Acontece nesta sexta-feira (26), nas plataformas de áudio, o lançamento do álbum “Grande Sertão: Luiz Gonzaga” do parelha formado pela cantora Carol Andrade e pelo violonista e arranjador Alex Maia. A dupla fez um filete a filete do trabalho com exclusividade para o Música em Letras (leia no final do texto).
Há muito o matrimônio da cantora Carol Andrade com o violonista e arranjador Alex Maia gera patrimônio de inestimável valor à MPB.
A dupla existe desde 1997, conta com cinco discos e quatro turnês internacionais. A próxima acontecerá em novembro deste ano, na Europa, passando pela França, Bélgica, Holanda, Suíça e Alemanha.
Quanto aos álbuns lançados pelo parelha, vale ouvir os cinco e sentir o propósito de cada um. “Vida Adentro” (2005), primeiro álbum feito pelo duo; “Outras Mulheres” (2013), trabalho solo da cantora, com arranjos, produção músico e violão de seu marido; “Sorria” (2016), outro trabalho autoral de Carol, com arranjos, produção músico e violão de Alex Maia; “Cantiga pra Dois” (2018), trabalho realizado pelo duo; “O Fio da Vida”, (2022), mais um trabalho autoral da cantora, com arranjos, produção músico e violão de seu marido.
O sexto álbum, a ser lançado na próxima sexta-feira, “Grande Sertão: Luiz Gonzaga”, chega trazendo na versão da obra músico de Luiz Gonzaga (1912-1989) a voz de Carol Andrade e o violão de Alex Maia, fundindo -se em arranjos precisos e de extremo bom sabor. Neles, o som cristalino e vigoroso do violão de Alex Maia une-se à bela e clara voz de Carol Andrade, mostrando a profunda intimidade que há entre os dois artistas.
Gravado pelo músico, produtor e engenheiro de som Alexandre Fontanetti, o Fonta, do estúdio Space Blues, em São Paulo, e com mixagem do Varão Morcego, Homero Lotito, o som do trabalho é de altíssima qualidade. Carol e Alex parecem trovar e tocar em letras de forma.
“Esse trabalho mostra um Gonzaga para além do arrasta-pé. No minimalismo da formação voz e violão, descobrimos as sutilezas guardadas na voz e na sanfona de um Luiz que conta a nossa história e representa a nossa gente”, disse Carol Andrade.
No repertório do álbum figuram “Pau de Arara”, de Luiz Gonzaga e Guio de Morais; “Riacho do Navio”, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas; “Assum Preto”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira; “Olha pro Firmamento”, de Luiz Gonzaga e José Fernandes; “Juazeiro”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira; “A Morte do Vaqueiro”, de Luiz Gonzaga e Nelson Barbalho; “Sarau”, de Gonzaguinha; “Súplica Cearense”, de Gordurinha e Nelinho; “Respeita Januário”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira; e “Óia Eu Cá de Novo”, de Antonio Barros.
Segundo Millôr Fernandes (1923-2012), “Quando o matrimônio é por interesse devia se invocar patrimônio”. Verdade absoluta. No entanto, no caso de Carol Andrade e Alex Maia, os dois têm interesse um no outro também porquê artistas, pois cada um sabe ser extremamente respeitosos com relação à música. Em seus trabalhos, além de valorizarem suas talentosas características artísticas, em vários momentos conseguem uma fusão única em meio a harmonias, melodias e ritmos da música popular brasileira sem descaracterizá-las. “Grande Sertão: Luiz Gonzaga” é mais uma prova audível disso.
Outra prova de que o parelha sabe fazer músicas realmente juntos está no filete a filete do álbum pronto pelos dois artistas, que você poderá ler em seguida ver, a seguir, aos vídeos nos quais a dupla interpreta “Respeita Januário” e “Óia Eu Cá de Novo”.
FAIXA A FAIXA DO ÁLBUM ‘GRANDE SERTÃO: LUIZ GONZAGA’
1- “Pau de Arara”, por Carol Andrade
Lisura do álbum. Cantiga de chegada. De qualquer lugar. Sempre me emocionei ouvindo essa cantiga e não sabia o porquê. Hoje, mais conectada com a minha ancestralidade, compreendo a origem desse sentimento -escuto a voz dos meus avós- e é com ela que eu cantei essa filete, muito porquê todo o disco ‘Grande Sertão: Gonzaga’”.
2- “Riacho do Navio”, por Alex Maia
É um restauro muito interessante, no sentido de que a afinação do violão é totalmente modificada pra ter uma tessitura do que eu chamo de um “violão piano” (que é a sexta corda afinada em si e a quinta em fá sustenido) e isso dá a teoria do grave do assobio de um navio. Outro pormenor, é o dedilhado da introdução que simula as águas cristalinas, correndo pelas pedras pra encontrar o Rio São Francisco, que vai espancar lá “no meio do mar”.
