Cerco ao funk tem a ver com raça e renda, dizem estudiosos – 21/12/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

No rastro da polarização política que inflamou debates por todos os lados, o Brasil tem enfrentado uma crescente vaga de exprobação às artes. Expressões antes consideradas comuns, uma vez que o teor de viés sexual exibido com normalidade em atrações da TV que marcaram idade, agora são intuito de críticas, com grupos de diferentes inclinações políticas, à direita e à esquerda, buscando silenciar as manifestações artísticas, sobretudo aquelas criadas por pretos, pobres e a comunidade queer.

Essa última dezena viu lucrar espaço no debate público a novidade direita, que trouxe consigo as chamadas pautas de prática. Temas relacionados a sexualidade, raça, gênero e puerícia tomaram protagonismo no debate público.

Para boa segmento dos artistas, muitos dos quais têm uma vez que profissão cutucar certas feridas e rir dos nossos costumes, esse novo cenário significou um escrutínio sem precedentes, intensificado pela virulência das redes sociais.

Uma segmento da população vê na Lei Rouanet um sinônimo de pilantragem. Do Estado, passaram a vir liminares proibindo apresentações e vestígios. Mais tarde, entraves administrativos passariam a dificultar a captação de recursos baseados em leis de incentivo à cultura.

Isso foi o que aconteceu para uma segmento da classe artística brasileira. Para artistas que vêm das periferias do Brasil, no entanto, essa mão de ferro, ora vinda do Estado, ora vinda da sociedade, é uma ordenado já há um bom tempo, muito antes do ano de 2017.

“Em alguns momentos da história, o Estado conseguia simultaneamente estimular algumas linguagens e perseguir artistas dessas linguagens”, diz Guilherme Varella, professor da Universidade Federalista da Bahia e membro do Móbile, o Movimento Brasílico Integrado pela Liberdade de Frase Artística.

Um exemplo clássico é o samba, afirma o professor. Se, por um lado, o Estado usava o ritmo uma vez que signo de ufanismo e homogeneização vernáculo, “havia uma lei da vadiagem que perseguia os sambistas, além de uma ação policial muito potente para tentar dissolver os núcleos ‘vagabundos’ do samba”, ele diz.

Se, no início do século 20, sambistas eram repreendidos sob acusações de “vadiagem”, hoje o intuito principal é o funk. Praticamente desde que surgiu, o ritmo carregou consigo estigmas negativos. O ano era 1992, e as praias da zona sul do Rio de Janeiro eram palco dos chamados “arrastões” —grupos de jovens das periferias da cidade protagonizavam assaltos em volume nas praias, tirando o sossego dos mais endinheirados.

Geralmente, eram legiões rivais de comunidades diferentes da cidade, que marcavam de se enfrentar na areia —os episódios eram tanto uma prática criminosa quanto uma guerra por sua presença ali. A polícia intervinha, e, no dia seguinte, palavras uma vez que “pânico”, “desesperança” e “violência” estampavam as páginas dos jornais brasileiros.

“Começou a noticiar ali nos anos 1990 que os culpados pelos arrastões eram os funkeiros”, diz Juliana Bragança, historiadora e autora do livro “Recluso na Gaiola: A Criminalização do Funk Carioca nas Páginas do Jornal do Brasil”.

“Para determinados setores da população, pouco importa se o governo da ocasião é de esquerda ou de direita”, afirma o legisperito Danilo Cymrot, responsável do livro “O Funk na Batida”. Ele dá o exemplo da Lei de Drogas de 2006, promulgada no primeiro procuração de Lula, que em sua visão contribuiu para o aumento do encarceramento em volume.

“Ou por outra, foi um governo de esquerda, do presidente Lula, que mandou as Forças Armadas dominarem as favelas do Rio de Janeiro”, acrescenta, sobre o processo de implementação das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, no início da dezena passada. Os comandantes chegaram a proibir bailes funk em determinadas favelas. Em alguns casos, uma vez que o da Rocinha, o funk foi proibido, mas as festas de forró, não.

