Uma pergunta simples, que pode trazer respostas surpreendentes: por que você escolheu as roupas que está vestindo hoje? Assim começa cada incidente de “Fashion Neurosis”, podcast da estilista britânica Bella Freud —bisneta de Sigmund Freud—, que tem feito sucesso internacional desde a estreia, em outubro do ano pretérito.
Bella, que também é filha do pintor Lucian Freud, é uma das convidadas da Rio2C, evento da indústria criativa que acontece no Rio de Janeiro a partir desta terça-feira (27) e vai até domingo (1º), com tapume de 1.500 convidados —é a primeira vez que a série de conferências tem um palco devotado à voga. Ela conversa com a psicanalista Maria Varão neste primeiro dia de evento, 12h15.
À meia-luz, a designer tenta em seu podcast recriar a estética de um consultório de psicanálise, uma vez que uma farra. Ela fica em uma poltrona, enquanto seus convidados —sempre famosíssimos, diga-se— ficam deitados em um sofá, que faz as vezes de um divã. Pelo programa, já passaram nomes de dentro e de fora do universo da voga, dos estilistas Rick Owens e Christian Louboutin à atriz Cate Blanchett e ao noticiarista Karl Ove Knausgaard.
“Não escolho minhas roupas mais”, responde, por exemplo, o noticiarista e dramaturgo britânico Hanif Kureishi, ao ouvir aquela primeira pergunta. Em 2022, ele sofreu uma queda, em seguida sentir uma tontura, teve uma lesão na espinha dorsal e ficou tetraplégico.
“Tenho dois cuidadores. Às 8h, entra um estranho e me veste”, completa Kureishi, com extrema franqueza, falando em uma sensação de perplexidade ao se ver no espelho. “Desde minha lesão, desisti de pensar na figura. Visto roupas discretas, porque não quero mais ser olhado por ninguém.”
Diante da proliferação de podcasts de entrevistas, Bella Freud se apropria de um formato generalidade, mas consegue injetar oxigênio nele. A voga é só o ponto de partida para uma conversa íntima, em que os convidados se revelam.
O estilista americano Rick Owens, por exemplo, passa a relembrar a vergonha que sentia do próprio corpo quando menino. E reflete uma vez que a inspiração para as peças que desenha, que tendem a distorcer ou exagerar formas humanas, pode ter vindo dessa relação com a própria imagem.
“O estilo de Rick Owens uma vez que designer tem a ver com elementos de dissimulação, com para onde você quer que o outro olhe e para onde não é para olhar”, diz Bella Freud, que também vê o programa uma vez que um argumento contra a teoria de que a voga seja superficial.
“A voga tem nuance e profundidade, e inclusive pode ser superficial, porque às vezes precisa sê-lo. Às vezes você precisa da superficialidade, mas de repente vê que há um mundo muito maior que ela pode oferecer.”
De todo modo, as conversas se estendem a temas profundos. A estilista e ex-modelo Susie Cave, casada com o músico Nick Cave, se abre para falar sobre a morte do fruto de 15 anos, que caiu de um penhasco em 2015. Uma vez que a apresentadora faz para se aproximar de assuntos tão íntimos?
“Só pergunto o que sinto que posso. Com a Susie, minha amiga mais antiga, perguntei antes se poderíamos falar sobre a morte do fruto dela”, afirma ela. “Mas, fora esse caso, não mando perguntas para os convidados antes. Quero que alguma coisa aconteça quando eu os questionar e quero que os convidados tenham uma boa experiência ao conversarmos. Tem sido fascinante”.
Não é a primeira vez que Bella brinca com a legado de Sigmund Freud. Uma das peças mais famosas desenhadas por ela é justamente um suéter com a vocábulo “psicanálise” estampada. Outrossim, já lançou inclusive um perfume com esse nome.
“Queria um programa de entrevistas que fosse visualmente reconhecível. Portanto pensei em permanecer na poltrona e colocar o convidado deitado no sofá. Evidente que é uma referência bem-humorada à psicanálise. Mas pensei que alguém ia fazer o mesmo em qualquer momento e era melhor que fosse eu a fazê-lo.”
A linguagem visual do programa —que também é exibido em vídeo— inclui uma câmera em cima do entrevistado no sofá, que olha direto para ela. É uma vez que se o convidado falasse não com a apresentadora, mas com quem assiste à entrevista.
“É uma vez que se o testemunha estivesse ali, vendo os pensamentos de quem fala surgindo. É uma sensação inesperada. Nunca sei uma vez que vai terminar”, diz Bella.