A tradução para o inglês de “Estorvo” obrigou Chico Buarque a passar uma semana em Londres “brigando com o tradutor.”
“Cá na Inglaterra, o tradutor, o Peter Bush, foi um prodígio porque ele não fala português”, contou Chico à BBC News Brasil em 1992.
No final daquele ano, o cantor e compositor esteve em tour promocional pela Europa para vulgarizar o lançamento, em vários países, de seu primeiro romance, “Estorvo”, lançado no ano anterior e traduzido, logo, para dez idiomas.
Na conversa com os jornalistas Maria Helena Carone e José Antonio Arantes, gravada no moca do Hotel Waldorf, no meio de Londres, em 29 de dezembro, Chico relatou os percalços que enfrentou acompanhando a tradução para o inglês de seu livro de estreia —e a dificuldade de descobrir o título adequado em línguas em que a termo “estorvo” não existe.
Chico também comentou as críticas que o livro recebeu em países uma vez que Holanda e Itália e fez um balanço da experiência uma vez que noticiarista.
Ele suspendeu a curso músico por mais de um ano para se destinar ao livro, lançado pela Companhia das Letras e ganhador do Prêmio Jabuti de melhor romance de 1992.
Para festejar os 80 anos do noticiarista, cantor e compositor, a BBC News Brasil recuperou, de seus arquivos, a entrevista —inédita em texto—, gravada no moca do Hotel Waldorf, no meio de Londres, em 29 de dezembro de 1992, para o programa Quotidiano de Londres:
Esse roteiro é o mesmo já cumprido pelo Chico Buarque cantor e compositor, quer proferir, o livro está sendo lançado nos países onde você já se lançou uma vez que cantor compositor?
Não, não. Nunca fui à Noruega e o livro foi traduzido, e quando eu fui lançar o livro as pessoas perguntavam, uma vez que uma curiosidade, se era verdade que eu também fazia a música. Mesmo cá na Inglaterra minha música não é conhecida. Na Espanha, sim. Na França, na Itália, Portugal… Mas nos países cá do Setentrião da Europa, não. Eu até falei que eu podia, depois de lançar o livro, me lançar uma vez que o noticiarista que também canta e fazer uns shows por aí.
O livro recebeu o título “Turbulence”, em inglês. Em outras línguas também recebeu títulos diferentes?
“Estorvo” só existe uma vez que a mesma termo em espanhol. Nos outros países não existe e é uma termo difícil de ser traduzida. O título foi muito discutido em todas as traduções. Na Itália eles mudaram umas duas, três vezes. Na tradução inglesa também. Esse título é o terceiro. Já foi “Disturbance”, foi “Turmoil” e chegou-se a “Turbulence”. Em italiano foi “Perturbazione”, depois virou “Ostaculo”, depois virou “Disturbo”.
Mas “disturbo” não é “estorvo”. Em tradução sempre se perde alguma coisa. Depois que eu terminei o livro eu ainda tive esse trabalho suplementar de seguir as traduções onde podia, de alguma forma, ajudar. E é um trabalho danado. Você quer a tradução perfeita e ela não existe.
Eu acompanhei a tradução espanhola, italiana, a francesa e mesmo a inglesa. Cá na Inglaterra o tradutor, o Peter Bush, foi um prodígio porque ele não fala português. Ele traduz do espanhol. Eu contei com a ajuda de uma brasileira que mora cá, a Lúcia Villares [então professora no Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Cambridge]. A Lúcia trabalhou praticamente uma vez que coautora da tradução.
E eu vim também pra cá no mês de maio. Fiquei uma semana quase brigando com o Peter Bush, querendo as coisas uma vez que elas são. O meu inglês é suficiente para ler com ajuda do léxico e proferir que não é aquilo, mas não é o suficiente para sugerir [outra coisa]…
Portanto eu tive estranhos diálogos com o Peter Bush. Eu dizia “não é isso”, aí eu sugeria uma coisa, ele falava “mas isso não é inglês” ou “isso é muito estranho em inglês”.