3- “Assum Preto”, por Carol Andrade
Em todas as músicas eu tive que fazer transposições de tom, mas nessa aceitei o duelo de trovar no original, pra propiciar o restauro do violão. Tenho graves potentes, mas trovar a música inteira assim não rolava, não vinha clarão. Daí que resolvi trovar somente as duas primeiras estrofes na oitava do Gonzaga e nas outras seguintes brinquei com a voz: na terceira, faço um contracanto -a melodia principal fica no violão- e na última, quina uma oitava supra, atingindo o extremo da minha extensão vocal muito na hora do orgasmo da música, para depois desabar novamente no grave, porquê quem cai em si e aceita a tristeza em silêncio.
4- “Olha pro Firmamento”, por Alex Maia
Na introdução trago a teoria de um realejo -aquela caixinha que tem um pássaro que fica pegando um papelzinho com mensagens e dando para as pessoas nos parques das cidades do interior- e também me inspirei no filme “Paris-Texas”, do Win Wenders, que tem uma música chamada “Cancion Mixteca”, que tem um pouco dessa sonoridade. Nessa viagem, fiz uma conexão entre o sertão de Pernambuco e o deserto do Texas. Um prelúdios ligeiro e valseado, pra depois a gente desabar num frevo rasgado, voz e violão.
5- “Juazeiro”, por Alex Maia
É uma música que tem uma imagem, pra mim, muito clara: uma cena paragem no tempo, onde o ar não circula e onde a paixão da saudade rói -como se diz no nordeste, é uma paixão “roedeira”. Inspirado nisso, eu fiz um som com as cordas, em cima da boca do violão, que não é um acorde especificamente, é um sonido, porquê se estivesse roendo por dentro a saudade e, ao mesmo tempo, fosse o fragor de uma pessoa escrevendo um nome na árvore, porquê diz a letra: “No teu tronco tem dois nome, ela mesma que escreveu”.
6- “A Morte do Vaqueiro”, por Alex Maia
Nessa filete, chamo a atenção para o solo de violão. A letra fala de um vaqueiro que foi morto numa emboscada, e o solo é todo construído em cima da imagem dele tentando fugir dessa caçada. São muitas notas, é polifônico pra caramba, até permanecer numa nota só, que é a hora que o vaqueiro morre solitário e é deixado numa cova a firmamento desobstruído.
7- “Sarau”, por Carol Andrade
Nós tivemos a sorte de apresentar esse trabalho para o grande violonista Paulo Bellinati, antes de gravarmos o disco. Ele, generosamente, nos deu sugestões maravilhosas que fizeram toda a diferença na produção. Uma delas foi iniciar esse restauro somente com voz. “Sarau” é uma cantiga difícil de trovar, com espaços muito curtos pra respirar, mas é simples que eu topei o duelo e acho que deu muito perceptível. A trova do Gonzaguinha chegou com tudo e foi “pegando queima” a cada vez que eu a repetia, inspirada pela surpreendente dinâmica do violão.
8- “Súplica Cearense”, por Carol Andrade
Dissemelhante da versão do Gonzagão, resolvemos deixar essa cantiga em curso mais lento, pra potencializar o drama que essa letra apresenta: “Oh Deus, se eu não rezei recta o Senhor me perdoe, eu acho que a culpa foi desse pobre que não sabe fazer reza”. Acho essa frase, particularmente, a mais dolorida pra mim. A sensação de culpa de um pobre, a fé porquê única resposta para os problemas vividos. Esquina essa música com o libido de expor essa veras, que ainda é a de milhões de pessoas do nosso país, e despertar, em quem vive melhores condições, a noção de responsabilidade social e ambiental.
9- “Respeita Januário”, por Alex Maia
Introdução transcrita da sanfona de Gonzaga para os baixos do violão. Nesse restauro, eu quis substanciar a conexão entre o blues americano e o xote e o baião do nordeste, que tem harmonias parecidas -aquela história da tônica, dominante e subdominante caminhando porquê harmonia- e sempre muito simples, mas com muita personalidade.
10- “Óia Eu Cá de Novo”, por Carol Andrade
Fechamento do álbum… Ou um invitação para escutar tudo novo? Essa cantiga tem a vigor e o bom humor nordestino que envolve qualquer um! Adoro esse momento: “Vai, labareda Maria, labareda Luzia! Vai, labareda Zabé, labareda Raqué!” Ninguém pode permanecer de fora! Logo, vai lá, labareda todo mundo pra escutar o Grande Sertão: Gonzaga!