Betty Faria é uma vez que sua Tieta, mas nem sempre. Aos 83 anos, a atriz se diz tão contestadora quanto a personagem mais emblemática que já fez —reclama, por exemplo, do progresso do conservadorismo, critica as limitações que Donald Trump impôs a pessoas transexuais nos Estados Unidos e afirma que Jair Bolsonaro e outros líderes políticos pelo mundo afora representam uma seita tradicionalista.
Vez ou outra, no entanto, revira os olhos e diz coisas que poderiam, hoje, ser associadas a uma conservadora. É o caso de quando afirma desaprovar mulheres que chegam à meia-idade reclamando de falta de oportunidades.
“Acho uma chatice, tenho vergonha. Sou contra muito queixume, não sou de permanecer de mimimi”, diz. “Não uso a termo ‘etarismo’, porque ela está muito em voga. Eu sinto isso, sim, desde a hora que conciliação, mas passo por cima. Vou vivendo e trabalhando e acho que assim posso dar um bom exemplo para as mulheres que estão se perdendo. Isso me interessa mais.”
Homenageada em um desfile da Misci no final de abril, a atriz cruzou a passarela com olhar firme, às vezes sorria, mas sem muita firula —ficou ali por poucos minutos. Nem arrancou a etiqueta da roupa, visível sob o tecido transparente da camisa azulada, solta no corpo. Vestia ainda uma calça da mesma cor e, nos pés, sapatos marrons. O evento aconteceu na Instalação Bienal, no parque Ibirapuera, em São Paulo.
“Palato de voga, mas sou muito básica. Sou uma senhorinha formosa, arrumadinha, vaidosa, muito tratada. Mas não sou repuxada. Se fosse, só poderia fazer personagem rica”, afirma.
Faria entrou de braços entrelaçados com Airon Martin, fundador da Misci, que organizou o desfile para homenagear “Tieta”, romance de 1989 que impulsionou a curso da atriz quando ela tinha 48 anos. Para isso, o estilista desenhou looks que lembram o Nordeste e a sensualidade, símbolos da personagem, com estampas inspiradas na fauna da caatinga.
Tieta é considerada uma das figuras mais charmosas da TV. A romance está sendo reexibida pela Orbe à tarde, no Vale a Pena Ver de Novo, com bons índices de audiência. “Fiquei encantada com esse retorno. Me pergunto por que estão gostando tanto dela, tão rebelde, oferecido oriente mundo cada vez mais tradicionalista. A geração atual é muito reprimida, portanto me surpreendi”, diz a artista.
Na trama, Tieta é expulsa de vivenda por ser considerada libertina e impudico. Em São Paulo, ela se torna dona de um bordel, enriquece e retorna à cidade natal. Com libido de vingança, enfrenta a mana Perpétua, vivida por Joana Fomm.
A romance virou um marco da teledramaturgia. “Foi um presente. Tieta traz esperança, liberdade, fala de reverência às diferenças. Ela tinha uma amiga, Ninete, personagem de Rogéria, que era trans. Minha personagem era aquém ao preconceito. Fiz uma Tieta com espírito gay”, diz Faria.
Tamanha repercussão rendeu a ela um contrato fixo na Orbe, válido até hoje. É uma das poucas atrizes de sua idade que ainda são funcionários da emissora, que nos últimos anos desmanchou acordos com a maioria de seu elenco, mesmo os mais famosos. O último trabalho da artista foi na romance das sete “Volta por Cima”, encerrada há duas semanas.
Nela, interpretou uma mulher endividada. À idade da estreia, Faria disse descobrir revolucionária a contratação de atores negros para o núcleo de protagonistas. “Não havia na minha idade. Tinha um grande ator preto, o Milton Gonçalves, e uma grande atriz, a Léa Garcia. Hoje temos Taís Araujo dando um banho na romance das nove. Houve uma grande evolução.”
A atriz, que se diz noveleira, conta que está de olho na novidade “Vale Tudo” e aprova a produção de remakes. “Palato. Não sou uma pessoa reacionária. Temos atores jovens maravilhosos”, diz, lembrando o início de sua curso. “Minha relação com a Orbe é a seguinte: eu inaugurei a emissora. Que loucura. Quando olho para trás, não acredito em uma vez que o tempo passou.”
Ela fez sua primeira romance em 1969, quatro anos depois de a Orbe ser fundada por Roberto Oceânico, e se diz “feliz em continuar sendo chamada para trabalhar”.
Depois de 15 minutos, a equipe da Misci interrompe a entrevista. A equipe da grife diz que ela precisaria ensaiar o desfile e que poderia terminar a conversa depois. Mas ela dispensa a teoria. “Não vou voltar. Eu disse tudo para ele. Você já está contente, né?”, afirma a atriz, encarando o repórter. “Não foi bonitinha a entrevista?”