Muito antes da idealização da novidade capital brasileira por Lucio Costa, o nome do arquiteto já ressoava nos corredores do Província Federalista, neste momento ainda no Rio de Janeiro. Tanto que Gustavo Capanema, na quadra ministro de Ensino e Saúde Pública, o convidou para projetar a novidade sede da pasta, mesmo depois um concurso ter sido vencido por outro candidato.
A missão foi aceita com uma exigência. Le Corbusier, ousado arquiteto modernista nascido na Suíça e naturalizado francesismo —que Lucio ainda não conhecia pessoalmente—, seria o consultor.
Assim, em 1936, começa uma intensa troca de correspondências entre Lucio Costa e Le Corbusier —ambos com as iniciais LC—, que se mantém por décadas. Boa secção dessas cartas, além de telegramas e postais, com os elogios, as discordâncias de projeto e as acusações de falsa autoria e não pagamento de honorários, estão agora reunidas e traduzidas no livro “Lucio Costa Le Corbusier: Correspondência”, recém-publicado pela editora Muito-Te-Vi.
“Tiveram muitos encontros, desencontros e ‘tretas’, e é importante que isso venha à tona de modo cristalino. Nascente é o grande serviço do livro”, diz Julieta Sobral, designer, pesquisadora e neta de Lucio Costa, que organizou a edição junto com a arquiteta Claudia Pinho. “Queria que as pessoas tivessem aproximação à manancial primária daquele diálogo.”
Além das cartas, a obra reúne textos que dissecam o teor das correspondências. “É importante incluir os textos para que leste livro funcione para gerações que não têm o mesmo contato com ambos”, afirma Sobral.
Nas mensagens, fica evidente a profunda espanto de Lucio Costa por Le Corbusier —em suas palavras, dirigidas ao suíço, um “arquiteto de uma originalidade desconcertante aos olhos de seus contemporâneos”. Ainda assim, o brasílio não se entrega porquê um fã incapaz de contrariar seu ídolo.
Em alguns momentos, ele assume um tom firme quando defende a preço de sua própria taxa para o projeto do Ministério de Ensino e Saúde Pública —atual Palácio Capanema—, ao lado de conterrâneos. “Você vê na relação que o Lucio não é subserviente. O livro é muito decolonial”, afirma Sobral.
Affonso Reidy, Carlos Leão, Jorge Moreira e Ernani Vasconcellos, arquitetos que também assinam o projeto do ministério, são figuras presentes nas correspondências. No entanto, na ordem cronológica das cartas, o mais citado por Lucio e Le Corbusier é o jovem promissor Oscar Niemeyer.
Nem sempre é fácil perceber a preço dos momentos históricos em que vivemos. Lucio Costa e Le Corbusier, ao contrário, tinham a crença de que a arquitetura moderna mudaria o perfil estético e todo o noção de sociedade. O brasílio não hesitava em usar palavras porquê “medíocre” e “incapaz” para definir uma escol que ainda não valorizava a genialidade de Le Corbusier.
Dos projetos nas correspondências, muitos não se concretizaram. A Lar do Brasil —Maison du Brésil—, na cidade universitária de Paris, é uma feliz exceção. Quando Lucio sugere ao suíço que presenteie os brasileiros com um mural para o projeto, Le Corbusier é decisivo: “O Brasil é pobre, mas eu sou mais pobre ainda”.
Acontecimentos do período tangenciam as cartas, porquê a subida do fascismo na Europa, a increpação de Getúlio Vargas e, simples, a construção de Brasília. Durante a Segunda Guerra, há um hiato. Não há certeza do motivo, mas é verosímil que a própria dificuldade logística fosse um empecilho grande.
O esforço das organizadoras do livro teve a colaboração da Instalação Le Corbusier para reunir os dois lados da conversa. “O próprio escritório do Le Corbusier tinha tudo organizado. O [que pertencia ao] Lucio não. Estava ali naquele caos de papel que era o apartamento dele”, diz Sobral.
Além dos projetos arquitetônicos, Lucio escreve ainda sobre viagens de suas filhas Maria Elisa Costa e Helena e sobre a morte de sua mulher, Leleta. Maria Elisa é a autora de um texto editado antes das cartas, que expande essa dimensão pessoal da obra ao compartilhar lembranças da relação da família Costa com Le Corbusier.
As últimas palavras que Lucio Costa escreveu para Le Corbusier datam de 1965, ano em que o arquiteto suíço morreu afogado, em um lago na França.