Às vezes eu ganhava a discussão dizendo que também é estranho em português. Uma vez que eu disse para a tradutora alemã —é simples que em boche não leio zero— mas ela já me mandou uns três faxes com dúvidas sobre o que é que eu queria proferir realmente com isso ou aquilo e tal, e eu disse pra ela não permanecer com terror de que talvez o livro fosse parecer um livro mal traduzido. Disse a ela pra não ter terror disso porque o livro, no original, já parece um livro mal traduzido (risos).
Por quê?
Porque tem coisas estranhas. Não é que eu tenha querido redigir coisas estranhas. Quando eles diziam isso é “awkward”, isso não pode, eu acabava tentando discutir com eles até que ponto você não tem o recta também de inventar.
Nós, quando lemos um [James] Joyce ou um [T.S.] Eliot, a literatura inglesa que chega ao Brasil traduzida, eu, —sem querer me confrontar a Joyce ou Eliot— perguntava, isso é estranho ou tá evidente? Eu estava requerendo o recta de inventar também em português, porque parece que nós estamos sempre atrasados em relação a eles. Por que uma literatura brasileira não pode redigir alguma coisa de estranho?
Porquê é que o livro tem sido recebido pelos críticos desses países?
Muito muito. Eu não recebi todas [as críticas]. Mas na Holanda, por exemplo…eu fui agora para tipo relançar o livro, que tinha sido lançado em junho. Portanto as críticas foram publicadas em julho, agosto. Aí agora me mostraram um book e traduziram pelo menos os títulos. E eu ganhei de 8 a 1 (risos)!
Tinha uma sátira que dizia que era um livro desnecessário, mas as outras oito eram muito elogiosas. As que recebi da Itália são todas muito boas —não sei se estão escondendo alguma. Na Noruega também me disseram que são boas.
Te compararam a qualquer noticiarista? Kafka?
O primeiro país de língua estrangeira que visitei para lançamento do livro foi a Itália. Fiquei muito satisfeito, [porque] as pessoas que me entrevistaram, que tinham realmente lido livro, com atenção, me devolveram ao Brasil. Viam alguma coisa de Guimarães Rosa…Viam muito mais o Brasil no livro do que no próprio Brasil.
Essa reação positiva da sátira te anima a embarcar num segundo projeto literário? Ou você prefere deixar de lado um pouquinho e voltar para a música?
Eu tenho intenção de redigir outro livro. Sem incerteza nenhuma. Eu gostei muito da própria experiência. Quando escrevi esse livro não estava absolutamente pensando na tradução, ou no livro sendo publicado fora do Brasil. Não sabia sequer qual seria a reação do Brasil ao livro.
Quando eu percebi o que eu estava fazendo, me desliguei completamente de qualquer compromisso com o público. Qualquer compromisso que pudesse resultar da relação que tenho com o público através da música.
Tem alguma coisa já engatilhada?
Não. Isso não. Eu agora estou com muita vontade de imaginar, de fazer música. Esse projeto do livro não é para já não. Talvez pra daqui a dois anos e tal. Eu quero sentir de novo a urgência de redigir o livro. Talvez eu tenha que passar pelo caminho da musica de novo. Voltar a redigir minhas canções, coisa que fiz muito pouco depois que comecei a redigir o livro. Eu tô com vontade de pegar meu violão.
Porquê noticiarista você era obsessivo? Foi um processo difícil, obsesso?
É um processo muito solitário, né? [Quando] Você está habituado a trabalhar com música popular, mesmo escrevendo pra teatro… de certa forma, você está buscando um contato, você tem uma reação do público. Isso modifica o seu processo de geração. Você tá contando com um evidente tipo de reação. Você sente, dá um show, você percebe, você sabe uma vez que as pessoas vão reagir. A reação é coletiva.
A sua música toda no rádio, são milhões de pessoas. O livro não. O livro é lido cá e ali por pessoas diferentes, em lugares diferentes, em um ritmo dissemelhante, uma pessoa lê rápido, outra lê vagarosamente…É uma coisa estranha. Às vezes eu achava que você tinha que ditar o ritmo da leitura, uma vez que você dita o ritmo da música. “Cá você tem que ler mais vagarosamente, cá menos” (risos)
Para você, imaginar é menos sofrido, mais prazeroso?
