'bruxas Sobrevoaram Ímola', Diz Médico Que Socorreu Senna 29/04/2024

‘Bruxas sobrevoaram Ímola’, diz médico que socorreu Senna – 29/04/2024 – Esporte

Esporte

Por mais de 30 anos, entre 1975 e 2006, o italiano Domenico Salcito, 79, foi diretor do serviço médico do autódromo de Ímola e um dos responsáveis pelo trabalho na pista. Em 1º de maio de 1994, quando Ayrton Senna bateu sua Williams no muro da curva Tamburello, Salcito estava dentro do sege médico, perto da reta dos boxes.

“Na sétima volta, ouço pelo rádio: ‘Acidente na Tamburello’. Calculei que [os carros] estavam do outro lado e que haveria tempo: entramos com o sege médico e chegamos ao lugar do acidente”, disse Salcito à Folha.

Em entrevista por vídeo, o médico-cirurgião emérito relembrou os momentos principais daquele término de semana, marcado por duas mortes e outros acidentes. Na sexta-feira, o brasílico Rubens Barrichello bateu; no sábado, o austríaco Roland Ratzenberger morreu na pista; no domingo, logo depois a largada, um choque entre dois carros fez voar um pneu na plateia, atingindo um testemunha. Pouco depois, a batida inevitável de Senna.

“Naqueles dias, as bruxas sobrevoaram o autódromo de Ímola”, afirmou.

Salcito, que mora em Bolonha, lembra-se de Senna uma vez que um dos poucos pilotos a ter ido visitar o meio médico nos anos anteriores. “Ele tinha uma sensibilidade incomum por tudo aquilo que o cercava. Era um que queria vencer, mas ao mesmo tempo não pensava somente no próprio sege.”

O término de semana começou com o acidente do Rubens Barichello, depois houve a morte do Roland Ratzenberger. Uma vez que estava o envolvente no volta?

O Grande Prêmio era sempre uma sarau. Na minha vivenda, fazíamos um jantar para amigos uma vez que o Sid Watkins [ex-responsável médico da FIA] na quinta-feira antes da corrida, e assim foi naquele ano. Na sexta, já tinha mudado o clima com o acidente do Barrichello. Mesmo sem zero grave, Ayrton, preocupado, foi ao meio médico ver o estado dele. Mas chegamos perto da tragédia, porque o sege voou contra a rede da tribuna e, sem ela, poderia ter sido um drama.

No sábado, houve o acidente de Ratzenberger, e aí o clima mudou completamente. Ayrton pediu para checar a pista, já que, depois da aposentadoria de Alain Prost [piloto francês, em 1993], ele era o personagem mais influente da F1 e se sentia responsável pela organização da corrida do ponto de vista dos pilotos, mormente os mais jovens. Ele tinha exposto ao nosso companheiro Angelo Orsi [fotógrafo italiano] que levaria uma bandeira austríaca para, no caso de vitória, fazer uma volta com ela, em homenagem a Ratzenberger. Mas, infelizmente, o desfecho foi outro.

Uma vez que foram os momentos antes da largada?

Alguns falam de um Senna com ar triste na primeira fileira. Na minha opinião, é uma fantasia. Simples que tinha tristeza, mas sabemos que os pilotos, uma vez baixada a viseira do elmo, pensam só em uma coisa: a vitória. Entre nós, da equipe médica, o clima era pesado. Uma vez que sempre, largamos na última fileira com o sege médico, pilotado por Mario Casoni.

Veio o primeiro problema do domingo: o acidente de Pedro Lamy, que fez voar um pneu na tribuna e feriu um testemunha, mais tarde operado por traumatismo craniano. A direção decidiu pela ingresso do “safety car”, que ficou na pista por cinco voltas. Na sétima volta, ouço pelo rádio: “Acidente na Tamburello”. Calculei que estavam do outro lado e que haveria tempo: entramos com o sege médico e chegamos ao lugar do acidente.

Quais foram as primeiras impressões?

Mal desci do sege, vi que era um acidente grave com o piloto em estado de inconsciência. Um médico que ficava fixo na Tamburello chegou segundos antes de nós e tentava tirar o elmo, mas não conseguia por pretexto do sangue. Conseguimos depois, com a tesoura.

Quais são as lembranças mais vivas que o senhor tem daquele momento?

Tenho tudo impresso na memória. Tem um livro de medicina medieval que diz duas coisas para o médico: deixar o paciente falar e olhar seu rosto. Isso basta para entender a situação e fazer um diagnóstico.

Qual foi o seu diagnóstico?

