Em 5 de maio pretérito, o cantor Chitãozinho, da célebre dupla com Xororó, completou 70 anos. A data redonda passou em branco na prensa brasileira e mesmo na internet. O cantor faz secção da grande quantidade de artistas que, passados sete décadas de vida, ainda não ganharam uma biografia de saudação no mercado editorial brasílio.
Um país semiletrado, o Brasil se acostumou com a mediocridade literária que fica ainda mais visível no campo das biografias. Se Chitãozinho fosse americano, com certeza sua vida pessoal e artística já teria sido esmiuçada a fundo por um biógrafo competente e, possivelmente, teria mais de uma biografia publicada.
Chitãozinho & Xororó até têm uma obra que conta a trajetória da dupla intitulada “Nascemos Para Trovar”, lançada em 2002 por Ana Lúcia Neiva. Mas trata-se de livro autorizado, adulatório, sem a independência e densidades necessárias a uma boa biografia.
Não se trata de fenômeno individual da música. Há grandes personalidades da vida pública brasileira com mais de 70 anos que merecem biografias por sua representatividade histórica, mas tampouco despertam interesse de escritores e editores. A inaugurar pelos ex-presidentes do Brasil. Se Lula, Itamar, Dilma e Sarney já foram biografados, a mesma sorte não tiveram Collor, FHC e Temer. Será provável entender a história recente do Brasil com tamanha vazio?
Outros nomes da política também deveriam ser biografados. É o caso de Paulo Maluf, prefeito e governador de São Paulo, grande nome da política pátrio que chegou a ser candidato a presidente uma vez que herdeiro da ditadura. Enquanto não houver pesquisador sério a disputar a escrita sobre Maluf, ele limpa sua barra no mercado editorial brasílio com um livro assinado por si mesmo intitulado “Ele: Maluf, trajetória da audácia”. Haja autoadulação!
Emerson Fittipaldi, de 77 anos, um gigante do esporte pátrio, tampouco tem uma biografia isenta, feita por um pesquisador sério. O que há são relatos autobiográficos e depoimentos publicados ao longo dos anos. Mas trabalho consistente de pesquisa que relacione a vida de nosso vencedor à história do Brasil, zero. O foco exagerado em Ayrton Senna apagou o interesse na vida de Fittipaldi e também de nosso outro tricampeão da Fórmula 1, Nelson Piquet, de 71 anos, desprestigiado de biografias sérias.
Na letrada MPB, onde tanto se valoriza as letras das canções, há lacunas lamentáveis no campo da escrita biográfica. Recentemente foi lançado “Pelas Ruas que Andei”, uma biografia de Alceu Valença de autoria de Julio Moura. Mas onde estão as biografias de Djavan, Elba Ramalho, Simone, Ivan Lins, Sérgio Dias, Liminha, Baby do Brasil, Moraes Moreira, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Pepeu Gomes, Lulu Santos, Fábio Jr., Odair José e Maria Bethânia?
Levante ano foi lançado o livro “Quebra Tudo! A Arte Livre de Hermeto Pascoal”, escrita por Vitor Nuzzi, sobre o célebre músico de vanguarda de 87 anos. Mas cadê as biografias aprofundadas de Edu Lobo, Marcos Valle, Toquinho, Jards Macalé, Paulinho da Viola, Benito di Paula, Jorge Ben, Alcione e Tony Tornado? Todos estes artistas têm mais de 70 anos e nenhuma biografia séria escrita ainda.
Grandiloquente é o caso de Chico Buarque. No próximo dia 19 de junho ele completará 80 anos sem ter uma biografia escrita de peso. Há alguns perfis do artista, uma vez que os dois livros escritos pela escritora Regina Zappa, muito complacentes e endeusadores do compositor, sem nenhum distanciamento crítico. Levante ano o plumitivo Tom Cardoso publicou “Trocando em Miúdos: Seis Vezes Chico”. É um trabalho louvável que soma-se à grande quantidade de estudos temáticos sobre a trajetória do gênio músico. Mas a vida de Chico ainda pede mais, merece uma biografia sátira, que junte sua obra e vida pessoal no tamanho que ela tem na história do Brasil.
Belchior só ganhou suas primeiras biografias depois de morto. Entre elas a ótima “Viver É Melhor que Sonhar”, escrita por Chris Fuscaldo e Marcelo Bortoloti, publicada em 2021, quatro anos depois seu falecimento. Esperaremos nossos ídolos morrerem para ortografar sobre eles? A maior secção continua aí, viva e muito de saúde, na ativa e com boa memória. Não há tempo a perder.
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