Quando Livia Avancini viu a lista dos atletas classificados às Olimpíadas e seu nome não estava, ficou fora do ar. Terceira do ranking brasílico de lançadura de peso, ela tinha recta a uma vaga nos Jogos, mas sentiu seu sonho olímpico sumir repentinamente. A sensação, descreveu, é um misto de insuficiência, desespero e tristeza.
Livia, Max Batista (marcha atlética) e Hygor Gabriel (revezamento 4×100 m) vivem a mesma situação: os três conseguiram nas pistas índices que garantem a ida para Paris, mas podem permanecer de fora dos Jogos porque, segundo a World Athletics, não foram submetidos a três testes antidoping surpresa em um pausa de dez meses antes das Olimpíadas.
A responsabilidade da testagem era da ABCD (Domínio Brasileira de Controle de Dopagem), a partir de nomes enviados pela CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo).
A regra dos três testes é novidade. Foi definida em fevereiro deste ano pela World Athletics, que, aceitando uma recomendação da Athletics Integrity Unit –responsável pelo antidopoing no atletismo–, impôs a atletas de Brasil, Peru, Equador e Portugal a obrigação de passarem pelos três exames surpresa nos dez meses que antecedem os Jogos.
Na quadra, a decisão foi tomada porque brasileiros haviam disputado os últimos mundiais com média insuficiente de testagem.
Nesta segunda-feira (8), o presidente da CBAt, Walmir Motta Campos, afirmou que recorreu à World Athletics para liberar o trio, mas a entidade negou o pedido. Agora, o processo será levado à CAS (Incisão Arbitral do Esporte), na Suíça.
“A Livia e o Max fizeram quatro testes, e o Hygor, três. Porém, no caso da Livia e do Max, dois testes não tiveram o pausa de 21 dias e um destes foi realizado em competição. E do Hygor, foram dois em competição e somente um fora de competição”, explicou.
Os três estavam na lista larga da CBAt. Segundo Campos, “os atletas zero fizeram e foram submetidos aos testes, estão completamente limpos e devem participar dos Jogos”.
Max se classificou para as Olimpíadas pelo ranking e entrou para a lista há uma semana, mas saiu nesta segunda-feira (8). Já Livia alcançou posição que lhe garante lugar nos Jogos no término de semana e foi removida no mesmo dia. A conquista da vaga às vésperas do torneio, porém, não significa que ambos sejam uma surpresa. Desde março, eles estavam próximos à zona de classificação.
Hygor Gabriel conquistou a vaga por ter sido medalhista de prata no Troféu Brasil nos 100 m –uma das provas mais icônicas dos Jogos Olímpicos.
A ABCD afirma que nem ela nem a CBAt tiveram culpa. Em nota, aponta que as novas regras da WA complicaram o cronograma de testagem e que fez de tudo para se apropriar. Diz, ainda, que a confederação indicou um grupo prioritário para testes, com 102 atletas.
“A regra da WA determinou que esses três testes precisariam ser feitos até o dia 4 de julho de 2024, mesmo sendo esta data bastante anterior ao embarque dos atletas para Paris. Se não existisse uma data limite, certamente outras oportunidades para teste poderiam ser consideradas”, diz a entidade brasileira de combate ao doping.
A ABCD acrescenta que Max e Livia entraram nessa lista prioritária e fizeram dois testes de urina e um de sangue, fora de competição, além de um de urina em competição nos últimos 10 meses. A World Athletics questiona o pausa entre esses testes.
No caso de Hygor, a entidade deu a entender que o problema é mais multíplice, já que o desportista se classificou muito perto das Olimpíadas e não estava mapeado entre possíveis representantes brasileiros em Paris.
“O caso do desportista Hygor envolve uma maior sensibilidade, que nos parece ser exatamente a situação que a WA pretende evitar, neste caso, ter nos Jogos um desportista que não estava mapeado uma vez que elegível e que, portanto, não fazia segmento do programa de testes da ABCD ou da WA. Apesar disso, o desportista tem dois testes em competição e um teste fora de competição realizados nos últimos 10 meses.”.
À Folha, Livia afirma que sua vida está quase paragem desde que soube que estava fora. Segue somente com o trabalho de personal trainer, mas os treinos para competir e a alimento correta estão sendo um pouco negligenciados pela tristeza.
“É, realmente eu fiquei extremamente desapontada, desanimada, triste com tudo isso, porque eu não esperava. Primeiro eu já tinha aceitado o vestimenta de que eu não iria para as Olimpíadas por conta do ranking, que tinha ocorrido tudo da forma que aconteceu. Depois aconteceu essa mudança, que foi realmente uma surpresa, uma surpresa boa, uma bênção. E aí, logo em seguida, outra notícia ruim”, conta.
“Eu estou, assim, ainda meio fora do ar. Logo, eu espero que eu, aos poucos, vá voltando com os pés no pavimento e entendendo tudo que aconteceu. Mas eu realmente estou, assim, muito triste. Nunca imaginei sentir isso, uma sensação de desespero. Positivo [na resolução], não estou, mas tenho fé de que seja resolvido a nosso obséquio e possamos ir às Olimpíadas”, complementa.
Abraão Promanação, treinador de Hygor Gabriel e coordenador do projeto Atletismo Vencedor de Recife, não quis nomear culpados, mas afirmou que o desportista fez somente uma testagem fora de competição.
“O que tem que se entender é que os atletas não têm controle sobre quando vão ser feitos esses testes, uma vez que são surpresa. O comissário chega no sítio que o desportista treina ou onde ele mora e faz o teste na hora. Não cabe ao desportista determinar ou escolher quando faz”, explica.
Pelas redes sociais, Hygor se manifestou. “Ainda não é certeza que serei desclassificado dos Jogos Olímpicos de Paris”, mas ressaltou que não irá desistir.
“Ontem conversei com ele e ele me disse não estava conseguindo dormir. Já conversei com a psicóloga da nossa equipe para ela conversar com ele, porque isso mexe com o sonho do desportista, é maior do que qualquer coisa. É sofreguidão, é tristeza”, afirma Promanação.
Por mensagem, Max Batista afirmou que “a CBAt está cuidando do caso, que já está na namoro arbitral, logo iremos esperar”.
Segundo o jurisperito Breno Tannuri, profissional em casos do tipo, é provável que surja uma solução antes do início dos Jogos. A CBAt ainda estrutura o processo.
“Em tese, é provável, sim [reverter]. O processo é super simplificado e uma decisão normalmente ocorre entre 48 h e 72 h, o que tornaria o tempo hábil. No CAS, há uma força tarefa com árbitros principalmente designados para o evento, assim uma vez que outros voluntários, e, portanto, apresentação das petições, audiência e decisão ocorrem todos dentro desse período”, explicou.