Mal tiramos o elmo, olhei o rosto do pobre Ayrton. Estava inchado, e meu diagnóstico foi o de que precisava fazer um pouco com a maior rapidez provável. Não pensei em outra coisa e deixei de lado o protocolo. Pedi ajuda aos colegas para puxá-lo fora do sege pelos braços, um pouco que não se fazia mais. Peguei a responsabilidade para mim. Estendemos o Ayrton no solo, e aí chegaram outros colegas.

Decidi com Giuseppe Piana [corresponsável com Salcito pela parte médica do autódromo, morto em 2021] fazer outra coisa fora do protocolo, que prevê que o piloto que sofre acidente seja levado em ambulância para o meio médico dentro do autódromo. Em vez disso, sabendo que tinha um helicóptero da emergência por perto, pedimos que descesse diretamente na pista, a primeira vez que isso foi feito.

O senhor subiu no helicóptero ou ficou na pista?

Fiquei na pista. A corrida foi interrompida, e depois foi deliberado que seria retomada. O drama dentro do drama. Depois, outro acidente no box, com Michele Alboreto, que perdeu uma roda, que voou no galeria dos boxes, atingindo três ou quatro mecânicos. Um término de semana de pesadelo.

Quando Senna deixou a pista no helicóptero, ele estava vivo?

Sim, estava vivo. Já me perguntaram isso 50 milénio vezes. Estava vivo.

Pela transmissão, dá para ver que, depois a batida, quando ele ainda está no sege, a cabeça dele se mexe. O que foi aquilo?

Foi um movimento. Ele ricocheteou para trás, e a cabeça, que não é presa, deslocou-se para um lado e depois voltou para o outro. Ele estava inconsciente.

Quando ele saiu de helicóptero, qual avaliação fez da situação?

Depois de pular duas vezes o protocolo, já tinha identificado que a situação era gravíssima e que era preciso tentar de tudo. Por isso, decidimos que ele não passaria pelo meio médico do autódromo [Senna foi levado para um hospital de Bolonha]. A esperança é a última a morrer. E agimos assim. Sabia da seriedade e sabia que o final poderia ser aquele que foi.

E o dia seguinte?

Depois de passar pelo necrotério, uma vez que tinha visto que Angelo Orsi fazia fotos enquanto estávamos no socorro, fui à redação da [revista] Autosprint para ver essas fotos. Dali veio a certeza de que a poste da direção tinha quebrado. Em um primeiro momento, os jornalistas pensavam que nós tínhamos serrado a direção para tirar o piloto. “Uma vez que conseguiram trinchar a poste assim tão rápido?”, perguntaram. Eu repensei e disse que nós nem tínhamos visto a direção. Em uma foto, via-se a poste da direção ao lado do sege, no solo.

Trinta anos depois, está tudo evidente para o senhor em relação às causas do acidente e da morte?

Claríssimo. O regulamento tinha mudado, e tinham sido eliminadas as suspensões ativas, que amorteciam tudo, mas os carros continuaram iguais. Estávamos, naquele momento, nas primeiras competições do ano, e as vibrações que os pilotos sentiam eram enormes. Foi isso associado a uma operação que não deveria ter sido feita –e cá a responsabilidade foi de Patrick Head, responsável técnico da Williams.

Senna dizia que não conseguia guiar o sege, que tinha sido feito para Prost, muito mais grave do que ele, e o volante era desconfortável. Ele pediu que fossem feitos ajustes. [O ajuste] foi um ato infeliz.

No momento do socorro, um pouco atrapalhou ou não funcionou muito para a sua equipe?

Não, zero.

Vocês chegaram no tempo perceptível? Teve qualquer detido?

Estávamos a respeito de 500 metros, que percorremos em um sege com 300 cavalos. Saímos antes de darem a bandeira vermelha, mas outro colega já estava ali. Durante o processo judicial, que durou anos, todos tentaram jogar a culpa uns nos outros. A Williams tentava se tutelar. Em nenhum momento os médicos foram intimados, mesmo tendo pulado protocolos.

Na sua opinião, tem qualquer coisa em geral por trás dos acidentes do término de semana, com Barrichello, Ratzenberger, Senna?

Sim, alguma coisa em geral eles têm. Naqueles dias, as bruxas sobrevoaram o autódromo de Ímola. É a única coisa em geral que podemos encontrar: as bruxas.

Que marcas esse término de semana deixou na sua vida profissional e pessoal?

Sou um cirurgião. Pode sobrevir de perder um paciente, o que é sempre um drama. Mas é preciso seguir em frente, continuar. Assim uma vez que fazem os pilotos: sai da pista, quebra o sege, ajusta o sege, sobe de volta no sege e larga de novo.

Folha

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