Bi Gan não faz um cinema convencional. O chinês de 35 anos gosta de misturar verdade e sonho em histórias, nas quais primícias, meio e termo são ligados por um fio frágil. Os desafios enfrentados por seus personagens servem uma vez que encenações de dramas existenciais complexos —uma vez que a procura pelo sentido da vida, o motivo do sofrimento e a utilidade da arte, temas que permeiam “Resurrection”, seu novo filme na corrida pela Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Logo no primícias, é anunciado que os humanos perderam a capacidade de sonhar, e os poucos que ainda conseguem fazê-lo vivem nas sombras. Uma mulher, capaz de identificar essas pessoas, decide adentrar nas ilusões do protagonista, chamado de “monstro”.
Todo esse prelúdio é apresentado sem falas, com atores interagindo em um cenário que parece feito em stop-motion e colorizado a mão, em referência aos princípios do cinema e às trucagens de Georges Meliés. Antes de se materializar nos próprios sonhos uma vez que humano, o protagonista aparece pálido, careca, com enormes garras, uma vez que o vampiro Nosferatu do expressionismo teutónico.
A partir daí, o filme se divide em sonhos da pessoa, distribuídos entre o primícias e o final do século 20. É uma vez que se acompanhássemos momentos de diferentes vidas do protagonista ao longo de século anos. No primeiro deles, ele é um matador nos anos 1930, que mata perfurando o tímpano das pessoas.
Depois, ele reencarna uma vez que um trabalhador encarregado de retirar estátuas de um macróbio templo budista, no cume de uma serra gelada. O espírito amargura, logo, se materializa para ele na forma de seu pai.
Nos anos 1970, ele é um prestímano que aplica golpes. Ele logo faz amizade com um menino, e os dois tentam enganar um poderoso varão de sua região com um truque de cartas. Por termo, ele é um jovem marginalizado no Ano-Novo da viradela do milênio.
Enamorado por uma pequena explorada pelo possuidor de uma boate sítio, ele se envolve em um confronto violento para fugir com ela —rumo ao horizonte, no século seguinte.
Todos os cenários de Gan, que prefere planos abertos, são de tirar o fôlego. Uma escolha que combina com o protagonista que, apesar de sufocado pelo sofrimento da existência, ainda encontra formosura na vida por meio dos sonhos. Há, no fundo, uma homenagem aos criadores da sétima arte.
Já os iranianos estão detrás de vingança neste Festival de Cannes. Depois de Jafar Panahi se debruçar sobre o tema no grande dilema moral que é “Un Simple Accident”, o compatriota Saeed Roustayi fez o mesmo, com “Woman and Child”, ou mulher e rapaz.
Mas enquanto Panahi encara os problemas políticos de seu país, Roustayi volta a sua câmera para o seio familiar, em mais um longa deste festival a abordar a maternidade, depois “Alpha” e “Die, My Love”.
Essa abordagem, aliás, causou polêmica antes da estreia, depois membros da Associação Iraniana de Cineastas Independentes criticarem a escolha de Cannes, acusando Roustayi de fazer propaganda do regime dos aitolás ao sujeitar sua produção às regras do governo. Dentre as críticas, está a de que a protagonista usa o véu islâmico hijab, visto uma vez que sinal de vexação por movimentos feministas no país.
Roustayi, porém, já sofreu as consequências de sua liberdade artística quando exibiu “Os Irmãos de Leila” há três anos, no festival galicismo —à era, foi réprobo a seis meses de prisão pelo trabalho em que uma mulher ajuda sua família com numerário. O cineasta, pouco depois, conseguiu volver a decisão nos tribunais.
Na novidade trama, conhecemos uma enfermeira vivida por Parinaz Izadyar, que depois permanecer viúva criou os dois filhos com a ajuda da mãe e da mana.
A caçula é gulosice e comportada, uma vez que que para lastrar as encrencas que o mais velho arranja. Ele promove jogos de aposta, chega procrastinado nas aulas, não faz prelecção de lar, desrespeita colegas e professores e por aí vai. É um verdadeiro pestinha, com o qual o testemunha dificilmente vai simpatizar.
Isso é verdade para quase todos os personagens de “Woman and Child”. Não é exatamente uma questão de complicação —suas ações são simplesmente irritantes, às vezes parecem tiradas do contra-senso das telenovelas mexicanas. A principiar pela mãe, a mulher do título, que insiste em passar a mão na cabeça do rebento.
“Você ao menos vai deixá-lo ir ao passeio da escola, né?”, pergunta ela ao diretor, depois conseguir volver uma expulsão para uma suspensão, quando o menino quebra um palito de fósforo dentro do cadeado do portão e faz com que centenas de alunos fiquem presos no recinto.
Tudo muda quando, lá para a metade do filme, uma tragédia familiar dá um choque de verdade na protagonista. Num misto de culpa e raiva pelos acontecimentos que recaem sobre seus filhos, ela tenta encontrar o responsável por um incidente que, não necessariamente, tem um. Em paralelo, suas relações com a mãe, a mana e o namorado definham, num interessante estudo do poder autodestrutivo do luto.
Roustayi se sai muito melhor do que em “Os Irmãos de Leila”. Neste pausa, o diretor conseguiu encontrar um ritmo próprio para filmar as dinâmicas familiares, sem espaço para muita gordura, uma vez que era o caso do entediante predecessor.