Pinky Wainer, de 70 anos, deixa um carruagem preto e retira seus fones de ouvido sem fio antes de entrar na galeria Projeto Vênus, que fica numa vila, em Higienópolis, no meio da capital paulista. Porquê de hábito, a artista plástica ouvia programas no YouTube sobre política internacional e estratégias de guerra, levando para dentro do cubo branco a formosura e o horror do mundo. “Falei em lar aos meus netos sobre o ataque da Ucrânia à Rússia, com mísseis dos Estados Unidos”, diz ela.
Naquela fundura, Wainer, filha do jornalista Samuel Wainer e da padrão e também jornalista Danuza Leão, já havia lido toda a prensa estrangeira. Ali, ela acertava os últimos detalhes para inaugurar, neste sábado, a mostra individual que leva o seu nome.
Criadas no pausa de um ano e meio, as onze telas dispostas nas paredes da galeria retratam os bilionários que, segundo a artista, ameaçam a humanidade, numa sátira aos privilégios de gênero e classe e às desigualdades sociais.
“Os bilionários já deviam ter sido taxados há muito tempo. Eles não têm empatia nenhuma, não distribuem zero. É preciso taxar muito as grandes fortunas”, afirma a artista. Porquê um todo, as pinturas são, sobretudo, uma tentativa atribuir um rosto aos poderosos que controlam a economia.
Um deles tem fisionomia fantasmática, com os traços delimitando um corpo esbranquiçado, forma vazia, protegida pela roupa de tom azul-marinho que o veste. Entre suas pernas, se ergue, imensa, a chaminé de uma fábrica, posta ali uma vez que um falo. É também a metonímia para um capitalismo que, consumido pela insipidez das trocas tecnológicas, já não produz símbolos materiais. O poder ganha, assim, os mesmos contornos de outrora, os de um varão velho de cor branca, a mesma do fundo da tela. Os bilionários surgem invisíveis, uma vez que a mão do livre mercado.
Tanto que outra obra apresenta a forma esvaziada de um jovem rico. Exclusivamente se vê sua mancha, delineada a lápis, com os cabelos lisos e óculos de aros grossos. Sua representação é invadida por um tom rosa similar à pele dos brancos. Organizada por Eder Chiodetto, a mostra tem outros dois modos de representação do poder. Na primeira, figura o presidente russo Vladimir Putin.
“Benjamin Netanyahu é um psicopata, mas não é o varão mais poderoso”, afirma a artista, mencionando o premiê israelense. “Putin é o lugar-comum”. Desse modo, uma sugestão de sua forma numa tela vermelha, com a vocábulo “empire”, poderio em português. Impossível não associar a cor ao sangue, em tempos de Guerra na Ucrânia. Putin ressurge, ainda, numa recriação da famosa montagem em que, descamisado, cavalgava um urso. Adiante, lê-se o proferir “cannibal”, ou canibal.
Mas, às vezes, o poder só se manifesta em seus reflexos. Por isso, a artista pintou uma cena em que helicópteros enfileirados sobrevoam um firmamento alarajando, ao modo do filme clássico “Apocalypse Now”, do diretor americano Francis Ford Coppola.
Nascida Deborah Wainer, a artista se habituou, desde cedo, a conviver com artistas. O apartamento dos pais, na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, era frequentado pelo cineasta Glauber Rocha e pelos tropicalistas, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Também conviveu com sua tia, Nara Leão, já reconhecida no período pós-bossa novidade.
Ela conta que a mais poderoso sensação da quadra estava pendurada nas paredes. Vendo os quadros de Pancetti, Milton Da Costa e Raimundo de Oliveira, Wainer passou a se interessar por artes plásticas. Pouco a pouco, as telas seriam vendidas pela família, que acumulava dívidas.
O jornal Última Hora, fundado por Samuel Wainer, um judeu de esquerda, que emigrou da Bessarábia, tinha dificuldades econômicas e embates com a ditadura. “Vendemos tudo para não passar rafa”, lembra a artista. Os esforços do jornalista para manter sua filha distante da política foram em vão.
A jovem se ligou a uma esquerda mais ligada ao movimento contracultural. Quando fez 16 anos, viajou à Bahia e virou hippie. No exílio em Paris, participou dos protestos de Maio de 68, escoltado o líder estudantil Daniel Cohn-Bendit.
Ao mesmo tempo, sofreu com a pressão para ser uma reprodução da mãe, Danuza Leão, símbolo da elegância carioca, exportada—e invejada— no mundo todo. Ipanema se tornava um lugar onde se cultivava um modo de ser específico. “Porquê era filha deles, achavam que tinha talento para tudo. Chegaram a me propor que eu gravasse um disco”, recorda. “Até eu virar hippie, tentei ser Danuza. Depois, disse ‘desculpe, mamãe, eu não consegui”.
Porquê artista, se tornou mais conhecida por sua atitude feminista ao retratar às mulheres, sobretudo usando aquarela em papel. “O feminismo mudou muito. Oferecido um passo para frente, uma vez que ocorreu na minha juventude, não se volta mais”, diz. A mostra que abre agora é uma ruptura com o próprio trabalho, escolhendo figuras masculinas e incorporando o uso de tinta acrílica. Permanece, porém, a concepção da pintura uma vez que gesto incompleto. Seus traços não engendram formas muito definidas, acumulando, dentro da obra, o trajectória criativo.
Entre as principais vestígios de curso, estão “1 Mulher, 2 Cachorros: Uma Biografia”, de 2001, e “Mulheres Dopadas e a Pintora Esquecida”, de 2022, ambas expostas na capital paulista. No início doa anos 2000, ganhou um prêmio Shell uma vez que cenógrafa e fez a envoltório de um DVD dos Racionais MC.
Atualmente, dá aulas de artes plásticas, mas passou duas décadas sem expor. “Chegou um momento em que não tinha mais lugar de falar no mundo, diziam para mim ‘vocês já falam há 300 anos, fica quieta’, isso foi na pandemia. Mas isso acabou e quero que isso se dane.”