Cancelamento Virou Arma Política, Diz Antonio Tabet 23/02/2025

Cancelamento virou arma política, diz Antonio Tabet – 23/02/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Foi na pele de um sujeito racista, machista, homofóbico —e um tanto inepto— que Antonio Tabet estreou nos palcos, em setembro do ano pretérito. Na peça “Protocolo de Segurança”, o humorista dá vida a Peçanha, um policial de poucos escrúpulos e muitos preconceitos.

Apesar das falhas de caráter —ou talvez por culpa delas—, o personagem já levou mais de 20 milénio pessoas aos teatros. Posteriormente temporadas no Rio de Janeiro e em São Paulo, a peça vai passar por cidades uma vez que Natal, Fortaleza, Recife, Belo Horizonte e Curitiba a partir de abril.

Para Tabet, o personagem é uma forma de exorcizar problemas que permeiam o Brasil. “Humor é uma maneira de informar e conscientizar. Mas, para isso, precisa cutucar e botar o dedo na ferida”, diz o ator. “Tenho muitas críticas a pessoas que querem roubar qualquer tipo de discussão. A gente precisa jogar luz inclusive sobre os nossos problemas.”

No espetáculo, dirigido por Daniel Promanação, Peçanha é contratado para passar instruções de segurança antes de uma montagem de “Hamlet”. O problema é que o ator da peça atrasa e o policial decide entreter a plateia com suas histórias pouco ortodoxas.

São causos, aliás, que já geravam interesse na internet. Antes de transmigrar para os palcos, Peçanha era figura recorrente no Porta dos Fundos, produtora de vídeos de comédia que Tabet fundou ao lado de Fábio Porchat, Gregório Duvivier, João Vicente de Castro e Ian SBF.

A trupe inaugurou uma novidade forma de fazer humor na internet ao apostar em esquetes de situações cotidianas e em sátiras de políticos, celebridades e figuras religiosas. Com milhões de visualizações, os vídeos publicados no YouTube não provocavam unicamente gargalhadas, mas também críticas e tentativas de cancelamento.

“Essa ronda virou uma arma política tanto da esquerda quanto da direita”, diz Tabet. “A cultura do cancelamento tem um viés dominador.”

Para ele, a polarização que se observa no Congresso contaminou também o humor. “Nos últimos dez anos, criou-se a pecha do humor de esquerda e humor de direita. Isso, na verdade, não funciona na minha cabeça. Humor é oposição a tudo que é domínio, desde um político poderoso da direita a um político poderoso da esquerda.”

Você costuma proferir que detesta responder sobre o limite do humor. Por que odeia essa pergunta?

Normalmente, quando me perguntam isso, estão querendo uma resposta polêmica. Querem que a gente fale mal do politicamente correto, mas eu não falo mal dele por encontrar um movimento importante.

Se nos anos 1980 e 1990 era generalidade a gente ver na televisão oportunidade piada sacaneando uma pessoa só porque ela era preta ou homossexual, hoje a gente nem pensa em fazer esse tipo de coisa. Mas o problema do politicamente correto é a cultura do cancelamento. São pessoas que acham que podem terminar com a vida dos outros, improbar e julgar a seu bel-prazer.

Quando me perguntam qual é o limite do humor, respondo que o limite é de um lado a lei e do outro a consciência do comediante. Eu acho que todo mundo tem o recta de falar o que quiser e também o de responder por isso. É a lei que vai proferir se você está manifesto ou inverídico.

Atualmente, existe uma preocupação das emissoras em fazer um humor que não ofenda grupos marginalizados. O Peçanha, por outro lado, é um personagem célebre pelas falas preconceituosas. Acha que esse personagem teria espaço na TV hoje em dia?

Eu tenho certeza de que o Peçanha teria espaço na TV oportunidade. Mas a sentimento é que as pessoas, às vezes, se pautam pelas discussões dos “trending topics” das redes sociais, o que foi podando o humor.

A própria cultura do cancelamento tem um viés dominador. Com as redes sociais, as pessoas já são julgadas e condenadas sem recta à resguardo. E acho também que essa ronda virou uma arma política tanto da esquerda quanto da direita. Lembro de grupos progressistas tentando cancelar comediante de direita e de grupos de direita tentando cancelar comediante de esquerda.

O Brasil tem vivido um período de polarização política, cenário que não vasqueiro descamba para a violência, uma vez que observamos no 8 de janeiro. De que modo esse acirramento se reflete no humor?

Nos últimos dez anos, criou-se a pecha do humor de esquerda e humor de direita. Isso, na verdade, não funciona na minha cabeça. Apesar de eu crer que o humor seja oposição, não significa ser oposição unicamente ao governo que está no poder.

Humor é oposição a tudo que é domínio, desde um político poderoso da direita a um político poderoso da esquerda. Humor pode se opor também à violência que oprime, a um patrão que oprime ou ao poder financeiro que oprime. Quando você faz humor dessas situações opressoras, normalmente funciona, porque o humor é isso. É uma grande força contrária.