Eu tô falando de sofrimento, mas também não foi assim (risos). Eu ria sozinho, às vezes tinha revelações… às coisas às vezes vinham, sem que eu tivesse planejado, acontecia muito isso… movimentos que vinham abruptamente. Coisas que aconteciam e me surpreendiam. Com a música também acontece. Insônia, duas ou três noites sem dormir…
Por que você não quis permanecer no Brasil para lançamento do livro? Não houve entrevistas uma vez que esta que temos o privilégio de estar fazendo agora…
Quando terminei esse livro eu tirei férias. E era muito difícil para mim, no Brasil, falar do livro porque o que eu queria que o livro chegasse uma vez que alguma coisa que não tivesse zero a ver com meu trabalho com a música. E acho que ele não tem mesmo. E acho que a melhor maneira de proferir isso foi não dizendo zero.
Foi a minha privação. Deixar por conta da sátira, dos jornalista locais, entender o livro uma vez que eu acho que ele é, uma vez que literatura, ou não. E geralmente aconteceu isso. Grande secção da acolhida que o público teve (do livro) foi uma vez que trabalho novo, sem relação com meu trabalho anterior. É muito difícil explicar isso, entendeu? Você comparecer na televisão….Depois eu fiz. Fui lá no Jô Soares…Mas na hora mesmo do lançamento do livro, sua faceta tá muito ligada a envoltório de discos.
É um problema. Foi uma coisa que foi notada até por uma resenha na Itália. Ela começava falando isso. Na quarta envoltório da edição italiana puseram uma foto minha com um microfone (risos). Foto de “cantautore” [cantor e autor]. Uma mulher fez uma sátira muito boa, que começava observando isso, que a quarta envoltório dava a margem a equívocos, que poderia parecer uma “furberia”, uma esperteza editorial, do tipo “atriz lançando livro sobre aeróbica” ou “ex-árbitro de futebol que lança livro sobre gastronomia” —deve ter realizado na Itália isso. Aí depois ela dizia que o livro não era o que a contracapa dava a entender.
O livro foi lançado no Brasil já há qualquer tempo. Porquê é que está sendo pra você tendo que novamente falar sobre ele, explicar a história, enfim, tendo que explicar o livro a um público que não te conhece?
Mais do que explicar, eu estou começando é a entender o livro, à medida em que as pessoas me falam sobre ele. A partir das próprias perguntas, e das diversas leituras que o livro tem. Dizem as coisas mais contraditórias. E eu de maneira universal costumo concordar com as coisas mais contraditórias.
Cá na Inglaterra, o que você tem percebido?
Cá não deu tempo ainda de perceber porque não vi zero escrito ainda, só vi entrevistas. Cá, talvez mais do que em outros lugares, eu tenho percebido, nas entrevistas, uma preocupação de situar o livro em um contexto social político brasiliano…tive que proferir, várias vezes, que, sim, que o tecido de fundo é uma veras, não é surrealismo, é aquilo mesmo, mas que eu julgava que o mais importante no livro não era isso. Que não era um livro de denúncia social, acho que é um livro que pode ser um testemunho de um tempo, uma coisa assim, mas que não tem essa intenção.
As pessoas procuram te levar para esse lado de falar do Brasil de hoje? A política?
Eles procuram retrair pelo Brasil que eles conhecem, eles conhecem muito pouco do Brasil. Portanto quando não é a Amazônia, não é o carnaval, não é o futebol, são os fatos políticos recentes. O Brasil ficou espargido uma vez que país da depravação graças ao Collor, os últimos meses e tal.
Pro que eles menos puxam é justamente a literatura brasileira, que eles não conhecem. Portanto quando eles vão falar de literatura eles tendem a falar de literatura latino-americana. Se fosse um livro pretérito na Amazônia, o enfoque seria outro, aí eu iria falar sobre ecologia, sobre a ECO 92, a floresta.