Carlito Carvalhosa é Tema De Exposições Retrospectivas 29/10/2024

Carlito Carvalhosa é tema de exposições retrospectivas – 29/10/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

É tanta luminosidade que quase não vemos zero. Ao enfileirar lâmpadas de cozinha brancas no pavimento, Carlito Carvalhosa convida o visitante a adentrar na luz e a permanecer cego, ao mesmo tempo.

Seja nesta obra, montada no Instituto Tomie Ohtake, ou em outra, em que as lâmpadas preenchem de cima a insignificante uma parede no Sesc Pompeia, o visitante entende o modo de pensar do artista, espezinhado num jogo de contrastes, de opostos. Ao longo de sua curso, ele trabalharia com o evidente e o escuro, o dentro e o fora, o opaco e o reflexivo, a forma e o disforme.

A ampla possibilidade de materialização destas dualidades, que Carvalhosa transformou em pinturas, esculturas e instalações, pode ser vista agora em duas exposições nas instituições paulistanas. Juntas, as sinais compõem uma retrospectiva das murado de quatro décadas da curso do artista morto em 2021, no que é a primeira ocasião em que tantas obras suas são mostradas ao mesmo tempo.

Carvalhosa “trabalha para resolver essa situação de incoerência através de relações dialéticas”, diz Luis Pérez-Oramas, que foi companheiro de longa data do artista e é um dos responsáveis por organizar as exposições, divididas por tipo de obra.

No Tomie Ohtake ficam as obras de parede e as esculturas, enquanto o prédio de Lina Bo Bardi abriga três instalações de grandes dimensões. Assim, todos os formatos explorados pelo artista, nome médio da arte contemporânea brasileira, são abordados.

Organizada em blocos cronológicos que evidenciam a evolução da poética de Carvalhosa, a exposição no Tomie Ohtake abre com uma sala de pinturas em grandes dimensões dos anos 1980, quadra em que o artista integrou o ateliê Moradia 7, marco no cenário paulistano ao reunir também os pintores Rodrigo Andrade, Nuno Ramos, Fabio Miguez e Paulo Monteiro.

As telas do período de formação de Carvalhosa, influenciadas pelo ícone do expressionismo abstrato Philip Guston, tinham “traço ultraexpressivo”, afirma Ana Roman, outra das organizadoras. Quem vê os quadros têm a sensação de que as pinturas são espontâneas, mas Roman afirma que as obras são menos experimentais do que parecem.

“Existe a teoria de formação”, acrescenta, ao reportar um rascunho de Carvalhosa com as indicações das cores para uma das pinturas, exibido no caminhar de insignificante.

Organizado, o artista anotava ideias e rascunhos de obras em cadernos e folhas avulsas, uma vasta produção que ajuda na compreensão de seu trabalho. Por isso, há dezenas destes blocos e estudos expostos —ele desenhou, por exemplo, as posições dos postes que compõem “Sala de Espera”, instalação em que um enredado de troncos atravessa o galpão do Sesc, propondo uma novidade maneira de entender aquele espaço.

Carvalhosa, formado em arquitetura, trabalhava tendo em mente os espaços expositivos, e não se acanhava em fazer obras que levassem os ambientes ao limite, uma vez que no caso da instalação “A Soma dos Dias”, conjunto de véus que abraçaram o átrio do MoMA, o Museu de Arte Moderna de Novidade York. Uma versão deste trabalho, no qual é provável entrar e se perder em meio a panos brancos translúcidos, pode ser vista no Sesc.

De volta ao Tomie Ohtake, na segunda e na terceira salas, onde ficam as encáusticas, as pinturas sobre espelhos e telas em pequeno formato feitas com cera, observamos uma vez que o artista respeita as características dos materiais com os quais trabalha. “Não é uma obra de acabamentos, de passar coisas a limpo, de maquiagens. Os efeitos não são dissimulados nunca. O óleo é o óleo, a lâmpada é a lâmpada”, afirma o curador Paulo Miyada.

Muitas das obras de Carvalhosa são uma exploração da matéria-prima, e o que o artista apresenta à sua maneira para o testemunha é a coisa em si. Daí decorre que “ele não está produzindo imagens”, diz Pérez-Oramas, ou seja, a visualidade dos trabalhos decorre dos materiais utilizados.

Ele exemplifica ao reportar a série de monocromos feitos com a técnica da encáustica —um tipo de pintura que gera um resultado denso e cremoso—, nos quais o artista trabalha com a impureza. Ele “vai contra a teoria do monocromo puro, que é o monocromo moderno”, afirma Pérez-Oramas.

Em paralelo às exposições, a cineasta Karen Harley prepara um documentário sobre a vida e a obra do artista, morto aos 59 anos em decorrência de complicações de um cancro. O filme, que está em tempo de captação de imagens e de estruturação do roteiro, vai costurar material de registro sobre o processo criativo de Carvalhosa desde o ateliê Moradia 7 com as exposições agora em papeleta, fazendo uma relação do pretérito com o presente, de tratado com a diretora.

Harley tem conversado com amigos e colaboradores do artista, incluindo o compositor minimalista Philip Glass, que tocou piano dentro da instalação “A Soma dos Dias”, tanto no museu em Novidade York quanto na versão da obra mostrada na Pinacoteca, em São Paulo. Outrossim, em dezembro, a galeria Nara Roesler, que representa o espólio de Carvalhosa, deve lançar um livro monográfico sobre sua obra.

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *