Em setembro, o evento de comemoração de um ano da Novo Affair juntou 4.000 fãs de música eletrônica no espaço Komplexo Tempo, na Mooca, zona leste de São Paulo. A sarau é segmento de um movimento do underground da capital para revitalizar a house music, gênero de pista que tem o balanço e o groove da disco music, sem perder a tenacidade de batidas.
O gênero começou numa formato não tão dissemelhante da sarau no Komplexo, em eventos que aconteciam no galpão The Warehouse, em Chicago, nos Estados Unidos. Segundo o jornalista Simon Reynolds no livro “Energy Flash”, o The Warehouse, que deu o nome ao ritmo, era um clube preto e gay onde os DJs começaram a testar editar canções da disco music, recortando e recombinando material que eventualmente se transformou nas quatro batidas de bumbo características do house.
Outros elementos, uma vez que piano e chimbais, foram adicionados com o tempo e também são muito presentes no house, que se tornou ponto de partida para a música pop em muitos momentos. Nos últimos anos, artistas uma vez que Dua Lipa e Beyoncé fizeram discos celebrados com toques de house.
Nas pistas do undeground paulistano, o gênero também voltou ao meio das atenções depois o techno, forma mais quadrada e pesada de música eletrônica, ter subjugado por anos.
“Eu acho que essa viradela veio com força depois da pandemia, com o retorno das festas”, diz Jazon Oliveira, um dos fundadores da Novo Affair, junto com Lucas Araque e Gabriel Lopes. A house é principalmente o mote para as escolhas de line-up do evento. “As pessoas estão detrás de ouvir sons mais alegres.”
Enxurrada de groove e, muitas vezes, com vocais femininos animados e a soma de diversos instrumentos, o house music é um dos subgêneros mais acessíveis e atrativos da música eletrônica. “Acho que isso cria uma identificação maior, fica mais fácil para as pessoas ‘pegarem'”, diz Mirands, DJ que fez um set na sarau de um ano da Novo Affair e tocou em todas as outras sete edições da sarau.
Originalmente de Salvador, Mirands era um DJ que tocava ritmos uma vez que R&B e moonbahton antes de se mudar para São Paulo e entrar em contato com a cena eletrônica. “Para mim, sarau de música eletrônica era um envolvente muito branco. Mas quando comecei a frequentar e saber os trabalhos de outras pessoas pretas, uma vez que o [cantor e performer] Loïc Koutana, fiquei impressionado. E também fui muito cativado pela vibe do house.”
Hoje, Mirands constrói seus sets em volta do house, mas também trabalha com uma mistura de funk, disco e hip-hop. O baiano é residente da Batekoo, sarau que se desenvolveu em produtora de eventos e festivais de sonoridade preta e periférica num universal.
A história da house music é negra, mas o gênero sofreu um processo de embranquecimento no mainstream. Hoje em dia, em festivais uma vez que o gigante Tomorrowland, o house e seus subgêneros são presentes, mas os artistas negros são minoria. Na edição brasileira do festival neste ano, que aconteceu no mesmo término de semana da Novo Affair, nenhum dos 15 headliners era preto.
Para Mirands, a tentativa de “tornar o house preto de novo” (ou “make house black again”, folgança que se tornou estampa de camisetas e bonés), por enquanto, se restringe somente ao underground.
A DJ e produtora Paulete Lindacelva, que começou a lucrar destaque em clubes e festivais paulistanos nos últimos anos por sua intimidade com o house, relata que a experiência em espaços cada vez mais comerciais é dissemelhante das festas menores.
“Percebo que a falta de alcance das pessoas que frequentam esses lugares acaba penalizando quem está por trás mostrando seu trabalho”, diz a artista. “São pessoas que não se preocupam muito de entender quais os contextos, quais as narrativas que contribuíram para que essas sonoridades hoje existam.”
Em julho deste ano, Paulete lançou seu primeiro trabalho de estúdio, o EP “Guabiraba Chicago”. O título faz referência ao bairro onde morava, no Recife, e à cidade de origem da house music. “Quando eu me aproximo de uma vez que o house surgiu, me dá uma espécie de saudosismo de alguma coisa que eu não vivi mas que me interessa muito, esteticamente e politicamente”, diz. “E na Guabiraba, mesmo que com outras sonoridades, também existia esse envolvente de dança, de corpos LGBT. Achei que era o momento de aproximar esses dois lugares.”
Para Paulete, a volta do house é proveniente numa pista que sempre se renova. “Na minha opinião, nunca houve um declínio dessas sonoridades da dance music. Mas estamos num momento específico em que os corpos, as figurinhas da pista, estão olhando para essa sonoridade.”
Além da Novo Affair, os dois DJs destacam festas uma vez que Pista Quente, Sangra Muta e Dando uma vez que espaços que também estão apostando no house, e em diversas outras sonoridades também fluidas e mais groovadas. “São eventos que estão reunindo as coisas do agora”, afirma Paulete.