Cacá Diegues: Cinema Novo Ajudou Outros Cinemas Nacionais 14/02/2025

Cacá Diegues: Cinema novo ajudou outros cinemas nacionais – 14/02/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Nas revisões da história do cinema novo, Cacá Diegues, morto nesta sexta-feira, situava um de seus momentos de intensa alegria no Festival de Cannes, em maio de 1964. Com filmes de possante sentença política, o movimento brasílico ampliou seu impacto sobre os críticos estrangeiros. “Ganga Zumba”, de Cacá, integrava a semana da sátira ao mesmo tempo que “Vidas Secas”, de Nelson Pereira dos Santos, e “Deus e o Diabo na Terreno do Sol”, de Glauber Rocha, participavam da mostra competitiva.

“Glauber estava nervosíssimo. Nós fomos ver com ele, juntos, ‘Deus e o Diabo’. O filme ia passando e aquelas pessoas estavam perplexas. Naquela idade não tinha esse negócio de letreiro no final, logo o filme acabava e acendia a luz. Bom, metade da sala já tinha ido embora durante a projeção. E a outra metade que tinha ficado não sabia o que fazer diante do filme”, disse, em 2018, Cacá Diegues em um testemunho inédito, na sede de sua produtora, no núcleo do Rio de Janeiro.

“Era uma vez que se eles estivessem diante de uma obra de Marte, de Júpiter, que de repente caiu ali e eles não entendiam que porra era aquela, que música era aquela, que personagens eram aqueles, que roupas eram aquelas. Era uma coisa que nunca tinham visto antes.”

O choque antecedeu o exaltação. “Começou com as pessoas aplaudindo assim vagarosamente, e foi crescendo, crescendo. Até que explodiu. Mas não explodiu o teatro inteiro, não. Foi um pedaço do teatro. E aí eu vi que a gente estava fazendo um troço que valia a pena fazer porque não existia antes”.

Diretor do segmento “Escola de Samba, Alegria de Viver”, em “Cinco Vezes Favela”, de 1962, além dos longas “A Grande Cidade”, de 1966, e “Os Herdeiros”, de 1969, no fluxo do cinema novo, Cacá Diegues foi também um historiador do movimento e protector seu legado em livros, artigos e entrevistas, encarnando, mais calmamente do que Glauber, o ideário de sua geração.

Desde os anos 1960 ele se posicionou entre os cineastas sul-americanos com entrada aos principais festivais europeus e em diálogo com a melhor sátira, uma vez que comprova sua entrevista aos Cahiers du Cinéma na edição de novembro-dezembro de 1970. Ou a sua conferência “Relação dialética entre cinema e cultura no Brasil, história e balanço”, de 1965, apresentada no conversa do Instituto Columbianum em Gênova, Itália, a invitação do padre jesuíta Angelo Arpa.

De tom anticolonial, contando com uma leitura prévia do romancista Guimarães Rosa, o texto de Diegues criticou a idealização europeizada do Brasil e situou o cinema novo uma vez que agente do processo universalizante de uma cultura original. Em alguns aspectos, era complementar às ideias ordenadas por Glauber no mesmo evento, na conferência que ficaria conhecida uma vez que “Uma estética da penúria”.

Em suas conversas, Diegues ressaltava a primazia dos brasileiros na período épica das cinematografias do mundo subdesenvolvido. “O cinema novo foi o primeiro cinema de terceiro mundo, vamos invocar assim. Hoje, chamam de emergente. Foi a primeira cinematografia do terceiro mundo que se impôs de uma maneira dissemelhante”, afirmou Diegues.

“Eu me lembro da presença de Souleymane Cissé, em Gênova, dizendo para mim: ‘Vocês estão fazendo o que a gente devia ter feito [na África]’. E logo depois ele se torna um cineasta vernáculo [do Mali]. O cinema novo foi muito importante na invenção dos outros cinemas nacionais.”

“Nesse período de existência do cinema novo, uma coisa que me parece muito evidente é que o cinema no mundo era o seguinte: o cinema americano, o cinema da Europa Ocidental, e de alguns países, nem era de todos. Era França, Inglaterra, Alemanha, que já estava decadente, e Itália muito. E pronto. De vez em quando você tinha uma vaga japonesa, uma vaga russa, mas era uma vaga.”

No exterior, o diretor se engajou na explicação sátira do cinema brasílico, esse incógnito; no projecto interno, preocupou-se em estabelecer elos com a bossa novidade e o tropicalismo, sensível à assimilação das conquistas estéticas da música popular em seus filmes.

Na visão de Diegues, a bossa novidade encarnava o Brasil sonhado pelo cinema novo, que expunha as mazelas sociais enquanto antevia, em seu horizonte utópico, o país moderno e harmônico de João Gilberto e Tom Jobim. A radiografia de Diegues falhava por não incorporar a vertente social da bossa novidade, com Nara Leão e Carlos Lyra primeiro, mas era leal ao libido geracional de confrontar as falsificações sociológicas.

A política do responsável ajudou a ordenar os anseios ideológicos no projecto estético. “Era um dos princípios básicos do cinema novo. Era uma teoria que fazia com que a gente, por exemplo, esculhambasse Walter Hugo Khouri, o que de patente modo foi uma injustiça, porque ele até fazia uns filmes mediamente bons. A teoria do cinema de responsável era uma teoria sem a qual o cinema novo não existiria”, disse Diegues.

“Eu acho que o cinema novo acabou em 1968. Tem data marcada. Foi o Ato Institucional nº5 de 1968, porque tiraram da gente a nossa matéria-prima, que era a veras brasileira. Se não podia mais falar da veras brasileira, acabou o cinema novo.”

Naquele ano, “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla, abriu clareiras para a geração do cinema marginal, que se afirmaria em choques pessoais e estéticos com os líderes do cinema novo. Depois de produzir uma imagem de rebeldia nas telas estrangeiras, Cacá Diegues e seus companheiros lutavam para tutelar e reinventar a revolução iniciada na dezena anterior.

Folha

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