Você não sabe muito muito o que esperar ao entrar numa das tendas da novidade Competição Imersiva do Festival de Cannes. Te pedem para se posicionar numa marca no soalho, encaixam um óculos pesado no seu rosto e dão o play num dos nove filmes da seleção, sobre os quais sabemos pouco mais do que uma ou duas frases.
Um deles é “Traversing the Mist”, atravessando a névoa, descrito unicamente uma vez que uma “sauna gay surrealista” em Taiwan, um labirinto de “desejos, excitações e medos”. Seria difícil pensar que o filme capturaria uma experiência tão privado e sexual quanto essa, mas em meio a tanta nudez, a sensação é de estar realmente frequentando um point de pegação.
Mas “Traversing the Mist” não é só isso. Há uma história de 40 minutos que se desenrola nos fones de ouvido, com um narrador sussurrando o porquê de estar naquele lugar, as angústias e desejos que o levaram até o que considera uma fuga da solidão.
Junto dele, o testemunha entra num elevador e se vê de terno e gravata, refletido no espelho. As mãos, que empunham joysticks, fazem o avatar se mexer também, e servem para restringir botões e penetrar portas.
Tão logo chegamos ao andejar da sauna, somos virtualmente despidos e, só de cueca, vasculhamos armários de metal em procura de pistas sobre os frequentadores daquele lugar. Uma vez perdido nos corredores esfumaçados, é hora de caminhar, descobrindo em cantos escondidos homens pelados ou transando –de quatro, bruços, propagandista e qualquer posição que você possa imaginar.
Cortinas pretas delimitam o espaço do filme e impedem que o testemunha roupão numa parede. O óculos de VR, de qualquer forma, é calibrado para avisar quando se caminha muito próximo dos limites físicos da instalação.
Não é um filme para motivar ereções, porém. “Traversing the Mist” tem roteiro, atores e tudo o que qualquer outro filme tem, se distanciando, assim da pornografia efêmera da internet, defende seu diretor.
“O meu objetivo não é fazer pornografia, portanto eu não me preocupo com o que pensam. Uma senhora viu o filme e me disse que ficou excitada, e tudo muito, eu não me importo. Mas não é o filme para se masturbar, é um filme sobre a estável procura por um tanto para se sentir completo”, diz Chou Tung-Yen.
Com raízes no teatro —ele levou ao Festival Mix Brasil de Cultura da Flutuação uma peça, no ano pretérito—, ele começou a testar a tecnologia nos palcos, até ser procurado para produzir um filme mercantil com óculos de VR.
Não demorou muito até ser seduzido pelo apelo da tecnologia, capaz de jogar com o que é real e o que é imaginação. Da mesma forma, ir a uma sauna gay, para muitos homens, também significa deixar a veras para trás por algumas horas.
Tung-Yen nunca fora a uma até ter a teoria para o projeto, que na verdade é uma trilogia. Há a peça que levou ao Mix Brasil, “Gazing, In the Mist”, e o filme predecessor, “In the Mist”, que convida alguns poucos espectadores de Cannes para conferir, informalmente. Enquanto “Traversing the Mist” usa avatares animados, o outro é ainda mais sexual, já que foi gravado com atores de verdade.
“Há dez anos seria difícil encontrar atores amadores dispostos a tirar a roupa e fazer sexo diante da câmera, mas com o OnlyFans e o pornô rendeiro ficou mais fácil chegar ao elenco”, diz ele.
“In the Mist” é tecnologicamente mais restringido, já que o público unicamente move a cabeça, sentado. Conforme passeia com o olhar pela sauna, vê homens transando e vários voyeurs –uma vez que o próprio testemunha. Os gemidos intensos ecoam pelos fones de ouvido, muito uma vez que a narração do rapaz que, novamente, quer aplacar a solidão nos corredores escuros e anônimos daquele antro de prazer.
Tung-Yen agora estuda uma vez que disponibilizar os dois filmes para os espectadores em morada, já que a loja de aplicativos para veras virtual permite que você venda e alugue obras com “violência, sangue e armas, mas não nudez”.
Além de “Traversing the Mist”, também concorrem nesta primeira edição da Competição Imersiva de Cannes outros filmes que giram em torno da nossa relação com o corpo, mas por outros ângulos. “Emperor” leva o testemunha para dentro do cérebro de um varão com afasia, e “Envolver” entra no nosso organização guiado pela voz de Cate Blanchett.
“En Amour”, que mistura performance e artes plásticas; “Human Violins – Prelude”, sobre o poder da música durante o Imolação; “Maya: The Birth of a Superhero”, sobre o despertar sexual de uma pequena; “Noire/Colored”, que volta à segregação racial nos Estados Unidos; “The Roaming”, sobre duas crianças marginalizadas, e “Telos 1”, um espetáculo de dança, completam a seleção.