Caxtrinho Canta Sobre A Periferia Do Rio Em Queda Livre

Caxtrinho canta sobre a periferia do Rio em Queda Livre – 11/11/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

É um “Menino do Rio”, mas outro menino, outro Rio: “Prego ’n’ chinelo/ E a tactel/ Pleno de marra/ Cria de Bel/ (…) Boné pra trás/ É menestrel/ Cabeça feita/ Cria de Bel”. Fita de introdução de “Queda Livre”, álbum de estreia de Caxtrinho, a melodia “Cria de Bel” apresenta em poucos segundos o originalíssimo universo do artista.

Ali, o cantor e compositor desenha, sob um suingue de métrica irregular porquê o asfalto da avenida Brasil, cenários periféricos e personagens que ele já definiu porquê “figurantes”. São eles que se espalham, com a organização caótica de metrópole, pelos quase 30 minutos do disco.

Preto, com 25 anos, Caxtrinho é, ele mesmo, um “cria de Bel” —Belfort Roxo, município da Baixada Fluminense. A perspectiva original de quem vê o mundo de fora do núcleo —ou melhor, de um núcleo próprio, deslocado da zona sul— somada à musicalidade fina e violenta de seu violão e de suas composições atraíram a atenção de outros criadores que atuam nas franjas da música popular.

“Queda livre” tem em sua ficha técnica nomes porquê Ana Frango Elétrico, Vovô Bebê, Preto Leo, Tori, Bruno Schiavo e Romulo Fróes.

Caxtrinho vem de família músico, do pai que só sai de mansão com tamborim em punho para o caso de encontrar um samba pelo caminho, dos tios que tocam banjo e violão e, sobretudo, do avô músico profissional —o maestro, compositor e percussionista Nilton Castro, que vive na França desde a dez de 1960 e lançou discos porquê “Mes Mains” e “Rhythm and Soul”.

Porém, sem conhecidos na indústria fonográfica, sem amigos influentes, plebeu na namoro do Rio, o artista começou sua passeio na selva de anônimos do Instagram, postando para poucas curtidas vídeos curtos com suas composições estranhas e instigantes. “Cria de Bel”, aliás, já estava nessa primeira safra, assim porquê “Vó Promessa”, tema instrumental que fez para sua avó, e “Rolé na B2”, todas presentes em “Queda Livre”.

“Eu postava os vídeos para não olvidar as músicas, porque sempre fui um face que fiz muita música”, lembra Caxtrinho. “Um dia, Vovô Bebê [músico, compositor e produtor] viu um desses vídeos e passou a me seguir. Começamos a conversar e, num desses papos, ele propôs gravar um disco com minhas músicas. Isso foi em 2019.”

Caxtrinho e Vovô Bebê deram início à gravação do que seria um EP, mas foram interrompidos pela pandemia. Quando voltaram, o QTV Selo convidou o artista para que ele fizesse um disco. Os dois projetos se juntaram no que viria a ser “Queda Livre”, que tem produção de Vovô Bebê e Eduardo Manso.

O álbum, que traz na revestimento uma pintura de Arjan Martins, carrega no nome sua síntese de caos e liberdade. É livre, mas é queda; é queda, mas é livre. “A sentença resume a experiência do disco”, explica Caxtrinho. “A queda livre não deixa você ter a expectativa de porquê vai ser quando você se estabacar no pavimento.”

A musicalidade de queda livre de Caxtrinho, com ginga de cria de Bel, dribla classificações. Há um diálogo com o trabalho de artistas próximos, porquê Preto Leo, Ana Frango Elétrico, Passo Torto e Ava Rocha. Mas é verosímil traçar ligações com escolas experimentais da MPB, porquê Jards Macalé, Luiz Melodia e Itamar Assumpção. Ou com o olhar poético de Aldir Blanc sobre o precário, o cotidiano desprezível e desprezado.

Seu violão carrega o fascínio pelo samba-canção de harmonias ousadas de Johnny Alf, pelos modalismos de Milton Promanação, pelos barroquismos do João Bosco inicial e pelo lirismo cru de Almir Guineto. A presença da umbanda em sua vida —ele é ogã— também não pode ser ignorada.

“Quando eu comecei não conhecia João de Aquino, Marku Ribas e mesmo Itamar, que foram caras nos quais me encontrei muito”, conta Castrinho. “Mas se fosse falar de uma referência meão para minha música, citaria um percussionista. Um Djalma Corrêa, um Naná Vasconcelos, o meu avô.”

Em nove música suas, só ou com parceiros —e uma assinada por um deles, Kau, sozinho—, Caxtrinho fala de situações ao mesmo tempo vulgares e plenas de potencial dramático. “Sinistro na Pista” descreve um acidente na BR-101: “Quem viu, gritou amém/ De longe ouviu-se um plém”.

Uma ida à favela B2, na zona setentrião, inspira “Rolé na B2”, melodia contemplativa, fluxo de pensamento que abarca maconha e o pregão dos camelôs do trem: “Piraquê três real, vai levar dois por cinco/ Ficou bonito comparar-te/ Com a promoção dos chocolates”.

Em muitas das canções, a presença de um antagonismo é marcada —o antagonismo da branquitude. À personagem-título de “Branca de Trança”, ele diz: “Não te vi sambar no pé/ (…) Vai tirar essa porra que eu não te dei essas crédito/ (…) Se subir o morro, vai ter pressão/ As preta não vai entender legítimo, não”.

Em “Brankkkos”, ele canta com Preto Leo a figura que descreve com desprezo, em fragmentos: “Shitpost, empresa do pai/ Xbox meritocrático/ Círculo do Telles ou Villa Mix/ Facul de odonto, tão midiático”.

“Não estou falando do face que é progénito de português, mora em Pilares e tem um carrinho na garagem”, diz Caxtrinho. “Tô falando da pessoa que tem o poder de mudar a sua vida num estalar de dedos. E a gente sabe por que esse face tem esse poder. Ele é neto de um escravocrata que era fruto de outro escravocrata. E assim sucessivamente. Portanto não tem porquê eu transmitir a mensagem de um preto guloseima porque o lugar do preto hoje não te dá essa capacidade de ser um preto guloseima.”

Uma vez que ele avisa ao playboy em “Papagaio”, “quem me segue tem que ter atividade”.

Folha

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