A preparação de novo livro de autoficção, trabalhos em curtos filmes que labareda de poesias audiovisuais e uma memória detalhista sobre mais de seis décadas de atividades marcam a trajetória do belga Jean-Claude Bernadet, de 88 anos, ícone do cinema brasílio. Ele será homenageado por uma mostra de filmes (por trás ou na frente das câmeras) que serão exibidos nas unidades do Meio Cultural Banco do Brasil (CCBB) em três cidades (Brasília, a partir desta sexta,16; São Paulo, dia 24; e Rio de Janeiro, dia 28). A exibição tem chegada livre. Confira programação no site do CCBB.
O artista tem ainda rotina produtiva, mesmo com a degeneração na retina que o tem deixado longe das salas de cinema. “Eu quase não vou ao cinema porque não enxergo a tela”, lamenta. Mesmo assim, conta com a parceria de realizadores para grafar um novo livro de autoficção, com o título de Viver o terror, que escreveu em parceria com a ex-aluna Sabrina Anzuategui, conforme revelou em entrevista à Dependência Brasil.
Na memória do artista, ele reconhece a influência do ensino de cinema na Universidade de Brasília, em plena ditadura militar. Fica orgulhoso com a participação uma vez que ator em filmes de uma novidade geração de cineastas e diz que se sente mais à vontade hoje escrevendo. Ele se reconhece uma vez que referência na cultura brasileira, mas entende que o reconhecimento fez segmento da construção dessa figura social em que acabou se tornando.
Confira inferior trechos da entrevista concedida por Jean-Claude Bernadet:
Dependência Brasil – O senhor tem uma passagem importante pela Universidade de Brasília, ao participar da geração do curso de cinema na dezena de 1960. Pode rememorar essa história?
Bernadet – Naquela estação, as universidades estavam se atualizando. Entendo que o primeiro curso universitário de cinema foi o de Brasília. As universidades recorreram a profissionais, já com renome, com obras realizadas, para imaginar o corpo docente. Houve muita pressão sobre nós, por segmento da polícia e da reitoria. Em 1965, porém, houve destituição do corpo docente. Nós achávamos que se os militares nos queriam fora da universidade, eles que nos tirassem.
Em 1969, fui cassado pelo AI-5 com 24 professores da Universidade de São Paulo (USP), porque eu pertencia a essas duas universidades (UnB e USP).
Dependência Brasil – O Brasil lembra, em 2024, os 60 anos da ditadura. Porquê era falar de cinema naquele prelúdios do regime? O senhor era um jovem professor de 28 anos.
Bernadet – Primeiro, em 1965, na Universidade de Brasília, houve muitas greves. Logo, eu e os alunos nos reuníamos para conversar e fazer projeção de filme. A gente se encontrava à noite para projetar filmes e discutir, sem quebrar a greve. À tarde, as salas de lição ficavam vazias.
Dependência Brasil – Ainda sobre a capital, o senhor foi roteirista de “Brasília: contradições de uma cidade novidade” (documentário de Joaquim Pedro de Andrade, de 1967). Foi importante esse filme para o senhor?
Bernardet – Sem incerteza. Naquela estação, era realmente uma cidade novidade, recém-inaugurada, e era muito curioso porque havia esses palácios, mas havia também a W3 (avenida mercantil que atravessa as asas sul e setentrião). Era uma vez que uma rua principal de uma cidade de interno. Logo era um envolvente muito, muito privativo e, por outro lado, havia grande exaltação em relação à universidade.
Logo, a gente estava sendo extremamente dinâmico e ativo porque tinha a sentimento de estar construindo alguma coisa que depois foi reprimida. Mas o ânimo em Brasília, nesses anos, era muito intenso.
Dependência Brasil – O que o senhor tem feito atualmente?
Bernardet – O que acontece é o seguinte… eu fiquei praticamente cego (teve uma degeneração na retina). Logo, me distanciei muito do cinema.
Trabalhei com uma amiga, que é ex-aluna, Sabrina Anzuategui, e publicamos, no término do ano pretérito, um livro (Wet Mancha), uma espécie de romance, e agora estamos trabalhando em outro livro. E só é isso. Eu faço pequenos poemas audiovisuais também, em média de seis minutos. Não são narrativas, mas justaposição de imagem.
Dependência Brasil – Aproveitando que o senhor está falando sobre isso, brotar uma vez que ator na frente da câmera não deixa de ser uma novidade na sua trajetória.
Bernadet – Atualmente, me sinto mais à vontade escrevendo. Eu escrevo com a Sabrina. Eu quase não vou ao cinema porque não enxergo a tela. Faço também esses pequenos filmes, de seis minutos em universal, com material de registo.
Recentemente, tive uma pequena participação no Nosferatu, do Cristiano Burlan. Fiz um curta-metragem uma vez que ator também com Pedro Goifman, rebento do cineasta Kiko Goifman. Ele fez um pequeno filme e eu sou ator no filme dele.
A leitura é extremamente difícil para mim. Com a Sabrina, eu trabalho muito. A gente conversa e ela escreve. Um dos meus filmes, que é a Leito Vazia, entrou em mais de 40 festivais de cinema. No Brasil, o último filme é A Última Valsa, que também estará na mostra no CCBB.
Dependência Brasil – O senhor fez o Leito Vazia com o Fábio Rogério. Trata-se de uma internação que teve?
Bernardet – Eu estava hospitalizado e o Fábio tinha comprado uma máquina de fotografar. E aí ele acabou fazendo essas fotos que são a base do filme. É sempre isso. Eu tento trabalhar no sentido de ter as condições, e depois surge a teoria. E não o contrário: ter uma teoria para fazer um filme.
Dependência Brasil – Porquê é para o senhor contribuir com a formação desses novos cineastas?
Bernardet – Eu estava jubilado. Logo, eles, digamos, me revitalizaram. O Filmefobia (do Kiko Goifman), para mim, foi fundamental, porque é um filme de que paladar muito. Eu vi outra perspectiva verosímil para mim.
Dependência Brasil – O senhor tem escoltado essas novas gerações de cineastas mais engajados em temas sociais?
Bernardet – Às vezes, não consigo enxergar e aí fico muito malogrado no término da projeção. Eu fico tão malogrado assim porque não reconheço os atores, não vejo os atores. Logo, infelizmente, não estou acompanhando.
Agora, quanto à questão do cinema preto, as pesquisas sobre cinema começaram há bastante tempo. E eu participei do início dessas pesquisas em São Paulo, em que um grupo de jovens negros estava começando a focalizar mais precisamente a negritude no cinema brasílio
Dependência Brasil – Dentro desses trabalhos, tem qualquer de que se orgulha mais?
Bernadet – Não classifico o que é o melhor, o mais intenso, etc. Logo, por exemplo, essa produção de filmes de seis minutos, estou fascinado por isso agora. Assim uma vez que estou escrevendo com a Sabrina outro romance (com o título Viver o Temor).
Dependência Brasil – Porquê espera que as pessoas recebam o seu trabalho nessa mostra de filmes?
Bernardet – Eu sou, em grande segmento, uma construção social. Tudo isso faz de mim uma referência na cultura brasileira, mas eu considero que isso não é uma coisa tão individual. O reconhecimento de universidades e do CCBB, por exemplo, constroem essa figura social em que acabei me tornando.
Serviço
Mostra Bernardet e o cinema
CCBB DF (16/8 a 5/9)
CCBB SP (24/8 a 22/9)
CCBB RJ (28/8 a 22/9)
Ingressão gratuita