Cacia Figueiredo é uma pessoa que pode ser definida porquê irrequieta. Aos 82 anos de idade, a enfermeira de formação despejou sua história para o blog com uma animação e em tal velocidade que, se não fosse o gravador camarada, esta repórter teria se perdido no meio do caminho. Sem vincular a câmera explicando estar em seu lugar de trabalho atual —uma empresa especializada em projetos de vontade—, ela deixava transparecer o clarão nos olhos à medida que contava porquê foi parar no paredão de pedra do morro Dois Irmãos, no Rio de Janeiro, com a bela paisagem do Rio de Janeiro a seus pés.
“Tudo começou na pandemia, quando eu não podia dançar nem fazer zero, ninguém podia fazer zero, né?”, lembra Cacia. Ah, sim, porque ela, que já trabalhou porquê jornalista no veículo em que entrou porquê enfermeira para atender os funcionários, que largou o jornalismo para cuidar da mãe com Alzheimer, e que atuou em diversas profissões ao longo de uma vida longa, tem porquê atividade paralela ao trabalho na empresa (de vontade, lembram?) se apresentar dançando com um grupo de forró nas horas vagas, alguma coisa que começou a praticar… aos 60 anos. “Eu gostava de dança desde moça, mas meu pai não me deixou fazer balé porque o tutu deixava as pernas de fora, daí fui tocar piano, só depois dos filhos criados fui fazer o que queria”, acrescenta.
Doida para fugir das paredes do isolamento social, Cacia aceitou o invitação de uma amiga que organizava caminhadas pelas trilhas do Rio de Janeiro, longe da muvuca o bastante para, em tese, driblar o coronavírus. O invitação era para ir até a praia do Secreto, na baía de Guaratiba, zona oeste do Rio de Janeiro, um dos cantos ainda mais preservados da invasão turística na Cidade Maravilhosa. No roteiro estava incluído subir pelas pedras do lugar que só tem um pedaço de praia na maré baixa, descer em rapel e dar um mergulho no mar. “Eu falei, é, tá interessante, mas não estou a término de tomar banho de mar, só quero fazer o rapel”, conta. Fazendo contas nos dedos, nessa quadra ela tinha 78 anos.
Desde esse primeiro mergulho no rapel, Cacia não parou mais de procurar montanhas e trilhas, para espanto dos poucos que souberam de sua novidade atividade —porque ela faz questão de frisar que sempre foi discreta e não gosta de redes sociais, até uma emissora de TV descobri-la e transmitir sua escalada em cárcere pátrio.
“Eu palato de esportes, palato da natureza, sou de touro, adoro mato”, define Cacia [este blog pede desculpas, mas não entendo nada de horóscopo, deixemos pois sua auto-definição para os iniciados]. Mas ela também ressalta que faz questão, antes de mais zero, de toda a segurança verosímil. “O repto me fez continuar, palato de desafios perigosos, e achei interessante galgar outros degraus, no caso, outras montanhas”, acrescenta, contando que um de seus sonhos é escalar o —adivinhação— Everest.
“Eu palato do transe, ou melhor, do que os outros veem porquê transe, porque eu não me arrisco à toa, não vou fazer uma trilha sozinha, não vou caminhar no Cima da Boa Vista sozinha, sou aquela que vai checar os ganchos das cordas, ver se as cordas não estão desfiadas, enfim, não me arrisco à toa”, dispara.
Depois de brotar na televisão, Cacia conta que foi procurada via Instagram por outra mulher, de 80 anos, convidando-a para fazer rapel juntas. “Mas ela mora em Dubai, imagine”, diz com uma boa risada. “Não é porquê expor vem cá numa sexta e a gente vai lá na pedra, eu trabalho, tenho montes de reuniões, não é assim, vou lá pra Dubai e pronto”.
“Eu comecei na dança pelo tango, me apresentei em casas de tango do Rio por oito anos, mas elas desapareceram e eu não tinha mais onde dançar”, lembra ela. “Daí uma amiga nordestina me levou a um dança onde tinha um trio de forró pé da serra, aí ja viu… não precisava de outra coisa”, conta, acrescentando que na véspera de nossa conversa tinha dançado por quatro horas em uma mansão de Santa Cruz, bairro no extremo oeste do Rio, apresentando-se com os Bombeiros do Forró, grupo de bombeiros da polícia militar do Rio de Janeiro que se apresenta pelos salões da vida.
Rapel, serra, não são transe para uma pessoa tão cuidadosa porquê eu”, faz questão de repetir. “Perigosas são as acrobacias que faço dançando, ontem mesmo meu bailarino teve um problema no joelho, uma câimbra na hora que eu ia subindo com as pernas no pescoço dele”, conta a enfermeira que correu para infligir os primeiros socorros de uma lesão de seu parceiro, várias décadas mais novo do que ela.
E se a história de Cacia é uma delícia de relatar, o melhor é saber que a idade não a segura em mansão tricotando. E, já que estamos falando de permanecer em mansão, aviso aos leitores que esta senhora que cá vos digita, aos seus 68, também vai aproveitar as próximas semanas para dar um pulo em alguma trilha por aí. Saio de férias e nos vemos de novo no final do mês.
