Cícero Sai Do 'indie Lo Fi' Com álbum 'concerto 1'

Cícero sai do ‘indie lo-fi’ com álbum ‘Concerto 1’ – 19/02/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Em meio aos primeiros meses de pandemia, trancado na mansão da mãe em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, Cícero pensava em porquê fazer shows e gravar num mundo em que todos estavam isolados.

“Tive a teoria de gravar tudo remotamente, cada um na sua mansão, projetar uma orquestra na parede de mansão e tocar para a câmera com os músicos projetados detrás de mim”, diz o compositor. “Mandei para o Felipe Pacheco, que era arranjador da [banda carioca] Baleia, e pedi arranjos para cordas e sopros”.

O projeto não vingou ali. Mas foi o primeiro vislumbre do que viria a se tornar “Concerto 1”, turnê com a qual Cícero rodou o Brasil em 2023 e que agora ganha versão gravada, num álbum homônimo. São dez releituras de canções de álbuns anteriores, com traços de bossa novidade, rock mútuo e marchinha.

“Retomamos a teoria, juntamos os músicos para tocar os arranjos do Pacheco e fomos para um teatro gravar a orquestra”. No show, essa gravação é projetada num telão, enquanto Cícero acompanha ao vivo na voz e no violão. “Parece que minha música se entendeu mais com esse formato do que com o indie que eu fazia quando era mais novo”.

O compositor até venceu sua resistência com discos ao vivo, por entender que havia alguma coisa de original ali. “A orquestra gravou ao vivo, e eu gravei a voz e o violão num envolvente controlado de estúdio. Comecei a sentir que aquilo tinha uma razão de ser, tinha proposições inéditas para mim.”

Desde a turnê, Cícero ouve o HD com a secção dos músicos isoladamente, porquê se fosse um disco próprio. Na verdade, o projecto do artista é que se torne. “A versão com voz ficou legítimo, mas quando tira a voz parece que consigo me explicar em outros lugares”, avalia.

“O Pacheco foi muito respeitoso, não mexeu nos contracantos, não recompôs as músicas, só pegou o que estava no teclado e botou, por exemplo, para o clarinete. Portanto, quando tira a voz, consigo ouvir a melodia que fiz e pensar: ‘Versátil’. Por isso vou lançar essa versão instrumental”.

A música clássica era trilha sonora desde a ventre da mãe. Ele acredita que naturalmente incorporou desenhos melódicos desse universo. E, de alguma forma, o disco resolve uma questão que era médio na primeira dez de sua curso, entre 2010 e 2020.

“Meus álbuns da dez passada tinham muita intenção na produção, queria gravar com celular, computador, radinho, fita cassete”, diz Cícero. “Nesse disco novo, tirei todas as intenções. Gravei de um jeito ‘standard’, masterizei com os caras da indústria.

As camadas de intenção estão nas letras e na constituição. Isso me livrou da sensação de ser o indie. Sou um compositor que gosta da estética lo-fi porque era o que tinha em Santa Cruz nos anos 1990, mas não é necessariamente a minha bandeira”.

As menções à Santa Cruz, subúrbio da zona oeste do Rio, surgem naturalmente muitas vezes na fala de Cícero. Apesar de não morar mais lá, ele continua muito próximo desse lugar onde estão sua família e suas raízes.

“Acho o siso de humor do subúrbio mais engraçado, a música mais sedutora. Meu trânsito no mundo vem muito do indumento de ser de Santa Cruz”, diz o artista. “Cresci com a premissa de que prego que se destaca toma martelada. Minha natureza é de não surgir. Não sabor de palco, de câmera, de prêmio, de TV. Faço porque ajuda a ter público, mas mesmo assim não faço. Se tivesse nascido no Jardim Botânico, talvez tivesse feito teatro. Mas o suburbano tem uma paragem de quem já foi assaltado mais de dez vezes. Quero passar despercebido”.

Ele até consegue um pouco não ser notado. Há umas semanas, postou uma foto no Instagram e leu comentários do tipo: “Esse que canta ‘Tempo de Pipa’?”. “Em qualquer lugar, fiz a coisa certa, não me expor tanto à malvadeza de gente boa, porquê diz o Chico César”, afirma. Mas essa malvadeza já o alcançou muitas vezes, principalmente na idade de seu primeiro disco, “Canções de Apartamento”.

“Foi a pior período. Todo mundo me bajulando, mas, ao mesmo tempo, tinha muita gente com raiva de mim”, lembra Cícero. “Comecei a mourejar com esse desprezo, que às vezes é velado, às vezes não. Chegava no rolê em Botafogo, e a galera saía de perto, abria roda. Quando ia tocar, era muito ruim, porque não sabia tocar minhas próprias músicas ao vivo. Gravei em mansão, sobrepondo coisas, mas não sabia tutorar aquelas músicas no palco”.

A renome, portanto, não é alguma coisa que mova Cícero. “Meus amigos famosos estão mais satisfeitos quando conseguem largar a renome para lá”, conta. “Quem está dentro está sempre reclamando, tampado de remédio, porque a gente não está prestes para essa renome de internet. É uma piração essa dos números.

As redes sociais são um grande jogo do tigrinho. Na real, rede social nem social é, isso é marketing. Porque se, em vez de ‘rede social’, chamassem de ‘solidão autoinflingida’, ninguém entrava. Aí fizeram esse ‘branding'”.

Em vez da renome, Cícero diz se movimentar pela percepção de que é secção de alguma coisa maior, de uma história da música brasileira. “Eu, Tim Bernardes, Ana Frango Elétrico, a gente entendeu que a função de uma geração é nutrir a próxima”.

O Brasil, acredita, é um terreno privilegiado para esse pensamento. “Um pouco do ‘Concerto 1’ foi para dar uma cutucada nisso. Muita gente defende que a grande música do planeta é a música branca eurocêntrica, a música clássica que chegou no auge do que a música pode ser, e zero pode se infiltrar nisso. Isso para mim é uma fraqueza, e não uma força”, afirma.

“A música brasileira é a melhor música do mundo porque a gente não rejeita zero. Daqui a pouco vai ter uns moleques novos que ouviram tudo de trap, rap, funk, samba, maracatu, ficaram fritando ali no Spotify e vão fazer um negócio muito fora da casinha. E eu vou escadeirar palma”.

Folha

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