O Chafariz da Misericórdia, construído em 1792 no Largo da Misericórdia, no núcleo de São Paulo, pelo arquiteto Joaquim Pinto de Oliveira, publicado uma vez que Tebas, é considerado a tentativa mais remota de embelezamento público da cidade. A obra foi uma grande revolução para a estação, pois trazia chuva potável para a população, além de ter um efeito estético.
O monumento não era tombado pelo patrimônio histórico e foi retirado no início do século 20 e depois disso há tentativas de recolocá-lo no idoso lugar, mas o poder público parece ignorar a valor da obra e da sua função: ter chuva para as pessoas que por ali passam.
Os chafarizes nos séculos passados eram locais de sistema de fornecimento de chuva e ponto de encontro que causaram incômodo no poder público. O coordenador do Instituto Tebas de Instrução e Cultura, o redactor Abilio Ferreira lembra que a população escravizada era quem utilizava o recurso da chuva. “A cidade tinha problema de fornecimento, uma vez que ocorre hoje”, ressaltou, em entrevista ao podcast Guia Preto.
Com quatro torneiras e talhado em pedra de cantaria, uma grande modernidade para a estação, o chafariz tinha formato de pilão e aparece em aquarela e figura de pena de José Washington Rodrigues. “É uma mostra de que a São Paulo urbana do período colonial, tem a marca do Tebas, que renovou sua paisagem”, ressalta o redactor que tem um livro sobre o arquiteto. Há ainda uma foto de Militão Agusto de Azevedo que registra a obra.
Tebas nasceu em Santos e foi escravizado pelo português Bento de Oliveira Lima, um publicado rabino de obras com quem teria aprendido o ofício de arquiteto. Com Lima, ele veio para a cidade de São Paulo detrás de melhores oportunidades de trabalho, numa estação de ebulição da construção social.
Conquistou a libertação aos 58 anos e trabalhou para diferentes irmandades de igrejas: do Carmo, Franciscana, além do Mosteiro São Bento e de ter feito a frente da segunda versão da Catedral da Sé (atualmente é a terceira versão que está em pé). Uma estátua homenageando o arquiteto foi construída em 2020 na Rossio Clóvis Beviláqua, na Sé, em frente à Igreja da Ordem Terceira do Carmo, sendo executada por pessoas negras uma vez que o artista Lumumba Afroindígena e a arquiteta Francine Moura.
O chafariz voltou ao cenário urbano em uma réplica na Jornada do Patrimônio, evento promovido pela Secretaria Municipal de Cultura, em 2019 e novamente tinha chuva potável disponível para a população e continuou sendo bastante útil, em uma região com pessoas em situação de rua, trabalhadores de transacção e transeuntes diversos. A chuva disponível virou uma sarau e foi uma vez que se o século 18 estivesse ocorrendo ali novamente.
Ausente do Largo da Misericórdia, o chafariz é um testemunho da São Paulo colonial e foi um sítio responsável pela identidade do povo paulistano, uma vez que era lugar de reunião de pessoas que iam até o sítio abastecer as casas de chuva. “Ali se reuniam muitos africanos, sobretudo do grupo linguístico banto e indígenas. Era um lugar de sociabilidade, conflito, de conspiração, sempre sob vigilância do Estado para evitar rebeliões”, ressalta Abilio Ferreira.
O próprio sobrenome do arquiteto, Tebas, significa, pessoa empoderada, e a vocábulo tem origem quimbundo segundo o Houaiss e na internet aparece uma vez que de origem tupi. “Não sabemos se vocábulo já existia antes e apelidou o arquiteto ou se a existência dele, é que fez isso virar sinônimo de ‘quem é bom no que faz’”, ressalta o redactor.
O chafariz foi contratado pela Irmandade da Misericórdia, que além da antiga Igreja da Misericórdia, da qual era vizinho, estava espalhada pela cidade, uma vez que é o caso da Santa Morada da Misericórdia. Hoje, o Prédio Misericórdia, localizado em frente ao largo onde ficava o chafariz, ganhou uma exposição sobre o idoso monumento e uma remontagem feita com resíduos do próprio prédio que pertence à construtora Somauma. O sítio será transformado em moradias. Entre 14 de março e 28 de abril, o prédio serviu de palco para a DW, a Design Week. Murado de 20 milénio pessoas já visitaram a mostra, que foi estendida até agosto.
“O chafariz foi uma inovação sem precedentes, feita por um varão preto escravizado e que movimentou o núcleo da cidade em todos os aspectos, trazendo recenseamento de comunidade, troca de informação, projecto de fugas, paquera”, lembra Bia Vianna, curadora de variação e inclusão do Prédio Misericórdia.
Para ela a volta do monumento, traria novo movimento em uma região que já abriga a Morada de Francisca – que tem feito apresentações musicais no calçadão. “Seria um ponto turístico e funcional. O Núcleo é posto uma vez que lugar ermo e perigoso, porque há pouca circulação em determinados horários e lugares. Traria vida e seria uma reparação histórica”, considera.
Não está nos planos
Com um investimento de R$ 63 milhões, a Prefeitura de São Paulo está neste momento requalificando 23 calçadões do Triângulo Histórico da capital. “A iniciativa procura revitalizar a região e promover funcionalidade, mobilidade e acessibilidade para todos”. A previsão é que os trabalhos sejam concluídos até outubro de 2024, quando ocorrem as eleições municipais.
A reforma dos calçadões abrange uma espaço de 63 milénio metros quadrados, que inclui o Largo da Misericórdia (no intercepção das ruas Quintino Bocaiuva, Direita e Álvares Penteado), e consiste na troca do pavimento, aumentando sua resistência ao tráfico, instalação de novo mobiliário urbano, com áreas de convívio, sinalização turística, iluminação funcional e cênica de edifícios históricos, renovação da infraestrutura subterrânea de drenagem. A estimativa da prefeitura é que muro de 2 milhões de pessoas circulem diariamente pelo núcleo histórico.
Já a recolocação do Chafariz do Tebas, uma vez que ficou publicado, “não está nos planos, pois não há materiais e informações suficientes para sua reprodução, de modo a não se fabricar um falso histórico”, de concordância com a Secretaria Municipal de Cultura, via Departamento do Patrimônio Histórico.
Abílio Ferreira, no entanto, reforça que o chafariz hoje continua tendo a mesma função do século 18: democratizar a chuva potável. “Há informações suficientes (para ser refeito) e a sociedade pode ser envolvida. Se reproduziu cenograficamente pode ser reproduzido de maneira definitiva”, afirma, rebatendo a versão do poder público. “Se o chafariz voltasse seria uma mediação de valor estratégica para a cidade, humanizando-a, uma vez que não há outros chafarizes com chuva potável, seria uma inovação e um trabalho pela memória”, defende o redactor.