O que explica o apelo do Peçanha, um personagem corrupto, racista, homofóbico e meio inepto?

O primeiro motivo é a identificação. Todo mundo, em qualquer momento da vida, já teve que mourejar com um Peçanha. Pode ser policial militar, segurança de shopping ou porteiro de condomínio. Todo mundo já teve de mourejar com essa figura da domínio uniformizada e que exerce seus poderes de uma forma menos recomendável. As pessoas se identificam de repentino.

A segunda razão é que o Peçanha é uma personagem que, num Brasil polarizado, agrada gente da extrema esquerda e da extrema direita. O pessoal da extrema esquerda vê o Peçanha uma vez que uma sátira, o que de roupa ele é. E o pessoal da direita vê o personagem uma vez que uma caricatura, um excesso, alguma coisa que ele também é.

No final da peça, você lança uma pergunta para a plateia: “É difícil escutar essas coisas? Imagina portanto falar”. Uma vez que é proferir os absurdos do Peçanha? Já se sentiu constrangido?

Às vezes, me dá uma agonia, mas não é dissemelhante, por exemplo, de fazer o vilão de uma romance. Outrossim, acho que os fins justificam os meios.

Humor é uma maneira de informar e conscientizar. Mas, para isso, precisa cutucar e botar o dedo na ferida. Você não consegue medicar um machucado sem tocar nele. O humor faz isso por meio da risada.

Tenho muitas críticas a pessoas que querem roubar qualquer tipo de discussão. A gente precisa jogar luz inclusive sobre os nossos problemas.

Em janeiro, a atriz Fernanda Torres pediu desculpas depois que uma esquete em que ela faz blackface ressurgiu na internet. De que modo você avalia essa questão?

Eu entendo completamente a postura dela, enfim de contas ela está concorrendo ao Oscar. A única coisa que eu acho —e não estou falando que é o caso da Fernanda —é que é preciso diferenciar o que é o blackface do que é uma caracterização.

Blackface é uma cultura de debochar da pessoa preta por meio de uma maquiagem extremamente regateira e estereotipada, o que é absolutamente condenável, repugnante e lastimável. Mas acho que a gente não pode confundir isso com uma caracterização. Por exemplo, um rosto que é um ótimo plagiador e decide imitar o Pelé. Não vejo problema de ele se caracterizar de um jeito que o torne parecido com o Pelé. Não acho que isso seja blackface.

Além do humor, você tem proximidade com o futebol. Chegou a ser vice-presidente de notícia do Flamengo entre 2015 e 2018. Uma vez que foi essa experiência?

Consegui fazer um trabalho muito bom lá. Quando cheguei, era um clube descredibilizado e endividado. Quando a gente saiu, o Flamengo estava com as contas em dia. Mas foi o trabalho mais difícil da minha vida.

Havia resistência ali [a mudanças]. Não só por isso, mas também por ser uma usina de fazer verba. E tinha muita gente que sugava aquelas tetas. Logo, mexer em certos vespeiros foi sempre muito difícil. Deu tudo manifesto, mas não voltaria. Até porque é um trabalho não remunerado. Não ganha zero. É horroroso, um pesadelo.

Existe qualquer ponto de intersecção entre o humor e o futebol?

Totalidade. As pessoas não entendem, mas futebol é entretenimento. Futebol é diversão. Só que hoje não tratam o esporte dessa forma. Por exemplo, tem juiz que dá cartão amarelo quando o jogador vai comemorar um gol de um jeito mais extravagante. Isso é uma imbecilidade.

Nos Estados Unidos, é o oposto disso. Eles tratam aquilo uma vez que um espetáculo e movimentam milhões e milhões de dólares. Cá também movimenta muito verba, mas normalmente é para remunerar empresário ou agente de jogador.

Agora falando um pouco sobre a sua relação com a notabilidade, você já viveu uma situação parecida com a do protagonista da série “Bebê Rena”. Uma vez que foi isso?

Passei por isso faz mais de dez anos. Uma fã se aproximou e chegou a fazer ameaças. Não só em relação a mim, mas a pessoas próximas. Foi absolutamente terrífico e traumatizante.

Consegui levar o matéria até a Justiça e a pessoa foi condenada. Esse caso me rendeu uma depressão, mas eu consegui passar por isso. De certa forma, também foi um estágio.

Diferentemente do que, em universal, acontece no cenário artístico, você foi alçado ao estrelato mais velho. Uma vez que foi se enxergar famoso depois dos 30?

Foi muito positivo para mim. Eu não me deslumbrei, não gastei mais do que eu deveria e sempre tive o pé muito no solo. Eu acho que os 50 são os novos 20, porque estou feliz e referto de vigor com tudo o que está acontecendo. Eu não mudaria zero. Se eu tivesse ficado famoso com vinte e poucos anos, teria me perdido e feito muita merda.

Folha

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