Em praticamente todo o Brasil, a temporada é de folia nas ruas. O espírito do carnaval atrai foliões para blocos e desfiles de escolas de samba. Para muita gente, é sinônimo de dias seguidos de diversão. Mas para uma categoria específica de trabalhadores, é a convocação para um período com grande apelo de faturamento. O carnaval faz a sarau de vendedores ambulantes, quando o ponto é venda.
“Carnaval é o nosso 13º salário”, diz, ressaltando a prestígio da data, a vendedora ambulante Maria do Carmo, conhecida porquê Maria dos Camelôs, fundadora e coordenadora-geral do Movimento Uno dos Camelôs (Muca).
“É quando a gente consegue tirar uma grana para remunerar IPVA, IPTU, comprar material de escola das crianças e uniforme, muitas pessoas fazem mais um puxadinho na moradia. Portanto, o carnaval é o momento que a gente vai para a rua para lucrar uma graninha a mais”, completa a camelô, de 49 anos de idade, que trabalha desde os 20 anos em blocos no tradicional bairro de Santa Teresa, região médio do Rio de Janeiro, vendendo caipirinha.
Adereços
O aquecimento que os dias de carnaval desculpa nas vendas faz a ambulante Cristina de Oliveira mudar o foco dos produtos oferecidos. Ao longo do ano, ela trabalha com artesanato, porquê cordões, bolsas e pulseiras. Quando se aproxima o período de folia, Cristina preenche a barraca, em Copacabana – um dos bairros mais turísticos do Rio -, com itens carnavalescos, porquê adereços e partes de fantasias.
Com experiência de quem já vendeu quase de tudo na barraquinha por mais de duas décadas, Cristina, de 56 anos de idade, não hesita em expor qual o melhor período para lucrar verba.
“Para mim, a melhor data é o carnaval. Já fui camelô de praia, de comida, sanduíche proveniente, churrasquinho, sempre ligada a trabalho de rua. Só não vendo pirataria”, lista a ambulante, que tem orgulho em expor que conseguiu remunerar escola pessoal para a filha, hoje com 26 anos de idade.
“Ela vai se formar em veterinária levante ano. Faculdade federalista. Mas sempre paguei a escola pessoal”, disse.
Injeção de verba
A Prefeitura do Rio de Janeiro estima que o carnaval deste ano deve movimentar R$ 5 bilhões na economia carioca. Essa injeção de verba vem de diversas atividades, de hotelaria à publicidade, passando, simples, pelas vendas de ambulantes.
Em dia de conjunto, Maria dos Camelôs trabalha tapume de 10 horas por dia nas ladeiras de Santa Teresa. “Mas se estiver bombando, fico até mais tarde”. Ela estima que, em “dias bons”, consegue faturar entre R$ 1,5 milénio e R$ 2 milénio. Desse verba, ainda precisa descontar os custos da material prima para fazer o lucro. “Com uma garrafa de cachaça você faz várias caipirinhas, o investimento é muito pouco”, avalia.
“Quem vende comida e tem mais estrutura consegue vender mais”, complementa.
Desafios
Independentemente de quanto de verba será gasto pelos foliões durante o carnaval, a representante do Muca e a camelô de Copacabana enxergam um repto para levante ano, a concorrência.
“Tem muita gente na rua disputando os espaços para trabalhar. Portanto eu acho que o faturamento individual desse ano não vai ser melhor que o do ano pretérito”, estima Maria dos Camelôs.
“A cada ano que passa, é mais gente na rua trabalhando”, concorda Cristina. “A nossa expectativa de retorno é menor porque [o dinheiro que circula] é dividido”, explica.
Outra insatisfação do Movimento Uno dos Camelôs é a forma com que são selecionados pela prefeitura os camelôs habilitados para trabalhar nos blocos de rua. Na opinião de Maria do Carmo, não há uma preferência para ambulantes que trabalham nas ruas durante todo o ano, que passam a ter a concorrência de vendedores sazonais, ou seja, gente que só trabalha porquê camelô no período do carnaval.
“A gente que já trabalha na rua não deveria ter que ser sorteado. A gente já é patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro. A gente já trabalha todos os dias, enfrentando sol, chuva, vento e enfrentando a fiscalização, podendo perder nossa mercadoria, carregando o peso”, defende a coordenadora-geral do Muca.
Garçons da sarau
Na cidade que tem mais de 450 blocos, alguns deles com capacidade de atrair uma povaréu maior que a população de muitas cidades do país, Maria do Carmo criou uma espécie de sobrenome para os camelôs, os “garçons da sarau”.
“Imagine um conjunto porquê Esfera Preta, que coloca milhões de pessoas na rua, se os bares vão detrás para vender cerveja? Não, quem está ali são os camelôs, servindo bebidas geladas. Somos os garçons da sarau. Tenho certeza de que não existe conjunto sem camelô, e não existe camelô sem conjunto”, diz.
Mas a ambulante vê um contraponto negativo. “A gente não ganha os 10%. Somos aquele garçom que não tem 13º salário, não tem carteira assinada, nem seguro-desemprego”.
Silabário
Por falar em megabloco, o Muca publicou no Instagram uma silabário com orientações para que os “garçons” ajudem na simetria dos desfiles. Entre as dicas, estão recomendações de escoltar os cortejos pelas laterais; evitar garrafas de vidro; levar sacos de lixo; troco; e não olvidar da própria proteção, com hidratação e protetor solar.
Ordem pública
A Riotur, empresa da prefeitura do Rio de Janeiro, que promove o turismo na cidade, explicou à Filial Brasil que todo o processo de cadastramento e seleção dos vendedores autônomos que atuam no carnaval de rua é feito por meio da empresa Dream Factory, ganhadora da licitação para a realização do evento.
Em 2024, o número de credenciados chegou a 15 milénio. Os credenciados recebem um kit com colete, credencial com foto, cordão e isopor com capacidade para 44 litros.
Há também treinamento segmentado, no qual os sorteados passam por palestras obrigatórias sobre noções de posturas municipais, legislação básica, forma de atuação da fiscalização e sobre as vedações e obrigações dos promotores de vendas.
Sobre a demanda do Muca para que ambulantes recorrentes tenham prioridade e não precisem participar de sorteio, a Riotur informou que não efetua cadastro de trabalho permanente.
A Secretaria de Ordem Pública (Seop) divulgou que abriu 250 vagas para ambulantes trabalharem em pontos fixos no entorno do sambódromo, sendo 70 para regulares e 180 para o cadastro suplente.
A Seop informou ainda que realizará operação de fiscalização a ambulantes legalizados e ilegais no entorno do Sambódromo e nos blocos. Durante a inspeção, os agentes verificam a venda ilícito de bebidas em garrafas de vidro, ordenamento e coíbem outras irregularidades quando flagradas.