que exige sorte e paciência beatlemaníaca.