“O governo, evidente, não tem controle sobre tudo, inclusive sobre o poder Judiciário. Mas eu diria que grande segmento dos MCs que tiveram problemas com a Justiça aconteceu ao longo de governos de esquerda.

Depois, com um governo de direita, não mudou”, diz Cymrot, também pesquisador. “A gente está falando de uma população que há séculos é intuito preferencial do sistema penal.”

Os leões do funk estão de volta

Faltava pouco mais de uma semana para o Natal. Naquela quarta-feira de 2010, ano da ocupação do Multíplice do Teuto, Wallace Ferreira da Mota acordou ouvindo pancadas na sua porta. Era a polícia.

“Meu rebento não vai crer que estou te prendendo”, disse um dos homens. “Porquê é que é?”, disse Ferreira da Mota, que ouviu de volta “você está recluso”.

Ferreira da Mota, que na idade morava no Multíplice da Penha, no Rio de Janeiro, é MC Smith, funkeiro possuinte de faixas uma vez que “Vida Bandida”. Ele integrou o elenco do filme “Teuto”, indicado ao Emmy Internacional, junto de Caio Blat e Cauã Reymond. É de Smith a música “Vida Bandida 2”, que guia a trilha sonora do trailer do longa.

Há 14 anos, o artista foi recluso junto com os MCs Tikão, Frank e Max. Em geral, todos eram expoentes do chamado funk proibidão, que costuma tocar em assuntos uma vez que armas, crimes e facções.

Eles foram acusados de fazer apologia do tráfico de drogas e de associação com o transgressão. “Esses MCs trazem os jovens para o tráfico ao enaltecer o uso de armas, o roubo, o transgressão, incentivar a violência contra a polícia e enaltecer a partido criminosa”, afirmou a delegada Helen Sardenberg, à Mundo, na idade.

Eles foram soltos menos de dez dias depois, na véspera do Natal. O portanto ministro Ari Pargendler, do Superior Tribunal de Justiça, determinou que os artistas não poderiam permanecer mais de cinco dias presos pelo roupa de o transgressão de apologia não ser hediondo.

“A gente ficou muito queimado nessa idade”, diz Ferreira da Mota. Com o tempo, o funkeiro passou a receber convites para apresentações em festas de 15 anos, casamentos e ainda as festas promovidas por prefeituras. MC Smith conta que, quando os contratantes viam que ele já tinha sido recluso, retiravam o invitação. “Isso dói um pouquinho”, ele lembra, anos depois. “Aí todo mundo falou ‘agora eu não posso mais falar de guerra, agora a gente tem que falar uma coisa mais tranquila’.”

Hoje, o subgênero de funk com o qual começou a curso, o proibidão, “está falido”, diz MC Smith. “Hoje o trap tomou nosso espaço. Eles chegaram vagarosamente, mas tomaram nosso espaço”, acrescenta, falando sobre a novidade vertente do rap. Segundo ele, os artistas do trap vêm, em universal, de famílias com condições melhores que as dos funkeiros do pretérito —e isso teria sido fundamental para a estruturação da predominância do gênero.

O caso não é exatamente uma exceção entre os funkeiros de proibidão. Na mesma idade, MC Galo foi recluso por associação ao tráfico. “Não bastasse a linguagem chula, ela enaltece a atividade do tráfico, enaltece o poderio bélico do tráfico”, disse o solicitador do caso, Fernando Veloso, à TV Record na idade.

Casos semelhantes aos de MC Smith e MC Galo não são exatamente coisa do pretérito. Em 2020, MC Poze do Rodo foi recluso indiciado de integrar a maior partido criminosa do Rio de Janeiro, incitar a violência, promover o grupo criminoso e participar de shows pagos pelo tráfico. Meses antes no ano pretérito, o DJ Rennan da Penha foi sentenciado, em segunda instância, por associação para o tráfico de drogas —o que ele nega.

