“A Gaivota” (1896) é um marco do teatro moderno, escrito por Anton Tchekhov, um dos dramaturgos mais influentes da história. A peça, estruturada em quatro atos, explora a intersecção entre os dramas pessoais de seus personagens e temas universais uma vez que a arte, o paixão e o libido de significância. Sua complicação reside na sutileza das relações interpessoais e no uso inovador de uma dramaturgia que desafia as convenções teatrais do século XIX.
Mais do que uma peça sobre artistas e suas aspirações, “A Gaivota” é uma reflexão sobre a exigência humana. Com sua mistura de humor melancólico, introspecção e sátira social, Tchekhov desafia os limites da narrativa teatral, convidando o público a refletir sobre os próprios sonhos, fracassos e a passagem do tempo. A obra permanece relevante por sua habilidade de captar as complexidades da vida de forma universal e atemporal.
A Cia. Bípede de Teatro Rupestre apresenta uma releitura do texto clássico de Tchekhov, usando a palhaçaria e a música ao vivo (com algumas canções bastante conhecidas pelo público), recurso muito muito utilizado pelo diretor Felipe Sales, uma vez que cada um dos personagens do dramaturgo russo funciona uma vez que um instrumento dentro de uma orquestra, que vão revelando suas singularidades, desilusões e vulnerabilidades ao contarem suas próprias histórias.
A montagem fica em edital no Teatro Itália até o dia 19 de fevereiro, sempre às quartas-feiras, às 20h.
Três perguntas para…
… Felipe Sales
A Cia. Bípede já encenou textos de Strindberg, Tchekhov, Dostoiévski e Górki. Há qualquer projeto do grupo para fabricar uma dramaturgia autoral ou estão felizes com os clássicos?
Acho interessante começarmos com essa pergunta, pois ela toca em alguma coisa médio para mim. A teoria de uma Companhia – e não de uma produtora – está profundamente ligada ao trabalho de pesquisa continuada em artes. Costumo reunir a pesquisa da Cia. Bípede uma vez que uma espécie de historiografia da humanidade. Nosso trabalho, que dialoga com os clássicos, mas não se limita a eles, procura compreender, por meio do teatro, o caminho que percorremos uma vez que sociedade para chegar até cá e, com sorte, vislumbrar os próximos passos.
Tenho orgulho de anunciar que, em julho, estrearemos a Trilogia Wesker, composta por três textos do dramaturgo britânico Arnold Wesker (“Canja de Penosa”, “Raízes” e “Estou Falando de Jerusalém”). Essas peças abordam a desmobilização e a descrença das novas gerações nos ideais socialistas, em obséquio de um projeto neoliberal – um processo que culminou na Inglaterra de Thatcher e que encontra paralelos inquietantes com o Brasil.
Ainda em 2025, teremos a estreia de dois textos inéditos: “Repreensão e Lume”, de Leo Milani, e “O Ladrão de Sanfonas”, de Benedito Bandeira. Nascente será um ano próprio para a Cia. Bípede, marcando cinco anos de trabalho contínuo e ininterrupto.
Tchekhov concebeu “A Gaivota” uma vez que uma comédia, mas a peça logo depois foi encenada por Stanislavski em Moscou uma vez que tragédia. Usar a palhaçaria nessa montagem é uma maneira de retomar a teoria original do responsável?
Pode ser indefinível declarar que a montagem de Stanislavski para “A Gaivota” é uma tragédia. Para responder a essa pergunta, é importante compreender o que Tchekhov queria manifestar com “comédia em quatro atos”. No sentido clássico, uma comédia investiga a vida privada, explorando temas que se desenrolam dentro das casas e relações pessoais. Nesse sentido, “A Gaivota” é uma comédia por tratar das complexidades da vida íntima.
Sobre a palhaçaria, a figura do palhaço é alguma coisa que me acompanha no palco de maneira proveniente. O destaque oferecido a isso nos releases, acredito, vem de uma percepção equivocada de que há uma dissonância entre Tchekhov e o palhaço. Portanto, não se trata de uma tentativa de ‘retornar’ ao original, mas de uma consequência orgânica do texto.
Uma das propostas do fazer teatral da companhia é lançar mão do que há disponível, sem sofisticações. Uma vez que tem sido esse processo desde que o grupo começou?
Desde o início, o treino principal da Companhia tem sido resgatar a imaginação e a ludicidade. Falamos tanto que o teatro é um jogo, mas, muitas vezes, caímos na emboscada de olvidar de recrear. Nossa proposta também é uma forma de resistência à ditadura do literal. Walter Benjamin, em seu famoso experimento sobre a reprodutibilidade técnica, afirma que o teatro é a arte do ator, enquanto o cinema é a arte do diretor.
No cinema, um jardim é necessariamente um jardim literal; uma morada é uma morada literal. Esse hábito visual acabou formando um público que espera do teatro a mesma literalidade. Nós, na Cia. Bípede, buscamos romper com essa norma e oferecer um teatro que provoca a imaginação em vez de acomodar-se ao óbvio.
Nossa veras material também desempenha um papel crucial nesse processo. Não somos, nem pretendemos ser, um grupo rentável ou mercantil. Assim, é necessário que nossas produções se ajustem ao orçamento, e a ludicidade, felizmente, é uma instrumento conseguível e extremamente rica quando muito utilizada.
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