Caetano Veloso: Livro Revê álbuns Que Marcaram Seu Exílio

Caetano Veloso: Livro revê álbuns que marcaram seu exílio – 07/01/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Em 1993, irritado com um jornalista do New York Times que se referiu a ele e a Gilberto Gil de maneira irresponsável, Caetano Veloso disse em entrevista a Jô Soares que “não queria nem ter saído de Santo Amaro”. A frase expressa a relação umbilical do artista com sua terreno —Santo Amaro, a Bahia, em última instância o Brasil.

Forçado a transpor do país entre 1969 e 1972, exilado em Londres por força da ditadura militar, o compositor expressaria na envoltório de seu disco de 1971 a profunda tristeza de se ver desviado de moradia, desviado de si.

O disco de 1971 é um dos três que documenta seu processo de exílio —os outros são o chamado “álbum branco”, de 1969, e “Transa”, de 1972. A trilogia é analisada, a partir dessa perspectiva, por Márcia Fráguas no livro “It’s a Long Way: o Exílio em Caetano Veloso”, que sai pela Pequena FM Books.

No estudo, a autora traça um roda narrativo ligando os três álbuns, feitos no período que compreende a prisão de Caetano e Gil em dezembro de 1968; a libertação em 1969, condicionada a que eles não saíssem de Salvador nem dessem entrevistas ou fizessem shows; a saída do país por pressão do governo militar naquele mesmo ano; os pouco mais de dois anos vividos em Londres; a volta para o Brasil em 1972.

“No disco de 1969, eu analiso unicamente as canções inéditas, porque são elas que trazem a experiência da prisão e do exílio iminente”, explica Márcia, referindo-se a “Irene”, “The Empty Boat” e “Os Argonautas”. “Você tem inúmeras metáforas náuticas, de deslocamento. ‘Empty Boat’, em peculiar, traz questões do corpo uma vez que um tanto que está se desfazendo. Anos depois, em seu livro ‘Verdade tropical’, Caetano vai proferir que teve uma espécie de dissociação do corpo na prisão, uma despersonalização. É um disco que mexe no traumatismo da prisão e meio que antecipa sua saída do país”.

A autora define o álbum de 1971 —o que traz o retrato de Caetano triste na envoltório, numa Londres da qual ele parece alheio, fria uma vez que seu olhar— uma vez que o “disco do exílio” propriamente dito. “Ele já tá semoto do Brasil, é um disco depressivo”, avalia Márcia. “Nele, Caetano processa o que havia sucedido desde a prisão em 1968. Isso vai desabrochar na temática de canções uma vez que ‘London London’, ‘A Little More Blue’ e ‘In the Hot Sun of a Christmas Day’”.

Por termo, “Transa” marca uma espécie de renascimento da vitalidade de Caetano, uma reconstrução depois da fissura existencial provocada pela prisão. Antes da gravação, o compositor teve a autorização para visitar o Brasil para celebração dos 40 anos de enlace dos pais. A vinda foi conturbada, com recta a horas de interrogatório e uma série de exigências feitas pelos militares. Mesmo assim, pisar de novo no país injetou novo ânimo no artista.

“Quando Caetano passa por essa situação e volta para Londres, ele faz as pazes com ele mesmo, porque entende que talvez não possa voltar ao Brasil tão cedo”, diz Márcia, lembrando que ele contou ter determinado ali raspar a barba, parar de se sentir triste o tempo todo e fazer um disco com uma filarmónica organizada em torno de seu modo de tocar violão.

“Ele quis fazer um disco de filarmónica. Chamou Jards Macalé para a direção músico, Moacir Albuquerque, Tutty Mulato e Áureo de Souza. Eles ensaiam muito e gravam em poucos dias”, detalha a autora. “‘Transa’ tem uma exuberância absurda e esse frescor de uma filarmónica jovem, praticamente gravando ao vivo aquelas canções que tinham um eminente calibre poético.”

As diferenças instrumentais entre os discos também carregam informações sobre o estado do cantor. Se ‘Transa’ trazia esse vigor de filarmónica, o “álbum branco” era o oposto, com um alheamento de Caetano —ele gravou sua segmento em Salvador e Rogério Duprat fez os arranjos e gravou em São Paulo. Márcia observa também um pormenor: “O Caetano está com uma emissão muito encurtada nas canções, tem um entristecimento na voz”.

O álbum de 1971 é o primeiro em que Caetano de permite gravar seu violão, e a sonoridade se abre para o que se produzia em Londres portanto. “Era uma instrumentação muito em voga na quadra, uma espécie de folk pop que você vê no Traffic, ou no David Bowie de ‘Space Oddity’. Mas o que puxa esse disco é a performance vocal do Caetano. ‘If You Hold a Stone’ tem uma dinâmica impressionante, e emula ‘Hey Jude’, com aquela repetição, a instrumentação se adensando. Do mesmo modo impressiona a tristeza que ele imprime em ‘Asa Branca’, com aquele efeito de mastigar as vogais”.

A chave mais poderosa de entendimento do exílio em Caetano é a relação com o inglês — quase toda sua produção no período vestido pelo livro é escrita na língua. Em entrevista concedida para o livro, o compositor comenta o objecto citando a letra de “London London”: ‘Essa sensação de estar na envoltório da língua lançado fora do mundo é a origem do exílio. Eu me lembro de o objecto ‘disco voante’ ser muito frequente no Brasil (…) — e totalmente ausente em Londres. Entre os ingleses, digo. Esse procurar discos voadores nos céus era querer estar no Brasil”.

A pesquisa de Márcia, iniciada em 2017, foi motivada pelos acontecimentos políticos brasileiros, em peculiar a subida da ultradireita e o revisionismo histórico que minimiza o horror da ditadura brasileira instaurada em 1964.

“Eu queria falar dessa espécie de fantasmagoria dos anos de chumbo que estava rondando a gente ali”, diz a autora. “Ao mesmo tempo, queria investigar ali o que eu fui invocar de uma poética do exílio. Ao falar dessa experiência que é do Caetano, a gente também está falando de uma experiência que é coletiva, porque esse regime ficou aí vigente durante 21 anos. E a gente está tendo rescaldo disso até hoje.”

Folha

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