Em 2023, na Baixada Santista, um jovem de 21 anos foi recluso por culpa de uma música em que ironiza a morte de um policial. Posteriormente uma semana, postou um vídeo se desculpando. “Estou compungido de coração. Sou uma pessoa de muito, trabalho, sonho em ser MC.”

“Porquê a pena de prisão é a mais grave, você tem que ter muito mais garantias processuais do que você teria se estivesse sendo processado no contextura trabalhista ou cível. A pessoa tem que ser acusada por uma conduta bastante clara e objetiva”, diz Danilo Cymrot, o pesquisador.

A apologia está entre os chamados crimes contra a silêncio pública e, diferentemente de um homicídio ou roubo, não tem resultados tão objetivos. “Porquê você sabe se a silêncio pública foi violada? Para algumas pessoas pode ter sido e, para outras, não. A tradução vai variar conforme a pessoa que está lendo.”

“Por isso que é tão importante ter uma democratização do poder Judiciário. Se todos os juízes vêm do mesmo estrato social, vão julgar conforme os valores da sua classe, do seu grupo”, afirma Cymrot, que também é legisperito.

Volta e meia o Legislativo também tenta produzir leis que criminalizam o funk. Em 2017, o Senado recebeu uma sugestão legislativa com esse objetivo. Aproximadamente 50 milénio cidadãos votaram em prol do projeto. A sugestão foi rejeitada pela Percentagem de Direitos Humanos e Legislação Participativa.

Em 2020, a deputada Katia Sastre, do PL, apresentou um projeto de lei que acrescentava detalhes aos artigos do Código Penal sobre incitação e apologia de transgressão. O texto sugerido era “incorre nas mesmas penas aquele que se utiliza de manifestações artísticas para a prática do transgressão previsto neste cláusula”. O projeto não foi para frente.

Eu e o meu eu lírico

“Me parece que há uma dificuldade muito grande de algumas pessoas entenderem o que é o eu lírico, o que é uma fantasia, o que é um registro, o que é um relato, o que é uma música a partir das experiências de outras pessoas e o que é uma veras de roupa”, afirma a historiadora Juliana Bragança, autora do livro “Recluso na Gaiola”, sobre a criminalização do funk. De entendimento com ela, o processo de criminalização e a tentativa de exprobação do funk tem muito mais a ver com quem produz, quem consome e onde está o funk do que com o teor das letras propriamente dito.

“Se fossem outros artistas, em outros ritmos, mas com oração semelhante, será que iam encontrar que o artista estava vivendo aquilo que ele estava cantando?”, ela questiona. “Não tenho dúvidas de que a exprobação que o funk sofre tem uma categoria de racismo e classismo.”

“Aquilo é uma obra de arte, portanto tem muito de fantasia. E, evidente, muitas vezes as letras são inspiradas em fatos reais. Mas o artista muitas vezes exagera, mistura ficção e veras, pega a história de uma outra pessoa e canta uma vez que se fosse a própria história”, diz Cymrot, para quem a principal dificuldade que o funk tem é justamente se declarar uma vez que uma obra artística que deve, portanto, ser respeitada pela sociedade.

“O Brasil precisa amadurecer a noção de liberdade artística tanto no campo cultural e artístico quanto para as autoridades, no institucional”, diz Guilherme Varella, da Universidade Federalista da Bahia.

Segundo Varella, as noções de liberdade de prensa, cátedra e revelação já foram mais desenvolvidas na sociedade e nas instituições brasileiras. “No entanto, a liberdade artística ainda é incipiente do ponto de vista do seu desenvolvimento jurídico. Fala-se muito pouco, discute-se pouco.”

Quando esse recta fundamental entra em conflito com outros direitos que são mais tradicionalmente desenvolvidos, a liberdade artística é subjugada. Outros argumentos, normas e leis acabam sendo usados para tentar fazer sucumbir a liberdade artística —e aí a corda arrebenta do lado mais fraco.

