Cannes: 'amarela' E 'baby' Destacam Pautas Identitárias 23/05/2024

Cannes: ‘Amarela’ e ‘Baby’ destacam pautas identitárias – 23/05/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

O Brasil chegou ao Festival de Cannes referto de bandeiras nas mãos. Não literalmente, porquê ocorreu em edições passadas, com manifestações no tapete vermelho, mas por meio de filmes carregados de política.

Além de “Motel Orientação”, que Karim Aïnouz leva à competição de longas, “A Queda do Firmamento”, “Baby” e os curtas “Amarela” e a “Moça e o Pote” contribuem para a sensação de que o cinema do país tem muito a manifestar. Mesmo “Bye Bye Brasil”, exibido na seção de clássicos, já questionava nossa teoria de país em 1979.

“Nos esquivarmos de questões políticas faz com que a gente não se olhe no espelho, e é importante a gente fazer isso. O Brasil foi confrontado com uma situação trágica posteriormente a eleição da extrema direita, logo agora é hora de tirarmos alguns temas debaixo do tapete”, diz Aïnouz.

Com seu “Motel Orientação”, ele discute em privativo o feminicídio e a violência contra a mulher, mas também abre espaço para falar de racismo, do delito organizado e de uma juventude brasileira sem perspectiva, tingindo as cenas de cores fortes e, assim, dando um tino de urgência às discussões.

“É muito importante também porque esses filmes não vêm só com a questão política, porque cinema também é objeto de entretenimento, de submersão. Logo ‘Motel Orientação’ não é simplesmente um drama social, ele tem corpo próprio.”

A falta de perspectiva é também o que põe “Baby” de pé. O filme troca o Ceará de Aïnouz pela São Paulo natal do diretor Marcelo Caetano, e conquistou o prêmio de ator revelação da Semana da Sátira, pelo trabalho de Ricardo Teodoro.

Ele vive um garoto de programa que também faz quantia vendendo drogas em boates ou na Terreiro da República. Um dia, decide alojar o Baby do título em sua lar. Aos 18 anos, o personagem acabou de transpor da Instalação Moradia e, renegado pelos pais por razão da homossexualidade e sem um horizonte simples pela frente, começa a se prostituir.

“Tem um grito de guerra aí. Era um pouco que estava silencioso dentro da gente. Eu sempre falava muito com os atores, que a gente não está fazendo um filme sobre vítimas. Eles são vítimas, mas também são guerreiros. O ‘Queda do Firmamento’ é luzente nesse sentido, é um grito de guerra literal contra o varão branco”, diz Caetano.

Com a vitrine do Festival de Cannes, “Baby” já garantiu distribuição em diversos territórios internacionais, incluindo mercados importantes, porquê Estados Unidos, Canadá e França. Caetano conta que foi difícil viabilizar o filme, num momento em que o governo Bolsonaro defendia francamente um oração contra a classe artística e, agravando seu caso, contra a população LGBTQIA+.

“Desde 2019 não víamos um ano tão bom para o Brasil em Cannes, com tanta efervescência. É uma mensagem de que é impossível matar o cinema, matar os artistas. A gente vai continuar”, diz o cineasta, diretor também de “Corpo Elétrico” e que trabalhou porquê diretor de elenco de “Bacurau”, exibido no festival naquele ano.

Mas “Baby” não se limita ao romance queer que está no núcleo da trama. Fala ainda do desleixo do núcleo de São Paulo, do tráfico de drogas, da prevaricação da polícia, da desigualdade social e da valia de reivindicarmos uma identidade própria, um pouco que é mote de “Amarela”.

Dirigido por André Hayato Saito, o título concorre à Palma de Ouro de curta-metragem, e gira em torno de uma juvenil brasileira, progénito de asiáticos, no dia da final da Despensa do Mundo de 1998. Em meio à vaga verdejante e amarela que contagia o país, ela reflete sobre ser japonesa demais para ser brasileira e vice-versa.

“A história é ambientada nos anos 1990, mas esse tema é muito atual. Eu sempre me senti estrangeiro no meu próprio país, o que me pôs numa fronteira”, diz Saito, que narra a sua própria história por meio da personagem de Erika Oguihara.

“O filme fala muito sobre pertencimento e identidade, e muita gente pode se relacionar com isso. Uma moça parda que o viu veio me falar que ficou muito emocionada. Com o mundo do jeito que está hoje, essa é uma discussão muito atual”, diz ainda sobre a oposição entre a globalização e o propagação de um patriotismo torpe em diversos países.

O cineasta conta que gravar foi porquê um processo terapêutico, que deve se estender em breve, já que o curta é unicamente uma modelo de um longa, nos planos já há qualquer tempo, e que deve inaugurar a ser rodado no ano que vem.

A identidade indígena é outra amplamente explorada pelos brasileiros neste Festival de Cannes. Além de “A Queda do Firmamento”, de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, que levou a cosmologia yanomami à Quinzena dos Realizadores, o curta “A Moça e o Pote”, de Valentina Varão, na Semana da Sátira, também se alimenta da cultura yanomami e baniwa.

“É bonito que esses filmes estejam cá porque não adianta zero olhar para o término do mundo e encontrar que não tem zero a ser feito. Enquanto cineastas, a gente tem que edificar histórias”, diz Varão, para quem essa leva é fruto do “desespero” da classe artística durante o governo Bolsonaro, período no qual esses projetos foram gestados.

“É um grande caso na nossa vida ter um filme cá, e ‘A Moça e o Pote’ traz uma mensagem da floresta amazônica para a Europa, que transmite a valia da nossa relação com a natureza.”

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *