A judoca Beatriz Souza, 26, mal conseguia marchar na Moradia Brasil no domingo (4), quando visitou o espaço organizado pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) para confraternizar com patrocinadores e com fãs que lá estavam para ovacioná-la.
“É surreal!”, disse ela à pilar sobre o assédio. “Eu imaginava que isso poderia intercorrer, mas vivenciar é dissemelhante. Mas eu nunca vou me incomodar, não. A gente luta tanto para que as pessoas tenham empatia com o esporte, e agora isso está acontecendo. E o carinho das pessoas é enorme, e é recíproco”, segue.
Bia praticamente não dorme desde que ganhou a medalha de ouro no judô, na sexta (2). “Se juntar esses três dias, não dá quatro horas de sono”, afirma.
Com as medalhas de ouro e bronze penduradas no peito, ela conversou com dirigentes do Esporte Clube Pinheiros, onde treina, com empresários, dirigentes do COB, e ainda gravou vídeos para ações de patrocínio.
Depois se sentou em um sofá e falou com a Folha sobre racismo e discriminação, os planos de ter filhos e os projetos profissionais: “Paris mal acabou, mas Los Angeles já está aí”, disse ela, referindo-se à cidade que sediará os Jogos Olímpicos de 2028.
Você achou que ia lucrar a medalha de ouro, ou tinha alguma incerteza?
Eu vim detrás do ouro. Eu vim preparada.
Você já falou numa entrevista que cor da pele não ganha medalha, que isso se ganha na raça, na garra. Mas sabe que vai ser mais uma das referências de mulher fora do padrão. O que você espera inspirar?
Eu quero falar que não existe padrão para vencer na vida se você tiver saúde, se amar, se colocar em primeiro lugar, ter perseverança, ter disciplina e decorrer detrás daquilo que você almeja. Saiba que tudo o que é grandioso não é fácil, não vem fácil, tem que trabalhar muito. Vão ter dias que vão parecer impossíveis [a conquista dos objetivos]. Mas acreditem: é muita dedicação, é questão de fé, de crer e de realmente querer e fazer intercorrer.
Você já disse anos detrás que passou por um processo de aprender a amar o seu corpo. Você não gostava de você mesma?
Não é que eu não me gostava, mas me achava esquisita. Eu não me sentia dentro do padrão da sociedade. Logo a partir do momento em que eu aprendi a me amar, aprendi a amar o meu equipamento de trabalho, isso virou uma chavinha na minha cabeça. E [essa virada] falou que eu tenho que me colocar em primeiro lugar, eu tenho que me amar para poder me sentir dulcinéia.
Eu tenho que me concordar para as pessoas poderem me concordar. Independente da opinião alheia ou não, a vida é minha. Eu trabalho por mim, e não para ser aceita por uma sociedade. Logo para mim, agora, o meu padrão sou eu mesma
É verdade que quando era mais jovem você tinha dificuldade em encontrar lutadoras para treinar?
Logo, é que eu era muito… assim, eu nunca fui uma princesinha delicada, né? Eu sempre fui mais grossa, sempre fui mais potente do que algumas pessoas esperavam. Eu não tinha muita noção de controle de força naquela estação, eu não sabia a força que eu tinha. Eu só ia para dentro no treino e era isso, logo era muito difícil de a galera querer treinar comigo.
Você se sentia mal com isso?
Pior que não, gente, eu não me sentia mal. Mas eu tive pessoas incríveis na minha vida, eu tive excelentes parceiros de treino que sempre acreditaram em mim, que sempre me deram o maior esteio
Já sofreu qualquer incidente de racismo?
Ah, sempre tem aquela olhada dissemelhante, quando você entra em um lugar muito chique o segurança começa a encarar. Dá vontade de gritar na rua. Mas a gente tem que ensinar a superioridade. Eu acho que [o racismo] tem que ser, sim, enfrentado, não [podemos] deixar passar situação nenhuma, porque a gente não é obrigado a zero. Não pode viver tolerância. É um tópico que tem que ser enfrentado, a gente tem que concluir com essa história
Você viu que a judoca italiana Alice Bellandi subiu as arquibancadas e beijou a namorada dela, uma judoca brasileira, na boca quando ganhou a medalha de ouro? O que você achou?
Eu acho que a vida é delas. Elas têm que se amar. Se elas são felizes, que vivam da melhor maneira que preferirem.
Acompanhou a polêmica envolvendo a lutadora de boxe Imane Khelif, da Argélia, em que alguns questionaram se ela poderia competir no boxe feminino?
Tudo o que foge do padrão da sociedade vira uma questão de grandes críticas. Todo mundo já começa a querer dar pitaco. Surgem pessoas muito ofensivas que não conseguem esgrimir, dar uma opinião.
Ela já estava no limite. Eu acho que se as pessoas parassem e cuidassem um pouco mais da própria vida, seria muito melhor. As pessoas têm que produzir mais empatia umas pelas outras.
Todo mundo exige saudação, mas ninguém dá o saudação primeiro, né?
Você tem 26 anos. Vai seguir se dedicando integralmente à curso ou vai dar uma paragem para ter filhos [ela é casada com o ex-jogador de basquete Daniel Souza]? O que você vai fazer da sua vida?
Com uma motivação dessas [a medalha de ouro] é focar e pensar, com certeza, em fazer um próximo ciclo [olímpico]. Estou esperançoso. Paris mal acabou, mas Los Angeles já está aí [a cidade norte-americana será sede dos Jogos Olímpicos de 2028]. Logo agora é focar em repousar a mente, aproveitar a família, o marido —e depois voltar mais potente ainda para os tatames.
Você logo não pensa em filhos por enquanto?
Penso, penso muito. Mas sinto que não é o momento. Quando tiver vontade eu vou estar preparada para parar e aproveitar e viver isso. Uma coisa de cada vez.
E a tua família? Porquê que eles reagiram quando você ganhou? Você dedicou para tua avó né?
Todo mundo estava extremamente emocionado. Foi uma conquista gigantesca, não só par mim, mas em nome da minha família. E eu queria muito trazer esse orgulho para os meus pais, honrar o nome da minha família, da minha avó. E fazer eles sentirem muito orgulho de mim.
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