Ao longo da última dezena, foram vários os exemplos desse desequilíbrio jurídico para além do universo do funk.

Há sete anos, a mostra “Queermuseu”, em Porto Feliz, foi cancelada em seguida ter sido acusada de pedofilia e blasfêmia.

Há murado de três anos, em Juiz de Fora, em Minas Gerais, um vereador bolsonarista, Sargento Mello Parelha, do PL, encabeçou uma ação popular que pedia o fechamento da exposição “Democracia em Disputa”, com obras na frente do Núcleo Cultural Bernardo Mascarenhas.

A exposição reunia fotografias de momentos da história brasileira, uma vez que a ditadura militar, a campanha das Diretas Já e o impeachment da presidente Dilma Rousseff, do PT. O juiz argumentou que os painéis expostos aviltavam a propriedade pública —o imóvel é tombado pelo patrimônio municipal.

Há dois anos, o ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, classificou uma vez que propaganda eleitoral manifestações de Pabllo Vittar em prol de Lula no palco do Lollapalooza, em São Paulo, numa decisão que ameaçou fechar o festival e depois foi revertida.

A peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Firmamento”, em que a atriz travesti Renata Roble interpreta Cristo, chegou a ter as suas apresentações todas canceladas depois de decisões judiciais.

A performance “La Bête”, de Wagner Schwartz, foi intuito em 2018 de protestos e ameaças em seguida uma rapaz tocar a canela do artista, que fica nu durante o espetáculo. Schwartz teve de ir até a delegacia para prestar testemunho.

“O Avesso da Pele”, romance de Jeferson Tenório que discute o racismo, acabou sendo retraído de escolas no país.

Bandida

MC Carol diz que algumas pessoas, quando entram em seu camarim em seguida um show, levam um susto. Há quem pergunte se ela está passando mal. “Porque eu sou uma pessoa calada, quieta. Não xingo em mansão, sabor de silêncio. Moro num lugar zen, silêncio”, diz a artista, fazendo um sinal de silêncio e paixão. Já no palco, diz, ela incorpora um personagem “que bebe, fuma, gosta de fragor, bagunça”.

Apesar de não ter sido presa, ela conta já ter se sentido perseguida. Ela lembra que circulava em grupos de WhatsApp de policiais de Niterói, no Rio de Janeiro, uma foto sua em que portava uma arma cenográfica, nos bastidores de um videoclipe que havia gravado. Ela portanto foi paragem numa blitz do Tropa —era idade de mediação federalista no estado e Carol se lançava na política.

“Eram tipo dez fuzis apontados para para mim. Eles estavam xingando muito, agressivos, todos encapuzados. Queriam esculachar, botar terror. Tanto que nem revistaram o sege”, conta. Mal a liberaram, ela diz que um deles cantou “Jorginho me Empresta a 12”, uma de suas músicas mais famosas.

“Só que, quando liberaram a gente, ficaram nos seguindo”, diz ela, que se dirigiu a uma região próxima à praia, onde haveria câmeras de segurança. “Fiquei esperando, sem saber para onde ir.”

Mesmo concordando que os funkeiros homens são os alvos preferenciais das prisões e de ações mais truculentas da polícia, Carol diz que a liberdade de sentença artística é ainda menor para as mulheres no funk. Isso porque, ela afirma, as artistas não costumam ter o mesmo espaço que os homens tanto no funk quanto no trap. “Elas não podiam nem estar nos lugares, subir no palco. Quantas mulheres talentosas que cantam funk, trap, não têm oportunidade porque o mercado só dá oportunidade para os homens?”, questiona a artista.

“Quando eu comecei, não tinha funk em matrimónio, em sarau de 15 anos, no Rock in Rio, no Lollapalooza”, diz ela, que se apresentou no Rock in Rio pela terceira vez neste ano. “Consigo ver uma melhora. Só que existe muito para melhorar. Eu não vou me contentar com o que melhorou. Quero estar no mesmo patamar que os caras estão.”

Colaborou Yuri Eiras

Folha

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